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09 abril, 2025

𝑨 𝑪𝒆𝒈𝒖𝒆𝒊𝒓𝒂 𝒅𝒐 𝑹𝒊𝒐, de Mia Couto

 


Autor: Mia Couto
Título: A Cegueira do Rio
N.º de páginas: 325
Editora: Caminho
Edição: Outubro 2024
Classificação: Romance
N.º de Registo: (3628)



OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐⭐


A Cegueira do Rio é um romance que recupera um facto histórico em África, em 1914, no início da Primeira Guerra Mundial. Esse facto trata-se de um incidente que ocorreu numa aldeia na fronteira entre a Tanzânia e Niassa, em que centenas pessoas foram assassinadas pelo exército alemão que colonizava a África Oriental Alemã, a atual Tanzânia, após uma revolta que ficou conhecida como Maji-Maji.
A narrativa vai alternar entre um narrador principal e múltiplas vozes, na primeira pessoa, fixando, assim, a história de um país sem a amarrar a uma única perspectiva.

O livro estabelece uma relação de memória com a escrita, na medida em que é importante lutar contra o esquecimento (recordar para não esquecer); explora temas como a identidade e o colonialismo; mescla sagrado e profano. O carácter distópico presente na “agrafia que se convertera numa epidemia planetária” (p.281) e que impedia os brancos de escrever, cria uma atmosfera ilusória e permite atribuir às personagens femininas um poder e uma sensibilidade únicos.
“ Fomos nós, mulheres, que sustentámos as nossas aldeias. Os homens foram levados, a maior parte deles nunca mais regressou. (…) Queremos que vás [Aluzi Msafiri] ao palácio. E ensines esses brancos a escrever (…) se estiverem cansados que deixem por escrito uma única palavra. Essa palavra é «desculpa». Depois os portugueses que peguem nas coisas deles e se metam num barco.” (pp. 312 e 313)

O papel da mulher, centrado na profetiza Aluzi Msafiri, é simbólico e reflecte questões de identidade, resistência e opressão. Como guardiã da história e das tradições, ela representa a sabedoria ancestral e a resiliência perante as adversidades, questiona as estruturas de poder e revela as fragilidades do homem, marcadas pela violência e pela imposição da autoridade. É recorrente, na obra de Mia Couto, o protagonismo feminino como agente de resistência e de mudança.

A escrita de Mia Couto é poética e policromática com laivos de realismo mágico onde o passado e o presente se entretecem de forma fluida. O recurso a provérbios e a uma narrativa fragmentada, dita a várias vozes, traduz a sabedoria ancestral tão própria da filosofia africana e garante a pluralidade de opiniões e saberes.

Mia Couto é um dos meus escritores de eleição. Recomendo muito a leitura dos seus livros. Mia tem uma maneira muito própria de olhar o mundo. E a sua poesia, seja em verso ou em prosa, é uma ferramenta fabulosa e única para o descrever.


27 outubro, 2024

𝒄𝒐𝒎𝒑ê𝒏𝒅𝒊𝒐 𝒑𝒂𝒓𝒂 𝒅𝒆𝒔𝒆𝒏𝒕𝒆𝒓𝒓𝒂𝒓 𝒏𝒖𝒗𝒆𝒏𝒔, de Mia Couto

 


Autor: Mia Couto
Título: compêndio para desenterrar nuvens
N.º de páginas: 142
Editora: Caminho
Edição: Outubro 2023
Classificação: Contos
N.º de Registo: (3509)

OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐


Em compêndio para desenterrar nuvens, Mia Couto presenteia-nos com vinte e dois contos que testemunham fragmentos de vida de uma realidade moçambicana actual. Estas estórias entretecem o real e o imaginário, exploram cenários de um quotidiano difícil onde, ainda prevalece a guerra, a miséria, a violência, o analfabetismo.
“A vizinha fazia o luto, tal como fizera o viver: sem que ninguém se apercebesse de que existia.
Sabia-se dela quando, para além das paredes, escutávamos o marido que a espancava e nunca ninguém no bairro se deu ao incómodo de intervir. (…) Acudir, seria, além disso, um imperdoável desrespeito para com o dono da casa.” (p. 23)

Ao longo do livro e nos diversos textos, o autor de forma irónica relata factos e denuncia situações de violência, de alcoolismo, de “raivas milenares”, de “vozes subversivas”, de maleitas próprias da velhice, de “modernices” como as redes sociais e as tecnologias. Denota-se a preocupação do autor com a sociedade, com a guerra, com as pessoas que ainda se encontram enraizadas numa cultura “de um país sem chão”.

