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08 setembro, 2025

Onda Literária | 5, 6 e 7 Setembro 2025



A 3.ª Edição da Onda Literária promovida pelo Centro de Artes de Sines e Biblioteca Municipal ofereceu-nos um programa de luxo.Foram três dias intensos de iniciativas e de partilha de livros, leituras, conversas, fotografias, sorrisos, gargalhadas e abraços.
Adorei cada momento.
Descobri novos autores, confirmei valores certos da nossa literatura.
Este ano, tive o privilégio de moderar dois encontros com escritores que integram a minha lista de autores de leitura imperdível (tinha escrito obrigatória, mas alterei porque o pessoal detesta o que é obrigatório 😉)
A primeira moderação foi com Isabel Rio Novo e Paulo M. Morais e a segunda com Ondjaki. Dois momentos distintos, mas ambos enriquecedores e convincentes quanto à qualidade da obra que publicam.
Fiquei muito mais rica com as aprendizagens adquiridas e feliz com os momentos vividos.
O tempo ora quente, ora frescote, ora ainda chuvoso veio acrescentar alguma imprevisibilidade ao evento.
Apenas um lamento. Constatei, mais uma vez, que em Sines, um excelente Festival Literário não enche recintos. Valeu-nos a presença de um gato atento e curioso para colmatar um pouco esse vazio.
Até pró ano!









12 agosto, 2025

𝑺𝒆𝒋𝒂 𝒇𝒆𝒊𝒕𝒂 𝒂 𝒕𝒖𝒂 𝒗𝒐𝒏𝒕𝒂𝒅𝒆, de Paulo M. Morais



Autor: Paulo M. Morais
Título: Seja feita a tua vontade
N.º de páginas: 128
Editora: Casa das Letras
Edição: Junho 2017
Classificação: romance
N.º de Registo: (3721)



OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐


Seja feita a tua vontade, de Paulo M. Morais, é um romance comovente que aborda a morte como escolha consciente e a despedida como reencontro. Através da relação entre um avô e o seu neto, o autor constrói uma narrativa íntima, onde se cruzam memórias, silêncios e afectos.

O enredo centra-se na figura do avô, médico octogenário, que, cansado de lutar contra os “bichos imaginários” que lhe devoram o corpo, decide pôr fim à sua vida de forma metódica e consciente. Esta decisão, comunicada à família, desencadeia uma série de dilemas éticos e emocionais, especialmente para o neto, que assume o papel de cuidador e confidente.
“Passamos tardes inteiras a falar de intimidades. No recato do teu quarto, exponho-me e exponho-te. Damos as mãos. Faço-te festas no rosto. Para passarmos o tempo que falta (ou será recuperarmos o tempo perdido?), partilhamos histórias nestes dias em que a morte ronda.” (p. 43)

O livro confronta-nos com questões delicadas como a eutanásia, o envelhecimento, o direito à morte digna e a desumanização da morte hospitalar. A decisão do avô é apresentada como um acto de lucidez e de dignidade, desafiando convenções sociais e familiares.
Nesse período de tempo (dezanove dias), avô e neto revisitam memórias e afectos, num processo de despedida íntimo. Porém, a narrativa ganha uma reviravolta quando, inesperadamente, o avô informa que pretende continuar a viver, abalando a serenidade conquistada e reabrindo feridas emocionais.

Paulo M. Morais constrói personagens densas e realistas, explorando a complexidade das relações inter-geracionais. O avô, inicialmente rígido, revela-se vulnerável e humano, enquanto o neto, jornalista e pai de uma menina, emerge como uma figura de escuta e ternura.
Questiono-me se não haverá, neste romance, um carácter auto-biográfico?

A escrita é contida, mas carregada de emoção. A economia de palavras releva o impacto dos momentos de ternura e de dor, conferindo maior autenticidade à narrativa. E a escrita diarística, na segunda pessoa, reforça o tom confessional e aproxima o leitor das personagens.

A citação de Morreste-me, de José Luís Peixoto no livro não é apenas uma referência literária — é uma ponte emocional entre duas obras que exploram o luto com uma tremenda delicadeza.

Os dois livros partem da dor da perda para construir uma narrativa íntima e reflexiva. A diferença, é que em Morreste-me, José Luís Peixoto escreve com uma linguagem poética e fragmentada, como se cada frase fosse um eco da ausência do pai. A dor é crua, mas contida, e o texto transforma-se num espaço de memória onde o filho tenta manter vivo o que já não está. Já em Seja feita a tua vontade, Paulo M. Morais aborda a morte antecipada — não como perda súbita, mas como escolha consciente. O avô decide serenamente morrer e o neto acompanha esse processo, criando uma despedida que é também uma reconstrução de afectos.

Seja feita a tua vontade é um livro que nos toca profundamente. Mais do que uma história sobre o fim, é um convite à escuta, à ternura e à coragem de estar presente quando o tempo finda.


