27 junho, 2022

𝑨𝒔 𝒎𝒊𝒏𝒉𝒂𝒔 𝒍𝒆𝒎𝒃𝒓𝒂𝒏ç𝒂𝒔 𝒐𝒃𝒔𝒆𝒓𝒗𝒂𝒎-𝒎𝒆, de Tomas Tranströmer

 


Autor: Tomas Tranströmer
Título: As minhas lembranças observam-me
Tradutor: A.P.
N.º de páginas: 101
Editora: Sextante Editora
Edição: Setembro 2012
Classificação: Memórias e Poesia
N.º de Registo: (2741)



OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐


Trata-se de um pequeno livro de memórias do autor galardoado com o Premio Nobel da Literatura 2011. Para além do texto em prosa, a edição inclui fotografias do autor e de alguns dos seus textos manuscritos, dez poemas inéditos (os primeiros que escreveu) e um posfácio de Pedro Mexia.
As suas memórias, escritas quando tinha sessenta anos, incidem sobretudo sobre a sua infância e juventude, a sua educação, os seus hábitos e gostos e o despertar para a poesia.

Na sua narrativa, organizada em breves capítulos e sem ordem cronológica, perpassa uma certa humildade e sensibilidade ao relatar apenas pequenas lembranças, pormenores aparentemente sem muita importância para o leitor, mas que para o autor foram marcantes na sua formação. Não se registam grandes feitos, apenas recordações mais ou menos fiáveis, mais ou menos adulteradas quer pela memória quer pela emoção de reviver. E a sua primeira memória não é um facto, mas sim um sentimento.
“As primeiras vivências são, na sua maior parte, inacessíveis. Histórias recontadas, recordações de recordações, reconstituições que assentam na erupção de um estado de espírito.
A minha recordação datável mais antiga é a recordação de um sentimento. Um sentimento de orgulho. Fiz três anos, e disseram-me que isso era muito importante, que agora eu era grande.” (pp 11 e 12)

Percebemos com esta memória que se trata de uma pessoa sensível. Esta característica irá reforçar-se com a ausência da figura paterna ditada pelo divórcio dos pais e com a necessidade de se defender da hostilidade de alguns colegas e professores.
A vida recordada por Tranströmer é descrita com “rastos de luz”, como um cometa. Ele tenta recordar, mas há “regiões muito condensadas” que tornam a tarefa difícil. Assim, foca-se nos momentos de maior brilho e revela-se a criança curiosa, fascinada por museus, bichos, colecções de insectos, livros e bibliotecas; um garoto (9 anos) empenhado “ de alma e coração!” durante a guerra, “debruçado sobre o mapa da guerra que vinha no jornal” (p. 37) facilmente percebeu que ser nazi era mau “Os nazis eram tão desumanos como eu imaginava.” (p. 40); o adolescente que criou amizades com professores e que se refugiou nas traduções dos clássicos nas aulas de Latim.

“Já os meus professores, «os velhos», como nós lhes chamávamos, mantêm-se velhos na minha memória, embora os mais velhos tivessem então a mesma idade que eu tenho agora, no momento em que escrevo estas memórias. Sentimo-nos sempre mais novos do que somos. Trago em mim os meus rostos anteriores, como a árvore tem os anéis da sua idade. O que eu sou é a soma de todos esses rostos. O espelho só vê o meu rosto mais recente, mas eu conheço todos os anteriores. (p. 55)

Foi pela via da tradução de Horácio que o autor despertou para a poesia. Tanto trabalhou de forma metódica e rigorosa os versos do clássico que ficou deslumbrado, ao ponto de escrever os seus primeiros poemas que publicou no jornal da escola.
“Esta alternância entre o medíocre e trivial e o vigoroso e sublime ensinou-me muito. Era a condição da poesia. Era a condição da vida. Através da forma (da Forma!) era possível elevar uma coisa a um estádio superior.” (p. 74).

Gostei da prosa. Gostei dos seus primeiros poemas. Falta ler a poesia que lhe valeu o Nobel.



