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10 outubro, 2024

Nobel da Literatura | 2021 - 2024

 




2021 - Abdulrazak Gurnah (1948–) | Tanzânia | Ficção

“Pelo seu entendimento intransigente e compassivo dos efeitos do colonialismo e do destino dos refugiados no abismo entre culturas e continentes”


2022 - Annie Ernaux (1940–) | França | Romance, Memórias, Autobiografia

“Pela coragem e acuidade clínica com que desvenda as raízes, os estranhamentos e os constrangimentos coletivos da memória pessoal”


2023 - Jon Fosse (1959 - ) | Noruega | Drama, Romance

"Pelas suas peças e prosa inovadoras que dão voz ao indizível"


2024 - Han Kang (1970 - ) | Coreia do Sul  |  Romance, Poesia

"Pela sua intensa prosa poética que confronta traumas históricos e expõe a fragilidade da vida humana".


Han Kang vence Prémio Nobel da Literatura 2024

 

                                                         Foto retirada da Internet


 A Academia Sueca distinguiu a escritora sul-coreana, Han Kang, «pela sua prosa poética intensa que confronta traumas históricos e expõe a fragilidade da vida humana» e pela sua «consciência única das ligações entre o corpo e a alma, os vivos e os mortos», inovadora na prosa contemporânea, através do seu «estilo poético e experimental».

Han Kang é a 18.ª mulher a receber o Nobel de Literatura entre os 121 laureados. É a primeira escritora da Coreia do Sul a receber este prémio.
Em 2016, com A Vegetariana venceu o International Booker Prize de Ficção e, em 2018, recebeu o mesmo prémio com O Livro Branco.

A autora tem quatro livros publicados na D. Quixote: A Vegetariana (2007), Lições de Grego (2011); Atos Humanos (2014) e O Livro Branco (2016).



Li apenas um livro da autora - A Vegetariana. A minha apreciação está em   leituras...trilhos...evasões...: Han Kang (fragmentos-lte.blogspot.com) 


05 outubro, 2023

Jon Fosse vence Prémio Nobel da Literatura 2023

 

                                                               Foto retirada da internet 


O Prémio Nobel da Literatura 2023 foi atribuído ao escritor norueguês Jon Fosse, de 64 anos, "pelas suas peças e prosas inovadoras que dão voz ao indizível", anunciou hoje a Academia Sueca, às 12.47 horas.

"A sua imensa obra, escrita em norueguês e abrangendo uma série de géneros, consiste numa grande variedade de peças de teatros, romances, coleções poéticas, ensaios, livros para crianças e traduções. Apesar de ser um dos mais representados dramaturgos no mundo, também se tornou crescentemente reconhecido pela prosa", referiu a organização do prémio.

Jon Olav Fosse nasceu em Haugesund, na Noruega, em 29 de setembro de 1959.

Jon Fosse escreveu romances, contos, poesia, livros infantis, ensaios e peças de teatro. As suas obras foram traduzidas em mais de 40 idiomas.

Desde 2011 que foi concedido a Fosse o "Grotten", uma residência honorária pertencente ao estado norueguês e localizada no Palácio Real de Oslo no centro da cidade de Oslo. O uso do Grotten como residência permanente é uma honra especialmente concedida pelo Rei da Noruega pelas contribuições para as artes e a cultura norueguesas.

Em Portugal, a Cavalo de Ferro tem vindo a publicar a prosa de Fosse, com destaque para manhã e noite (2020), Trilogia (2021) e Septologia I-II (2022).

O Nobel da Literatura é um prémio concedido anualmente, desde 1901, pela Academia Sueca.








