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14 setembro, 2024

𝑨 𝑫𝒆𝒔𝒐𝒃𝒆𝒅𝒊𝒆𝒏𝒕𝒆 - 𝑩𝒊𝒐𝒈𝒓𝒂𝒇𝒊𝒂 𝒅𝒆 𝑴𝒂𝒓𝒊𝒂 𝑻𝒆𝒓𝒆𝒔𝒂 𝑯𝒐𝒓𝒕𝒂, de Patrícia Reis

 


Autora: Patrícia Reis
Título: A Desobediente
N.º de páginas: 423
Editora: Contraponto
Edição (4.ª): Maio 2024
Classificação: Biografia
N.º de Registo: (3582)



OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐⭐



Trata-se de mais uma importante biografia sob a chancela da Contraponto. À semelhança de outras que já li (curiosamente, ainda só no feminino) também esta revela um inegável trabalho de pesquisa e uma qualidade que dá a conhecer a relevância literária, política e cívica da biografada.

Patrícia Reis entra hábil e exemplarmente no mundo d’ A Desobediente poetisa, escritora, jornalista, e feminista Maria Teresa Horta (MTH). É com admiração que percorremos as páginas escritas e descobrimos o seu percurso.

MTH desde pequenina que demonstrou coragem e coerência na luta dos seus ideais. Ao longo da sua vida sofreu desilusões que deixaram marcas profundas, como o abandono da mãe, a indiferença do pai, a incompreensão de muitos, a censura, a ameaça, a doença, a morte do marido. Cedo, captou “o sentido do proibido, daquilo que importava calar” e percebeu que ser mulher em Portugal era uma grande desvantagem. Era estar sujeita a um homem que decidisse por ela. Carecia de uma autorização para estudar, trabalhar, viajar e até para ler determinados livros. Era estar proibida de votar, de emitir opinião abertamente, não ter direito a uma conta bancária, em nome próprio, e não ter privacidade em determinados assuntos. Para fugir à pressão e à vigilância do pai, MTH decide casar e assim, conquistar a sua emancipação e uma identidade própria, isto é, reivindicar a sua feminilidade, a sua liberdade e sobretudo o seu lugar no mundo.

Inteligente, curiosa, activa, desobediente, de uma lucidez incrível, MTH incentivada pela avó (“uma mulher especial, feminista, uma alma capaz de guardar um segredo”) dedica horas à leitura e à escrita e descobre o cinema. A escrita, a poesia “era uma forma de sossego”. Os poemas “nasciam-lhe nos dedos” e neles encontraremos a sua dor, o seu desamor, a sua paixão pelo marido, “o seu muso” (Luís de Barros), a luta pelos direitos da mulher, pelo debate das questões de sexualidade, da nudez do corpo, pela libertação sexual. Este último aspecto tornou-se amplamente revelador no livro Minha Senhora de Mim.
“ (…) não era só o erotismo, era a noção de liberdade que estava em causa. (…) Trata-se de uma poesia amorosa, sensual, erótica.” (p. 212). É óbvio que o livro foi apreendido pela PIDE.


Para ultrapassar dificuldades financeiras, MTH trabalhou como jornalista em vários jornais. Tem várias obras publicadas e foi uma das três Marias que escreveu As Novas Cartas Portuguesas, uma das mais importantes obras feministas portuguesas, publicada antes do 25 de abril que as levou à prisão, mas também as catapultou para o reconhecimento.

Sobre tudo isto e muito mais, Patrícia Reis, habilmente, cativa e surpreende o leitor. Escreve com elegância sobre Teresinha, uma amiga, a mulher revolucionária, libertária que viveu em tempos de opressão política. No prefácio, a autora refere que há uma relação de amizade entre as duas e acrescenta que se trata de “uma biografia com colaboração da biografada”. É um privilégio contar com o contributo das memórias ainda vivas de MTH, mas é simultaneamente uma enorme responsabilidade. Patrícia Reis fê-lo muito bem e cumpriu a sua missão.

Na revista Ler (Verão 2024 - n.º 171), Isabel Lucas inicia o seu artigo “Considerem o Leitor” com uma referência ao livro O Prazer da Leitura, de Proust, mais concretamente sobre a perdição do leitor em relação a um livro, no sentido em que tudo “o que rodeia o leitor passe a secundário face à intimidade que se cria entre ele e o objeto que lê. ( …) porque nada é mais real naquele momento do que esse encontro entre duas subjetividades: a do escritor e a do leitor.” E eu acrescentaria uma terceira, a da biografada.