26 junho, 2022

Sines vive Al Berto - Performance Literária





25. Junho. 2022 | 21.30 h | Auditório CAS

Performance literária / apresentação, fruto da contribuição de vários elementos da comunidade de Sines, a convite do Município e do Centro de Artes, dos mais variados e improváveis setores a partir da obra “Mar-de-Leva”.

Teaser | Sines Vive Al Berto  (ver vídeo)


O Elogio da Leitura (RTP 2 Arquivo ) - Al Berto

 



Programa dedicado à promoção da leitura e à divulgação de novas edições, com apresentação de Isabel Bahia, dedicado ao poeta Al Berto, pseudónimo literário de Alberto Raposo Pidwell Tavares, que em conversa fala sobre si próprio e a sua poesia.

Autoria e Apresentação: Isabel Bahia  1989-04-01



21 junho, 2022

𝑨 𝑪𝒂𝒔𝒂 𝒅𝒂𝒔 𝑨𝒖𝒓𝒐𝒓𝒂𝒔, de Cristina Carvalho

 


Autora: Cristina Carvalho
Título: A Casa das Auroras
N.º de páginas: 190
Editora: Planeta Manuscrito
Edição: Abril  2011
Classificação: Romance
N.º de Registo: (BE)


OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐


Gosto das histórias de Cristina Carvalho. Há algo que me fascina nelas porque activa o meu imaginário em torno de ambientes oníricos, de situações inverosímeis, de rumores, de lugares encantados.

No caso, a história situa-se em Quintas num lugar com poucas casas e uma casa comercial que vende de tudo. É numa dessas casas, muito antiga – A casa das Auroras- visitada só por mulheres que tudo acontece “Tem havido sempre rumores de suspeição sobre quem são elas, o que fazem, porque se encontram ali todas as noites, durante a noite…” (p. 16). Não vou desvendar quem são e o que fazem. Convido-vos a ler o livro.
Posso acrescentar que quando vem a noite os tons são dourados e os choupos “dançam e vibram numa quente alegria sob a grande bola de Sol que ainda ilumina o crepúsculo e contorna as nuvens vermelhas que pintam o céu (…) e quem passar na rua poderá sentir, ouvir e perceber, se quiser, os sons acetinados das conversas das mulheres.” (p. 17).
São histórias de mulheres, mulheres extraordinárias. São momentos de desenovelar memórias, de conversas partilhadas, redentoras, de lamentos, de acusações, de críticas…

Temos uma escrita simples, fluida, poética, imagética. É este poder encantatório da escrita que me agrada, que me envolve e me faz viver o imaginário proposto pela autora. Mas há mais, muito mais, ao entrarmos na Casa das Auroras, acompanhando a jornalista que tenta saber quem são estas mulheres, somos envolvidos numa película de silêncio profundo, de isolamento, da qual sairemos mais esclarecidos, mas também mais pensativos em relação ao mundo em que vivemos e onde tantas coisas boas e más acontecem.


19 junho, 2022

𝑺𝒉𝒖𝒈𝒈𝒊𝒆 𝑩𝒂𝒊𝒏, de Douglas Stuart

 


Autor: Douglas Stuart
Título: Shuggie Bain
Tradutor:Hugo Gonçalves
N.º de páginas: 492
Editora: Alfaguara
Edição: Setembro 2021
Classificação:Romance
N.º de Registo: (3341)



OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐⭐


Shuggie Bain relata o quotidiano de um rapaz especial e da sua mãe alcoólica. Situa-se nos anos 80, num meio hostil, de uma Glasgow pobre, violenta, conservadora e homofóbica marcada pelas políticas de austeridade de Thatcher.
Douglas Stuart para dar voz a esta personagem inspirou-se na sua própria infância vivida no seio da classe operária em Glasgow, também marcada pela homofobia, pela pobreza e pelo alcoolismo da sua mãe. (entrevista à agência Lusa)

Apesar da vida miserável das personagens, da angústia de Shuggie e os outros filhos verem a mãe a consumir-se pelo álcool, do bullying a que o protagonista é sujeito na escola e na vizinhança, a mensagem principal deste romance incide, na minha opinião, na grande história de amor do filho Shuggie pela mãe, Agnes.