24 setembro, 2023

𝑱𝒖𝒏𝒕𝒐 𝒂𝒐 𝑴𝒂𝒓, de Abdulrazak Gurnah

 


Autor: Abdulrazak Gurnah
Título: Junto ao Mar
Tradutora: Eugénia Antunes
N.º de páginas: 293
Editora: Cavalo de Ferro
Edição: Setembro 2022
Classificação: Romance
N.º de Registo: (3423)


OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐⭐


Junto ao Mar é o primeiro livro que leio de Abdulrazak Gurnah. Versa sobre questões actuais como a imigração de refugiados. A sua escrita, de teor auto-biográfica, dá voz às pessoas, foca-se na identidade e no destino de cada uma. Saleh Omar, o protagonista, chega a Inglaterra como refugiado oriundo da ilha de Zanzibar e ao requerer asilo político tem de enfrentar várias barreiras: a da língua (já que afirma não falar inglês), a do controlo de passaportes, a dos serviços sociais e a incompreensão e a rejeição de muitos.
“As pessoas como o senhor vêm para aqui em catadupa sem a mínia noção dos danos que provocam. Não pertencem aqui, não valorizam as mesmas coisas que nós, não pagaram por elas ao longo de gerações, e nós não vos queremos aqui.” (p. 22)

É um romance magnífico que aborda a problemática da emigração, como já referi, mas é também, e sobretudo, a revisitação a um passado histórico doloroso, a uma história de ajuste de contas entre duas famílias, a histórias “que estão sempre a escorregar-nos por entre os dedos, a mudar de forma, a contorcer-se para se escapulirem.” (p. 157).
À medida que o protagonista narra a sua vida, assimilamos a sua viagem interior de busca de identidade, a sua reflexão sobre valores como a ambição, a traição, a dignidade, a honra, o perdão e a amizade.
Numa clara alusão ao Bartleby, de Melville, o protagonista refere em várias situações e com interlocutores diferentes “Preferia não o fazer”, passando ao leitor a ideia de que pretende expiar os seus erros, redimir-se de todo o seu passado.

Recomendo. Eu, prometo ler outros do autor já que as suas temáticas me interessam.


30 agosto, 2023

𝑶 𝑨𝒄𝒐𝒏𝒕𝒆𝒄𝒊𝒎𝒆𝒏𝒕𝒐, de Annie Ernaux



Autora: Annie Ernaux
Título: O Acontecimento
Tradutora; Maria Etelvina Santos
N.º de páginas: 87
Editora: Livros do Brasil
Edição: Setembro 2022
Classificação: Romance
N.º de Registo: (3401)


OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐⭐


É o quarto livro que leio da vencedora do Prémio Nobel da Literatura 2022. Todos autobiográficos e escritos com enorme lucidez e acutilância. Mas este supera em tudo as leituras anteriores.

Annie Ernaux mergulha nas memórias dos seus 23 anos e, com recurso a uma agenda e a um diário íntimo, transforma em trama literária o aborto clandestino que então viveu. Sem pudor, ela narra todos os acontecimentos ocorridos a partir do momento em que decide rasgar o certificado de gravidez passado pelo médico. Contudo, a decisão de o fazer não foi fácil nem imediata, “Há anos que giro à volta deste acontecimento da minha vida. (…) Comecei esta narrativa há uma semana, não tendo a mínima certeza de vir a prossegui-la.” (p. 18). Ao longo da leitura, percebemos e aceitamos as suas hesitações, mas desejamos ansiosamente que a termine para que possamos, com ela, enfrentar o acontecimento e para que o seu desejo se concretize, como referiu numa das epígrafes, “que o acontecimento se transforme em escrita. E que a escrita seja acontecimento.” (cita Michel Leiris).

Ela também tem consciência de que este relato, directo e cru, tão característico da sua escrita, pode não agradar a todos. Na página 41, ela regista essa advertência, mas decide continuar pois o mais importante é revelar a “realidade das mulheres”, a “experiência vivida de uma ponta a outra através do corpo” e manifestar a sua oposição à “dominação masculina do mundo”.

Trata-se de um testemunho corajoso e doloroso que levanta questões “acerca da vida e da morte, do tempo, da moral e da interdição, da lei” (pp.83-84),da vergonha, do pecado e que revela a experiência dramática vivida por muitas mulheres, a caminhada solitária, a incerteza.

“Caminhava pelas ruas com o segredo da noite de 20 para 21 de janeiro no meu corpo, como uma coisa sagrada. Não sabia se tinha estado no auge do horror ou da beleza. Sentia orgulho. (…) Foi, sem dúvida, algo desse orgulho que me fez escrever esta narrativa. (p.80).

E eu como leitora e mulher sinto e partilho esse enorme orgulho.