Esta leitura, transformou-se, para mim, no tal “prazer divino” (epíteto de Proust) da descoberta de uma mulher que viveu e lutou intensamente. Por tudo o que nos deu, a nós mulheres, devemos-lhe o reconhecimento e a leitura da sua vasta obra. Já li alguns, mas não ainda, o suficiente.





02 janeiro, 2022

𝑫𝒂 𝑴𝒆𝒊𝒂-𝑵𝒐𝒊𝒕𝒆 à𝒔 𝑺𝒆𝒊𝒔, de Patrícia Reis

 


Autora: Patrícia Reis
Título: da meia-noite às seis
N.º de páginas: 183
Editora: D. Quixote
Edição: Janeiro 2021
Classificação: Romance
N.º de Registo: (3278)


OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐⭐


Este último livro de Patrícia Reis tem como pano de fundo a pandemia que vivemos. É, por isso, um livro na ordem do dia.
É o primeiro livro que leio sobre este tema, e escolhi-o porque sei que a autora não trataria o assunto de forma lamechas, mas sim de forma directa, envolvente e que nos fará reflectir. Não me enganei, a autora aborda a perda, o recomeço, os efeitos da pandemia, mas também versa sobre homofobia, racismo, conservadorismo, jornalismo, fake news, política e redes sociais.
“Qualquer pessoa nas redes sociais era jornalista, dizendo coisas, atiçando os espíritos, destilando fel, muito fel. A Rui Vieira faltava-lhe a capacidade para compreender como a ética deixara de ser fundamental.” (p. 117) “ Ele sabia estar a viver um tempo em que a verdade era essa: valia tudo:” (p. 116)
A protagonista, Susana Ribeiro de Andrade, perde o marido, em plena pandemia e vê-se completamente desamparada, confinada, obrigada a cumprir normas e, assim, a fazer o seu luto em casa, sozinha. Nesse período, ela é transportada para “um elevador de memórias” e dá-nos a conhecer a sua vida e sobretudo os seis anos de casamento com António Ribeiro de Andrade. São tempos angustiantes e de dor, mas também de referências culturais.
“ E estes pensamentos iam surgindo, assim como fios desatinados num novelo que já não se mantinha inteiro, a esfarelar-se no chão que era o que restava do coração dela. Restava-lhe isso, uma certa memória que lhe devolvia o marido através da música, da arte, dos livros.” 
(p. 74)

Forçada a retornar ao seu emprego como locutora numa estação de radio, acaba por aceitar o horário da meia-noite às seis, pensando que é a melhor maneira para não enfrentar a noite, em casa. De início, é apenas a voz das notícias, à hora certa, escritas pelo jornalista Rui Vieira, também, ele, vítima de um acidente no qual perdeu a voz. A cumplicidade que se estabelece na relação de trabalho acaba por ser a sua salvação. Ambos, um pela escrita, outra pela voz vão recriar o programa da noite e reinventar a solidão dos ouvintes e sobretudo a deles.
Com uma escrita muito característica de Patrícia Reis, as palavras fluem e o leitor ávido vai atrás do enredo e acompanha cada personagem nas suas angústias, nas suas fragilidades, nas suas resoluções e nas conversas tidas via email com Rui Vieira e via Whatsapp com os ouvintes do programa. Dois meios, que representam bem a forma como a pandemia nos apartou das relações presenciais e nos coagiu às tecnologias. Patrícia Reis toca na ferida, mostra o quão urgente é alterarmos a forma de viver no que toca às relações humanas, de repensarmos a vida.
É um livro sobre pessoas, sobre a solidão e a perda, mas sobretudo sobre a recuperação da identidade, sobre esperança e amizade, de redenção graças ao poder de uma voz que na noite, na solidão, vence barreiras e encontra apoio e ânimo ao pedir que lhe contem histórias felizes. Só isso!



08 dezembro, 2019

As crianças Invisíveis, de Patrícia Reis




SINOPSE

M. é uma criança habituada a ser usada e devolvida por famílias sucessivas como um produto que não satisfaz o cliente. Cresce numa instituição de acolhimento, onde vai descobrindo o poder da amizade e as armadilhas do desejo e da paixão. Esta é a sua história até chegar à idade adulta, atravessando um processo de invisibilidade, no qual a dor se confunde com a esperança de encontrar uma vida a que possa chamar sua. Ao seu lado existem outras crianças e ainda Conceição, a assistente social que escolhe amar M. incondicionalmente.

