24 janeiro, 2022

𝑬𝒄𝒐𝒍𝒐𝒈𝒊𝒂, de Joana Bértholo

 

Autora: Joana Bértholo
Título: Ecologia
N.º de páginas: 499
Editora: Caminho
Edição: Maio 2018
Classificação: Romance
N.º de Registo: (Bib)


OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐⭐


Leitura complexa, intensa e inquietante que nos coloca constantemente perante questões pertinentes e muito actuais de uma sociedade “doente”, tais como, a linguagem na desvalorização da palavra face às redes sociais; a ausência de pensamento, de opinião perante um facto; a aniquilação das relações interpessoais; a imposição do medo; as consequências do capitalismo e da privatização de tudo, onde tudo se paga, até as palavras; o conformismo de uns e a revolta de outros (poucos) perante certas decisões; a ausência de consciência e a negligência em relação ao meio-ambiente.
“Muitos Consumidores ainda não entendem que quando os produtos e serviços lhes são oferecidos, isso significa que eles próprios são o produto.
Mesmo aqueles que o entendem, pesam as grandezas em jogo e decidem-se a favor da qualidade de vida. Embarcam numa existência com controlo sobre variáveis e imprevistos, mas permanentemente controlados, Já não há «estar fora». Em nenhum aspecto da vida. Uma utopia individual dentro de uma distopia colectiva.” (p. 418)

Livro distópico que apresenta uma posição muito crítica, sustentada no progresso e no avanço tecnológico sem limites, na descoberta de palavras, pela voz de Candela, a criança que ao longo do livro vai colocando questões desconcertantes e que se constitui como um enorme campo experimental e lúdico de jogos de palavras (sinonímia, polissemia, antonímia, normalização, monitorização).
Numa estrutura invulgar, fora do comum, com tipologias textuais diferenciadas, Ecologia dispersa-se por várias linhas narrativas que revelam situações diversas, histórias familiares, personagens várias e que segundo um fio condutor acabam por se ligar e dar sentido ao que aparentemente parece desconexo. À semelhança de outras distopias bem conhecidas, há um “sistema” criado por Darla Walsh que apresenta um plano que vai transformar as palavras em produtos de consumo, taxadas de forma aleatória. Para tal, cria tecnologia avançada que permita registar, contabilizar, monitorizar as palavras ditas pelas pessoas e assim atribuir-lhes um valor a pagar. Mas como toda a tecnologia, também esta revela pontos fracos e acaba por não detectar palavras pronunciadas por gagos, ou cantadas, ou ditas ao contrário entre outros subterfúgios que as pessoas vão descobrindo.

Joana Berthólo ao projectar no futuro esta sua visão da sociedade, acaba por pôr em evidência o presente, a realidade. Vivemos numa sociedade de consumo e de (des)informação, sob o engodo do marketing (muito bem demonstrado no livro) e do livre (falso) acesso à informação veiculada pelas redes sociais, tudo se paga, tudo se compra, todos opinam, todos escrevem, todos têm razão, nada se verifica, nada se confirma, nada se analisa…
Através de um discurso irónico, corrosivo, bem-humorado, a autora desmonta a relação ambígua entre o poder e o saber, questiona a hierarquia de valores, ou a falta dela, e alerta para as questões ecológicas.


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