30 abril, 2023

𝑳𝒆 𝑱𝒆𝒖𝒏𝒆 𝑯𝒐𝒎𝒎𝒆, de Annie Ernaux



Autora: Annie Ernaux
Título: Le Jeune Homme
N.º de páginas: 37
Editora: Gallimard
Edição: Abril 2022
Classificação: Autobiografia
N.º de Registo: (3432)


OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐



Em Le Jeune Homme, Annie Ernaux evoca a relação de uma mulher de cinquenta anos (a sua) com um homem trinta anos mais novo. Em trinta e tal páginas, ela menciona apenas de forma muito breve e incisiva o que é fundamental, sem nada aprofundar.
A sua narrativa, que mais se assemelha a um exercício de escrita, parece ser uma investigação rigorosa da vida conforme ela a vivencia.

A paixão que a consome revela o seu próprio desejo e os seus modos burgueses. Ela mede o fosso entre as idades, e perante a impropriedade social dessa união assumida publicamente, ela é criticada, olhada de viés pelos mais velhos e rejeitada pelos mais jovens. “Il m’arrachait à ma génération, mais je n’étais pas dans la sienne” (Ele arrancou-me à minha geração, mas eu não acedi à sua) (p. 17). Perante a sociedade, ela assumiu a sua relação como um desafio, como sempre o fez na vida, para tentar alterar as convenções. Se a um homem era permitido exibir-se na companhia de uma mulher mais jovem, por que razão não o era na situação inversa?

Esses fragmentos de humanidade, do vivido a dois são valiosos, insubstituíveis, na medida em que ela percebe, durante a relação, o peso da sua memória, da sua vida passada, a finitude das coisas perante este homem mais jovem.
“Avec lui, je parcourais tous les âges de la vie, ma vie”, (Com ele, passei por todas as idades da vida, minha vida) (p.21)

Sem excessos, directa, sensível e corajosa, Ernaux não foge à verdade e revela logo no início que fazer amor era o meio para chegar à escrita.
"Souvent j’ai fait l’amour pour m’obliger à écrire. Je voulais trouver dans la fatigue, dans la déréliction qui suit, des raisons de ne plus rien attendre de la vie. J’espérais que la fin de l’attente la plus violente qui soit, celle de jouir, me fasse éprouver la certitude qu’il n’y avait pas de jouissance supérieure à l’écriture d’un livre." (Muitas vezes fiz amor para me forçar a escrever. Quis encontrar no cansaço, no abandono que se segue, motivos para não esperar mais nada da vida. Esperava que o fim da expectativa mais violenta, a de gozar, me fizesse ter a certeza de que não havia gozo maior do que escrever um livro) (p. 11)

Annie Ernaux conta a sua verdade sem pretensões nem artifícios. Expõe a sua vida, naturalmente, sem preconceitos e, assim, cria empatia com o leitor.


19 dezembro, 2022

𝑻𝒓𝒊𝒍𝒐𝒈𝒊𝒂, de Jon Fosse

Autor: Jon Fosse
Título: trilogia
Tradutora: Liliete Martins
N.º de páginas: 204
Editora: Cavalo de ferro
Edição (3.ª): Fevereiro 2022
Classificação: Novelas
N.º de Registo: (3357)



OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐


Trilogia requer, de início, um enorme esforço de concentração para aceitar a escrita de Jon Fosse e não desistir. Quase sem sinais de pontuação e com repetições exaustivas de frases, de falas, de verbos introdutores de discurso (“diz ele”), o texto torna-se, por vezes, insólito. Mas o que se estranha, no início, após algumas páginas, acaba por se entranhar e apreciar. E a partir daí, o leitor não mais quer parar. É a escrita simples e a melodia das frases provocada pelas repetições e pelas pausas inerentes ao diálogo que cativam e agarram o leitor.