16 março, 2024

𝑨 𝑩𝒐𝒏𝒆𝒄𝒂 𝑫𝒆𝒔𝒑𝒊𝒅𝒂, de Paulo M. Morais

 


Autor: Paulo M. Morais
Título: A Boneca Despida
N.º de páginas: 380
Editora: Casa das Letras
Edição: Maio 2023
Classificação: Romance
N.º de Registo: (3479)



OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐


A Boneca Despida, de Paulo M. Morais é um romance arrebatador que nos lega uma mensagem que urge repensar nos dias de hoje.

O livro muito bem estruturado, é constituído por sete partes (Aurora, Manhã, Meio-dia, Tarde, Anoitecer, Noite, Crepúsculo) que constituem um dia, mas que efectivamente correspondem a 100 anos, o tempo de vida da protagonista, Julieta Silva. Cada uma destas partes abre com sugestões de bandas sonoras apropriadas a cada momento e que, na minha opinião, enriquecem sobremaneira a leitura do romance.
A subdivisão é assumida por datas (de 1915 a 2016) e em cada uma delas, em jeito de epígrafes, o autor insere pequenos textos representativos dos factos sociais, culturais e políticos da época e que se cruzam, obviamente, com as vivências de Julieta. Considero estes textos fundamentais e de extrema importância para a compreensão do enredo.

Julieta Silva é uma lutadora. Com uma vida infeliz e sofrida carrega as marcas de uma sociedade portuguesa patriarcal gerida sob a batuta castradora do regime do Estado Novo. As mulheres, tidas como “fadas do lar”, conformavam-se ao poder da figura masculina, marcas que permaneceram mesmo depois da revolução.
Julieta sujeitou-se a uma vida de servidão, de abandono, a quem impediram de prosseguir estudos, de ler, de sonhar, a quem não revelaram as alterações corporais e biológicas, a quem não ensinaram os factos de uma vida, nem sequer a experimentar emoções. Casou sem paixão, teve filhos que amou e protegeu incondicionalmente. Assumiu, submissa, o seu papel de neta, de filha, de sobrinha, de irmã, e mais tarde, de mulher, de mãe, de avó. “Naquela submissão, havia medo e solidão.” (p. 71). Sofreu reversos inesperados e dolorosos. Nunca se rebelou, nunca lutou pela sua felicidade, mas também nunca se lamentou, nem vacilou. Julieta é uma mulher extraordinária se tivermos em conta o período em que viveu. Bafejada por um destino cruel, impiedoso e sofrido, tudo faz para sobreviver e servir com amor os seus, sobretudo os filhos.

A Boneca Despida, é assim, um documento histórico pois espelha o papel da mulher ao longo de um século, mas também evidencia a repressão homossexual, a “beatice” vivida na Igreja que alimentava nos seus crentes noções de culpa e de pecado, impondo um moralismo excessivo, “Com bênção e selo papal, carimbava-se a aliança entre Igreja e Estado para a orientação dos portugueses nas suas vidas. No seio da família rezava-se e perdoava-se bastante.” (p. 155)

A escrita de Paulo M. Morais é fluida e apaixonante com passagens muito poéticas, mas também muito duras. A realidade social, histórica e social apodera-se da ficção, ou será o contrário? Não importa a ordem, o importante é mesmo que o leitor seduzido se deixa conduzir e, assim, página após página, vive intensa e emocionalmente a existência desta mulher, “que à custa da sua fraqueza [em impor as suas intenções], falhara” muitas vezes, mas que nunca desfaleceu perante as agruras do destino. Quantas mulheres calaram e continuam a calar uma vida de dor, de violência? Termino como iniciei: é urgente repensar a nossa existência, os valores da nossa sociedade. O que queremos? Para onde nos dirigimos?

Recomendo a leitura deste e dos outros livros do autor.



14 janeiro, 2018

Voltemos à escola de Paulo M. Morais



Paulo M. Morais escreveu este livro apaixonante baseado nas suas visitas atentas e curiosas à Escola da Ponte. Através de uma escrita simples, objectiva e emocionada o autor vai-nos relatando um projeto que já dura há 40 anos e que se preocupa verdadeiramente em formar jovens (do 1.º ao 9.º anos) responsáveis, críticos e autónomos através de um processo de aprendizagem democrático, cívico e participativo. Nesta escola não há barreiras, há direitos e deveres e afectos. Cada um aprende ao seu ritmo, ultrapassa as suas dificuldades e quando surgem dúvidas, desalentos, incertezas, há sempre alguém pronto para ajudar.

Já conhecia, isto é, já tinha lido algo sobre esta escola, mas só agora fiquei com uma noção mais clara daquilo que lá é feito. Como professora, trabalho numa escola tradicional que formata os seus alunos e os impede de reflectir, de criticar, de criar porque nunca há tempo para esses aspectos ( “é preciso cumprir o programa” , ouve-se dizer a tantas vozes).

Há, no entanto, uma questão que coloco e que é a seguinte: havendo em Portugal uma escola com autonomia, com um projecto diferente e aliciante por que razão o nosso Ministério não o aplica noutras escolas (com carácter experimental, de início) e tende a ir copiar outros modelos, de países com características bem diversas das nossas. (Eu até conheço a resposta…).

Este livro é de leitura obrigatória para todos os que se preocupam com a educação! 

Obrigada Paulo M. Morais por ter concretizado este trabalho.