31 julho, 2019

Tanta Gente, Mariana e As Palavras Poupadas de Maria Judite de Carvalho





SINOPSE


A presente colecção reúne a obra completa de Maria Judite de Carvalho, considerada uma das escritoras mais marcantes da literatura portuguesa do século XX. Herdeira do existencialismo e do nouveau roman, a sua voz é intemporal, tratando com mestria e um sentido de humor único temas fundamentais, como a solidão da vida na cidade e a angústia e o desespero espelhados no seu quotidiano anónimo.

Observadora exímia, as suas personagens convivem com o ritmo fervilhante de uma vida avassalada por multidões, permanecendo reclusas em si mesmas, separadas por um monólogo da alma infinito.

Este primeiro volume inclui as duas primeiras colectâneas de contos de Maria Judite de Carvalho: Tanta Gente, Mariana (1959) e As Palavras Poupadas (1961), Prémio Camilo Castelo Branco.

OPINIÃO

Em boa hora, a Minotauro, uma chancela da Almedina, decidiu reeditar a obra de Maria Judite Carvalho. Este primeiro volume, Tanta Gente, Mariana e As Palavras Poupadas, reúne 17 contos magníficos. 

As histórias põem em evidência a solidão. A solidão das mulheres no seu dia-a-dia, a frustração de um amor perdido, do falhanço do casamento, da traição, da morte, do envelhecimento precoce.
Logo no primeiro conto - Tanta Gente, Mariana – o leitor deixa-se imbuir pela melancolia e tristeza patentes na personagem que, com apenas trinta e seis anos se sente completamente só, aguarda a chegada da morte: 

“ Mas hoje são vinte de Janeiro e daqui a três ou quatro meses começo a esperar a morte.
Sinto-me só, mais do que nunca, ainda que sempre o estivesse estado.
Sempre. “ 

Em todos os restantes contos temos homens e mulheres (mais mulheres) com características semelhantes, envoltas de dor, de solidão, de desencanto. Maria Judite de Carvalho utiliza o seu poder de observação do quotidiano para criar as suas personagens e usa a ironia para “atacar” a sociedade da época (década de 60) em que as mulheres eram relegadas para segundo plano e tinham como função manter a casa, ter filhos e cuidar da família. A sua escrita deixa marcas profundas, é incisiva e convoca o leitor à reflexão. Gostei muito. Hei-de voltar. Há mais volumes…



23 julho, 2019

História do Cerco de Lisboa de José Saramago



SINOPSE

«Há muito que Raimundo Silva não entrava no castelo. Decidiu-se a ir lá. O autor conta a história de um narrador que conta uma história, entre o real e o imaginário, o passado e o presente, o sim e o não. Num velho prédio do bairro do Castelo, a luta entre o campeão angélico e o campeão demoníaco. Raimundo Silva quer ver a cidade. Os telhados. O Arco Triunfal da Rua Augusta, as ruínas do Carmo. Sobe à muralha do lado de São Vicente. Olha o Campo de Santa Clara. Ali assentou arraiais D. Afonso Henriques e os seus soldados. Raimundo Silva "sabe por que se recusaram os cruzados a auxiliar os portugueses a cercar e a tomar a cidade, e vai voltar para casa para escrever a História do Cerco de Lisboa. Uma obra em que um revisor lisboeta introduz a palavra "não" num texto do século XII sobre a conquista de Lisboa aos mouros pelos cruzados.» (Diário de Notícias, 9 de outubro de 1998)


OPINIÃO

Neste romance de Saramago estamos perante um diálogo entre a história e a literatura, o que nos permite encarar os factos de uma forma mais atraente. Temos a história do Cerco de Lisboa levado a cabo por D. Afonso Henriques em 1147 contra os mouros que ocupavam Lisboa e a história de Raimundo Silva, revisor de uma editora lisboeta, escrevendo, por sua vez, a história do cerco. 

Durante a revisão da História do Cerco de Lisboa Raimundo Silva decide colocar a palavra NÃO numa página e alterar assim os factos da história do Cerco de Lisboa. 

“uma palavra que o historiador não escreveu, que em nome da verdade histórica não poderia ter escrito nunca, a palavra Não, agora o que o livro passo a dizer é que os cruzados Não auxiliarão os portugueses a conquistar Lisboa, assim está escrito e portanto passou a ser verdade,” (p. 50) 

A introdução desta simples palavra na história, vai causar primeiramente perturbações no seu comportamento e posteriormente alterações na sua vida. 

Mais uma vez estamos perante a mestria de Saramago na construção de personagens complexas. Ao atribuir a profissão de revisor a Raimundo, e ao escolher um romance histórico como o objecto revisado, Saramago coloca questões sobre a veracidade dos factos, sobre a aquisição e construção dos conhecimentos, sobre a objectividade/subjectividade do historiador. 

De forma irónica e numa escrita complexa, Saramago interliga os dois planos, isto é, as duas histórias que se vão desenrolando simultaneamente, a de 1147 e a actual, a de Raimundo Silva, a de 1980. Assim, Raimundo Silva ao escrever a sua versão da história, vai-se descobrindo a si próprio e vai projectando no passado a sua própria vida mesclando realidade e ficção.
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07 julho, 2019

Les fleurs Sauvages (As Flores Perdidas de Alice Hart) de Holly Ringland



SINOPSE

Um romance sobre as histórias que deixamos por contar e sobre as que contamos a nós próprios para sobrevivermos.

Alice tem nove anos e vive num local isolado, idílico, entre o mar e os canaviais, onde as flores encantadas da mãe e as suas mensagens secretas a protegem dos monstros que vivem dentro do pai.

Quando uma enorme tragédia muda a sua vida irrevogavelmente, Alice vai viver com a avó numa quinta de cultivo de flores que é também um refúgio para mulheres sozinhas ou destroçadas pela vida. Ali, Alice passa a usar a linguagem das flores para dizer o que é demasiado difícil transmitir por palavras.

À medida que o tempo passa, os terríveis segredos da família, uma traição avassaladora e um homem que afinal não é quem parecia ser, fazem Alice perceber que algumas histórias são demasiado complexas para serem contadas através das flores. E para conquistar a liberdade que tanto deseja, Alice terá de encontrar coragem para ser a verdadeira e única dona da história mais poderosa de todas: a sua.


OPINIÃO

As Flores Perdidas de Alice Hart é o primeiro romance da escritora australiana Holly Ringland. A história de Alice, a protagonista, faz-nos reflectir e reconhecemos a sua coragem perante as várias partidas que a vida lhe vai pregando. Nunca desiste e recomeça sempre. Os livros e as flores fazem parte integrante dela e poder-se-á afirmar que são o seu refúgio. 

A cultura de flores nativas e selvagens é uma herança que perdura há gerações na família. São as mulheres que mantêm esta tradição e a transmitem à geração seguinte. Alice também vai passar por esta aprendizagem, forçada pelas circunstâncias da vida. Ainda menina, vai viver com a sua avó paterna, June, e no meio de flores cultivadas e de Flores (mulheres destroçadas acolhidas na quinta) que as cultivam, vai aprender a lutar com os fantasmas, os medos e as dúvidas que a atormentam. 

O enredo agarra o leitor. A autora usa o colorido, a beleza e o significado (linguagem) das flores para nos relatar a vida sofrida e triste de Alice, mas também as suas alegrias e paixões. No final, tudo se conjuga, ou talvez não.