Composto por três novelas, e apesar da distância temporal entre elas, as personagens mantêm-se sobretudo através da evocação constante e repetitiva de lugares, de pessoas e de acções. O passado, o presente e o futuro enleiam-se e tropeçam em enredos impossíveis, em ilusões, em sonhos, em memórias.
A primeira novela inicia com um jovem casal que, obrigado a sair da sua aldeia, vagueia ao frio e à chuva, na escuridão de uma cidade à procura de um abrigo. Ao longo desta trilogia, percorremos os mesmos caminhos de Asle e Alida, compreendemos a dificuldade de sobrevivência numa sociedade hostil, o desamparo de ser rejeitado e incompreendido por todos, e aplaudimos o amor existente entre os dois jovens que acaba por justificar os erros cometidos. Afinal, se segundo a sinopse, estamos perante uma “parábola de inspiração bíblica sobre o amor, o crime, o castigo e a redenção”, então tudo fará sentido num mundo dividido entre o Bem e o Mal.
Destaco a terceira novela pela beleza e sensibilidade da escrita na descrição das emoções de Alida. O seu amor por Ales mantém-se imutável e eterno mesmo para além da morte.
“ (…) e Alida acredita que ela e Asle ainda são um casal de namorados e estão juntos, ele com ela, ela com ele, ela nele, ele nela, pensa Alida e olha na direção do mar e do céu, e vê Asle, vê que o céu é Asle, e sente o vento, e o vento é Asle, ele está ali, ele é o vento, mesmo que ele não exista, ainda continua ali presente, (…)” p. 183

29 outubro, 2022

𝑼𝒎𝒂 𝑷𝒂𝒊𝒙ã𝒐 𝑺𝒊𝒎𝒑𝒍𝒆𝒔, de Annie Ernaux

 



Autora: Annie Ernaux
Título: Uma Paixão Simples
Tradutora: Tereza Coelho
N.º de páginas: 70
Editora: Livros do Brasil
Edição: Outubro 2020
Classificação: Novela
N.º de Registo: ()


OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐


Em Uma Paixão Simples, Annie Ernaux, uma mulher “culta, independente e divorciada e já com filhos adultos” expõe a paixão intensa e obsessiva que viveu durante cerca de dois anos com um homem casado e bem mais novo. É a própria que refere que o seu livro é autobiográfico e que “não quero explicar a minha paixão – isso acabaria por considera-la erro ou desordem a justificar – quero, simplesmente, expô-la.” (p. 27)

Annie Ernaux mantém, neste livro, aquilo que tão bem a caracteriza, isto é, relatar a sua vida. Tudo é pessoal, vivido, sentido. Aceitamos que assim seja. Não se trata de exibicionismo, trata-se de frontalidade, de honestidade, de coragem porque despida de preconceitos e de julgamentos.

Numa escrita inteligente, acutilante e desabrida transporta-nos para os universos literário e fílmico, tipicamente francês, de Marguerite Duras, de Simone Beauvoir, Jean-Luc Godard, entre outros.
Uma Paixão Simples é a história de uma paixão pura, inquieta, obsessiva pelo desejo e pela espera; pela presença e pela ausência de quem se ama apaixonada e perdidamente; pelo erotismo e pela solidão que ficou…

“A partir do mês de Setembro do ano passado, não fiz mais nada a não ser esperar um homem: esperar que ele me telefonasse e que viesse a minha casa. (…) Era principalmente quando falava que eu tinha a impressão de viver por impulso. (…) As únicas ações em que eu empenhava a minha vontade, o meu desejo, e algo que deve ser a inteligência humana (prever, avaliar os prós e os contras, as consequências) tinham, todas, uma relação com esse homem. (…) Eu não tinha nenhum futuro a não ser o próximo telefonema a marcar um encontro”. (pp. 9 - 11)

É um livro brevíssimo, mas intenso. Um livro avassalador porque conta sem rodeios a paixão de uma mulher por um homem mais novo e casado; porque expõe a sua ansiedade, a sua sexualidade; porque expõe a sua existência tumultuosa; porque revela a razão de escrever apesar de “O tempo da escrita não tem nada a ver com o da paixão. No entanto quando comecei a escrever, era para continuar nesse tempo (…) não escrevi um livro sobre ele, nem sequer sobre mim. Transformei, simplesmente, em palavras – que ele não vai ler, sem dúvida, que não lhe são destinadas – aquilo que a sua existência, só por si, me trouxe. Uma espécie de dádiva invertida.” (pp 55-70)

Recomendo os livros de Annie Ernaux. Recomendo muito este livro pela forma como a autora explora as suas emoções e como nos transporta para o lugar das personagens desafiando-nos a viver a nossa experiência através da sua história, da sua paixão tão despudoradamente revelada.