Ao centrar a sua narrativa em Shuggie, porque poderia centrá-la em Agnes, o autor acaba por nos oferecer uma história de superação, de esperança, de questionamento sobre o que é ser normal numa sociedade machista, conservadora onde a homossexualidade não é aceite. Agnes e o seu filho mais novo são ostracizados, ridicularizados. Ela porque é bela, extravagante e alcoólica, ele porque é educado e “diferente”.

É uma história visceral, onde a dignidade, o amor-próprio, o orgulho e a vergonha coabitam. É uma história dilacerante, dura, cruel onde os vícios do álcool, do jogo, da prostituição se avolumam. É uma história de (auto)destruição, de abandono, de traição, de promiscuidade, de comiseração. Contudo, e apesar de tudo e todos, subsiste a doçura, a dedicação, a resiliência, o amor de um filho à sua mãe.

São cerca de 500 páginas que nos preenchem de múltiplas e contraditórias emoções, que nos arrepiam, que nos fazem refletir. O leitor mergulha nelas intensamente, dolorosamente, precisando de vir à tona, por vezes, para respirar, para aliviar a tristeza e o incómodo, para acalentar a esperança.

Sobrevivi, mas com algumas mazelas. Recomendo.

13 junho, 2022

Al Berto (11.01.1948 | 13.06.1997)

 


17 abril 74

Pensar intensamente em ti sem parar, de noite e de dia - até que o movimento do tempo fique suspenso, até que tudo o que me rodeia tome a forma do teu corpo, até que os dias não tenham sentido se não murmurar adoro-te noite adiante.

in Diários (p. 406)


12 junho, 2022

𝑨𝒇𝒂𝒔𝒕𝒂𝒓-𝒔𝒆 - 𝑻𝒓𝒆𝒛𝒆 𝑪𝒐𝒏𝒕𝒐𝒔 𝒔𝒐𝒃𝒓𝒆 Á𝒈𝒖𝒂, de Luísa Costa Gomes


Autor: Luísa Costa Gomes
Título: Afastar-se - treze contos sobre Água
N.º de páginas:213
Editora: D. Quixote
Edição: Maio 2021
Classificação: Contos
N.º de Registo: (3369)




OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐


Afastar-se! Tal como a água que corre, que se afasta, assim é a vida. Nos treze contos que integram este livro, a água, como a própria autora o refere, “está sempre presente, doce, clorada, salgada, mais larga ou mais discreta, no oceano (…) no duche, (…) na saliva (…) na piscina”. A água surge como meio de integração, de salvação (terapia), de prazer e de dissolução.
“ Atira-se para se afastar da margem. Avança sem coordenação e elegância. Oblíqua na água calma e quando se cansa vira o peito aos céus e flutua, engolindo um ou outro pirolito. Nada com uma determinação de galgo, sem olhar para trás, cada vez para mais longe até sentir que está no meio do mar, Aí, deita-se ao comprido na água e goza o ser. (p. 9)
e
“No amor, na piscina onde se nada. Cada banho me retira uma camada de pele à medida que mergulho na alegria. Sou cada vez mais carne viva. Sofro e sofro sem dó nem piedade. Gozo a minha indecência. A água está morna e faz-me querer ser água e regar cada torrão do jardim. Ao cair do sol vou cavar buracos e espremo as lágrimas lá para dentro. Saltam dos olhos, as pequenas idiotas. E aspiro a que ao terceiro dia esteja tão seca e ressequida que possa flutuar como um lanho e dissolver-me à superfície.» (p. 79)

São relatos que expressam o vivido, o sentido, o desfiar de memórias, o desejo de liberdade, projectos de escrita. São relatos que se cruzam com gente famosa como Byron, Pirandello, Kierkegaard, entre outros que, não citados, podem ser identificados. São relatos simples e simultaneamente complexos. Simples porque descrevem actos comuns, verosímeis, autobiográficos (?). Complexos porque revelam a natureza humana, o âmago da personagem: fraquezas, ambições, desejos, sonhos.
A escrita burilada, poética, ritmada, fluída, densa, subjectiva conduz o leitor a múltiplas interpretações, a imaginar o não dito, mas legado nas entrelinhas.
Gosto desta literatura libertadora que funciona, aqui, como uma boia, sobretudo quando “afastar-se” significa ir mais além, correr riscos, libertar-se, sonhar, ou seja, VIVER.