As Crianças Invisíveis é um romance que alia um exercício literário ímpar com um profundo trabalho de investigação sobre abandono, maus-tratos e adopção. Construindo toda a narrativa de uma maneira muito original, sem identificar o sexo das crianças, e a partir do olhar delas, a escrita límpida, poderosa e cirúrgica de Patrícia Reis conduz-nos, neste romance avassalador, através dos sonhos, do medo e da intimidade de um conjunto de personagens que percorrem a infância e a adolescência sem pai, nem mãe, nem identidade.


OPINIÃO


Belíssimo livro. Capa e separadores de capítulos apelativos. Estrutura cuidada e original e, sobretudo, uma escrita inteligente e concisa que nos permite mergulhar de forma avassaladora, sentida e emocionada na história de M., criança institucionalizada na “Casa”. 
Esta criança invisível foi adoptada por famílias sucessivas que a devolveram como se de uma mercadoria se tratasse. “Uma família leva uma criança para casa e faz um teste e, depois, pode dizer que se enganou, o amor não cresceu de repente, esplendoroso e gigante, capaz de ultrapassar todos os dissabores por ser amor, logo incondicional. M. sabia de tudo isto.” (p. 45)
“M. conhece muitas crianças devolvidas no período de pré-adopção, os tais seis meses”· (p. 45)

Sabendo que se trata de um romance ficcional que aborda a problemática da adopção, do abandono e maus-tratos, não consigo deixar de pensar que tudo o que foi narrado pode de facto acontecer e que, infelizmente, personifica histórias de muitas crianças. 

“ M. imagina que a Casa está cheia de potenciais construtores de ficção. Há um certo conforto nessa unidade., crianças prontas para imaginar realidades alternativas. M. não considera, nas suas efabulações, a possibilidade de uma mãe. Nem o seu cheiro, nem toque. Já passou essa fase.” (p..150) 

“uma vez criança invisível… Não se é igual às outras, é-se obrigatoriamente incomum, em desavença com a ordem do mundo.” (p.158)


20 maio, 2019

Antes de Ser Feliz de Patrícia Reis



SINOPSE

O princípio possível começa na Figueira da Foz, uma cidade que é uma espécie de décor, guardiã de memórias de Verão e outras vivências. Um miúdo apaixona-se na idade em que os sentimentos são voláteis e sem importância. O objecto do seu amor é uma rapariga difícil, esquiva e perturbada.
Há a morte da mãe dela, as tardes de praia no areal imenso, as idas a Buarcos, as festas do Casino.
E ainda um pai tímido e um tio criativo atrelado a um cão chamado Tejo. O amor não se desfaz com o tempo. O miúdo chega a rapaz e depois faz-se homem. Parte para Lisboa mas regressa sempre, como uma fatalidade. Espera que ela, a mulher que o obriga a parar no tempo, volte também à cidade, tome conta da sua herança e lhe dê outra vida.
Enquanto espera, acompanha o pai dela na doença, organiza papéis e pensamentos, vai a funerais, pendura um Canaletto precioso. Herda a casa que, em tempos, foi chão sagrado para ela; ela, que finge que não está.

OPINIÃO

Comprei este livro em 2010 aquando da sua publicação e ficou esquecido na estante entre tantos outros. Não merecia tal destino. Trata-se de uma novela belíssima porém triste. Pedro e Inês (só por si estes nomes indiciam algo) são os protagonistas e vivem na Figueira da Foz. Pedro ama Inês logo no primeiro dia que a conhece quando ela, na escola, se senta ao seu lado. Brincam juntos. Crescem juntos. Pedro torna-se um jovem pacato, silencioso, observador, preso pelo coração a Inês. Inês vive uma adolescência perturbada. 
Inês inadaptada à vida que leva, foge para Londres e afasta-se das suas raízes. Pedro mais tarde vai para Lisboa, mas não esquece o seu amor e regressará à terra com a esperança de que ela volte. 
A novela termina sem se saber o desfecho. Nada é dito sobre o futuro… 
Sente-se a tristeza e o leitor tem pena de Pedro que constrói a sua vida acreditando no regresso de Inês. 

Recomendo muito!