06 outubro, 2022

Annie Ernaux vence Prémio Nobel da Literatura 2022


Annie Ernaux, Foto Catherine Hélie © Editions Gallimard




Annie Ernaux, escritora francesa  de 82 anos, foi hoje galardoada com o Prémio Nobel da Literatura.
É a 17.ª mulher a ser distinguida com este galardão atribuído pela Academia Sueca e a França é pela 16.ª vez contemplada com  o prémio literário mais importante do mundo. 

Com esta escolha, o júri do Nobel quis recompensar «a coragem e a acuidade clínica com que ela revela as raízes, as distâncias e os constrangimentos colectivos da memória pessoal». A Academia Sueca premiou uma escritora que «examina constantemente, de diferentes ângulos, vidas marcadas por disparidades, nomeadamente: género, língua e classe social».
Como primeira reacção, a escritora considera esta distinção uma «grande honra» e uma «responsabilidade: «Testemunhar (...) uma forma de justiça, do justo, em relação ao mundo».

O jornal francês  Le Monde  afirmou que se trata de  «uma obra que utiliza a autobiografia apenas de forma a contar uma história, sensações e emoções comuns», que é «admirável pela sua constância», num esforço contínuo para «tentar elucidar a realidade, para alcançar a compreensão e expressão de uma verdade sobre a existência, de outra forma inacessível».

Em Portugal, estão traduzidas as obras Os Anos, Uma Paixão Simples e O Acontecimento, todos editados pela chancela Livros do Brasil 

Já li Os Anos e adorei. Partilho a opinião que escrevi na altura e que está publicada neste mesmo blogue. 

https://fragmentos-lte.blogspot.com/search/label/Annie%20Ernaux 



31 maio, 2021

𝒎𝒂𝒏𝒉ã 𝒆 𝒏𝒐𝒊𝒕𝒆, de Jon Fosse



Autor: Jon Fosse
Título: manhã e noite
N.º de páginas: 111
Editora: Cavalo de Ferro
Edição: 1.ª Novembro 2020
Classificação: Romance
N.º de Registo: (3268)


OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐⭐


O título “manhã e noite” exprime metaforicamente o acto de nascer e de morrer. As duas partes abordam, assim, o nascimento e a morte de Johannes, protagonista deste romance.
Na primeira parte, o autor coloca, Olai, o pai de Johannes num monólogo reflexivo a ansiar pelo nascimento do filho, sem contudo, perder consciência de que quem nasce, ao nada voltará. Na segunda, a longa “reflexão encantatória” é feita pelo próprio Johannes.
“e agora ele virá, enquanto Marta, a mãe grita de dor, (…) e mais tarde, quanto tudo terminar , quando a hora dele chegar, desvanecer-se-á e tornará a ser nada e regressará ao lugar de onde veio, do nada para o nada, é esse o trajecto da vida, “ (p.14)

Jon Fosse de uma forma intensa, simples e despojada apresenta-nos uma belíssima reflexão sobre a efemeridade da vida. Neste texto, o nascimento está associado à dor, à angústia, à ansiedade da espera, enquanto a morte, pelo contrário, é leve e serena, sem medo e sem sofrimento.
Gostei muito da maneira como o protagonista foi conduzido por um amigo, Peter, também ele já morto, ao barco da travessia, indicando-lhe o bom caminho e levando-o para junto das pessoas que amou em vida. É uma clara alegoria a Caronte, o barqueiro que conduzia as almas dos recém-mortos à margem do Bem ou do Mal.
“E porque eu era o teu melhor amigo, cabe-me a mim ajudar-te a atravessar.” (p-107)

Neste pequeno livro, o autor pensa e questiona-se sobre a vida, sobre a existência de Deus. Segundo as suas reflexões, por vezes provocadoras, a vida e a morte, a manhã e a noite, devem ser encaradas com simplicidade, e dignidade. Aceitar o que Deus “porque ele existe” (p.15) rege para a vida de cada um, mas aceitar, de igual forma, o que Satanás também vai providenciando.

Na minha opinião, estamos perante uma reflexão filosófica escrita de forma simples e poética. Gostei muito, principalmente, da segunda parte.