06 junho, 2022

𝒆𝒔𝒕𝒆 𝒔𝒂𝒎𝒃𝒂 𝒏𝒐 𝒆𝒔𝒄𝒖𝒓𝒐, de Raquel Ribeiro

 


Autor: Raquel Ribeiro
Título: este samba no escuro
N.º de páginas: 229
Editora: Tinta da China
Edição: Novembro 2013
Classificação: Romance
N.º de Registo: (2934)


OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐


Cuba como pano de fundo, ilha promotora de ilusões, de vitórias e de derrotas. Havana desencantada, fracassada, pobre. Povo iludido, revolucionário (alguns), triste, submisso, estropiado, orgulhoso e sonhador. São estes os ingredientes que Raquel Ribeiro nos oferece neste seu belo romance.

Numa mescla de realidade e ficção, onde nem sempre descortinamos os seus limites, o enredo leva-nos para o interior de uma Havana triste e sombria. Aí conhecemos Álvaro e Lia que revelam a genuinidade de um país completamente defraudado dos seus sonhos e iludidos perante o futuro. Duas personagens que se amam, mas que vivem em ideais opostos. Ela é uma militante optimista que acredita na liberdade. Ele vive e reage à realidade, ao dia-a-dia e deseja sair do país.

Álvaro que viaja de uma pequena localidade (Ciego) para Havana, a fim de cumprir dois duros anos de serviço militar, rapidamente percebe que o seu sonho se desvaneceu (“Afinal Havana não era tão livre como a imaginara” (p. 17)). O centro de Havana, onde vive o povo, depressa se revela moribundo, caótico. A autora não se detém na Havana dos turistas, a da periferia, a das belas praias, onde nada falta. A autora cinge-se, e muito bem, à Havana do povo esmagado pela pobreza, pela fome, pela falta de luz, de água, de tudo; à Havana da corrupção, da opressão, da violência, da descriminação racial, da prostituição; à Havana sem soluções, privada de sonhos e de liberdade.

“ O Cerro era o limite entre o que se sabe de Havana e o desconhecido (...) o Cerro era a Havana de verdade, a Havana onde muitos cubanos não se atreveriam sequer a ir, onde se dizia que só havia pretos e criminosos.
Descendo do centro, a cidade começava triplamente a escurecer. Turistas e senhoras brancas de sombrinha, nem vê-los, polícia também não: só mães pretas com crianças e sacos pela mão, pais pretos a engraxar sapatos, jovens suspeitos parados nas esquinas ou sentados sobre o muro, chinelando, para a frente e para trás. De vez em quando ouvem-se tiros, mas a vida continua enquanto a morte não se atravessa no caminho. Os prédios não têm as cores feéricas da Havana da Unesco, as cores quentes do Caribe, o amarelo, o laranja, o rosa choque (...) ” (pp. 60, 61)

Para amenizar o desalento evidente que encontra em Cuba, a autora recorre a versos de Chico Buarque para imbuir a sua narrativa de alguma sensibilidade e esperança. Este samba no escuro (verso do chico) é um romance que põe a nu os contrastes, os desencontros, a ambivalência dos seus habitantes e da própria autora. Numa entrevista que deu ao Jornal i (23/12/2013), assumiu-o claramente “Vivo entre o amor e o ódio muito extremados, relativamente à ilha, às pessoas, ao sistema, à vida (…). Essa ambivalência respira-se todos os dias.”

No final, fica a ideia, apesar de tudo, que podemos acreditar num futuro melhor. Há esperança de que as mudanças possam surgir.