12 fevereiro, 2021

𝑶𝒔 𝑨𝒏𝒐𝒔, de Annie Ernaux

 


Autor: Annie Ernaux
Título: Os Anos
N.º de páginas: 196
Editora: Livros do Brasil /Porto Editora
Edição: 1.ª edição - Fevereiro 2020
Classificação: Autobiografia
N.º de Registo: 3265


OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐⭐

Os Anos. Os Anos, de Annie Ernaux são um autêntico mergulho no tempo e nas múltiplas gavetas da sua memória. Refiro "gavetas" com intenção porque tratando-se de um texto contínuo (sem capítulos), porém fragmentado como se a autora abrisse uma gaveta e dela retirasse uma fotografia, um filme, uma música, parece-me que a palavra espelha bem a estrutura e o conteúdo do livro.
Esta narrativa clara, objetiva e sem preconceitos desliza “num imperfeito contínuo, devorando o presente progressivamente até à última imagem de uma vida.” (p.194) Ao ritmo dessas memórias visuais, mentais e sentimentais, a autora relata a sua vida pessoal, familiar, profissional e social estabelecendo relações com a evolução de uma sociedade, a francesa em particular, desde 1941 até 2006. Partindo de uma retrospectiva imagética “Numa fotografia a preto e branco” (p.43), quase cronológica, como se de uma "Existência de papel" (título de um livro de Al Berto) se tratasse, a autora rememora o "eu/ela" inserido na história de um país, e de certa forma do mundo.
É este entrelaçamento entre o “eu” da enunciação, o “ela” da escrita e o “alguém” ou “nós” (p.194) de uma sociedade que tornam este livro fascinante.
“Gostaria de reunir múltiplas imagens dela própria, separadas, sem relação entre si, ligadas por um fio narrativo, o da sua existência, (…) como representar simultaneamente a passagem do tempo histórico, a transformação das coisas, das ideias, dos hábitos e o carácter íntimo dessa mulher. (…) A sua principal atenção incide na escolha entre “eu” e “ela”. Existe demasiada continuidade no “eu”, algo de limitado e sufocante, e no “ela” demasiada exterioridade e distanciamento.” (p.144)

Estamos perante um extraordinário manancial de referências sociais, políticas e culturais que marcaram toda uma geração.
Para mim, que vivi a minha adolescência neste ambiente (ou pelo menos uma parte), a leitura deste livro está a causar-me sensações contraditórias porque me traz à memória momentos muito bons e outros menos bons. Mas que é redentor, é! A anos de distância, sinto a melancolia, a adrenalina e a desilusão vividas na época e que a autora tão bem retrata.


11 fevereiro, 2020

A Vegetariana, de Han Kang


OPINIÃO


É um romance intenso, perturbador, que levanta inúmeras questões que nos fazem reflectir. O leitor deixa-se conduzir completamente inebriado e surpreendido pela beleza da escrita e pela surpreendente história desta jovem mulher sul-coreana.

A protagonista, Yeong-hye, após ter tido um sonho terrível, decide tornar-se vegetariana. Esta decisão vai afectar radicalmente a vida de todos os membros da família. A história tripartida, é narrada a três vozes, a do marido, a do cunhado e a da irmã. Estranhamente, ou não, o enredo vai centrar-se no corpo desta mulher: na sua magreza, na sua beleza/sensualidade, na sua letargia versus violência, na sua demência, mas também na sua vontade de o controlar, de se tornar literalmente vegetal, de se transformar em árvore.

“ Preciso de regar o meu corpo. Não é desta comida que preciso, irmã, mas de água.”
“Já não preciso de comer. Posso viver sem me alimentar. A única coisa de que preciso é sol. - Que estás para aí a dizer? Julgas mesmo que te transformaste numa árvore?”

Compreendemos assim que a sua decisão inicial vai bem mais além do facto de se tornar vegetariana e essa atitude, incompreensível e inaceitável para os seus próximos e para a sociedade machista, vai provocar-lhe danos irreparáveis no corpo e na mente. Foi esta a via que Yeong-hye escolheu para se libertar da dor e da violência, para ser feliz. E o leitor aceita-a com alívio, sem tristeza.