Mia Couto usa um estilo poético que lhe é bem particular, contudo, nestes textos distancia-se dos usuais neologismos, que tanto aprecio, e apropria-se de alguns provérbios (“Mais vale ter o tempo como doença do que o futuro como inimigo”) e do uso da oralidade tão característica das estórias africanas.

“Nessa noite, ninguém dormiu na aldeia, as pestanas palpitando como descontrolados ponteiros de um enlouquecido relógio.” (p. 35). É com imagens deliciosas como esta que Mia Couto convida o leitor a mergulhar nas emoções de um povo sofredor, apesar da sua riqueza cultural. Recomendo muito. 


13 janeiro, 2024

“O menino que escrevia versos” – um conto de Mia Couto



                                                           Home Lessons | 1887 | Ralph Hedley




De que vale ter voz
se só quando não falo é que me entendem?
De que vale acordar
se o que vivo é menos do que o que sonhei?
(Verso do menino que fazia versos)

— Ele escreve versos!

Apontou o filho, como se entregasse criminoso na esquadra. O médico levantou os olhos, por cima das lentes, com o esforço de alpinista em topo de montanha.
— Há antecedentes na família?
— Desculpe doutor?

O médico destrocou-se em tintins. Dona Serafina respondeu que não. O pai da criança, mecânico de nascença e preguiçoso por destino, nunca espreitara uma página. Lia motores, interpretava chaparias. Tratava bem, nunca lhe batera, mas a doçura mais requintada que conseguira tinha sido em noite de núpcias:
— Serafina, você hoje cheira a óleo Castrol.
Ela hoje até se comove com a comparação: perfume de igual qualidade qual outra mulher ousa sequer sonhar? Pobres que fossem esses dias, para ela, tinham sido lua-de-mel. Para ele, não fora senão período de rodagem. O filho fora confeccionado nesses namoros de unha suja, restos de combustível manchando o lençol. E oleosas confissões de amor.
Tudo corria sem mais, a oficina mal dava para o pão e para a escola do miúdo. Mas eis que começaram a aparecer, pelos recantos da casa, papéis rabiscados com versos. O filho confessou, sem pestanejo, a autoria do feito.
— São meus versos, sim.
O pai logo sentenciara: havia que tirar o miúdo da escola. Aquilo era coisa de estudos a mais, perigosos contágios, más companhias. Pois o rapaz, em vez de se lançar no esfrega-refrega com as meninas, se acabrunhava nas penumbras e, pior ainda, escrevia versos. O que se passava: mariquice intelectual? Ou carburador entupido, avarias dessas que a vida do homem se queda em ponto morto?
Dona Serafina defendeu o filho e os estudos. O pai, conformado, exigiu: então, ele que fosse examinado.
— O médico que faça revisão geral, parte mecânica, parte eléctrica.
Queria tudo. Que se afinasse o sangue, calibrasse os pulmões e, sobretudo, lhe espreitassem o nível do óleo na figadeira. Houvesse que pagar por sobressalentes, não importava. O que urgia era pôr cobro àquela vergonha familiar.

Olhos baixos, o médico escutou tudo, sem deixar de escrevinhar num papel. Aviava já a receita para poupança de tempo. Com enfado, o clínico se dirigiu ao menino:
— Dói-te alguma coisa?
—Dói-me a vida, doutor.
O doutor suspendeu a escrita. A resposta, sem dúvida, o surpreendera. Já Dona Serafina aproveitava o momento: Está a ver, doutor? Está ver? O médico voltou a erguer os olhos e a enfrentar o miúdo:
— E o que fazes quando te assaltam essas dores?
— O que melhor sei fazer, excelência.
— E o que é?
— É sonhar.
Serafina voltou à carga e desferiu uma chapada na nuca do filho. Não lembrava o que o pai lhe dissera sobre os sonhos? Que fosse sonhar longe! Mas o filho reagiu: longe, porquê? Perto, o sonho aleijaria alguém? O pai teria, sim, receio de sonho. E riu-se, acarinhando o braço da mãe.
O médico estranhou o miúdo. Custava a crer, visto a idade. Mas o moço, voz tímida, foi-se anunciando. Que ele, modéstia apartada, inventara sonhos desses que já nem há, só no antigamente, coisa de bradar à terra. Exemplificaria, para melhor crença. Mas nem chegou a começar. O doutor o interrompeu:
— Não tenho tempo, moço, isto aqui não é nenhuma clinica psiquiátrica.
A mãe, em desespero, pediu clemência. O doutor que desse ao menos uma vista de olhos pelo caderninho dos versos. A ver se ali catava o motivo de tão grave distúrbio. Contrafeito, o médico aceitou e guardou o manuscrito na gaveta. A mãe que viesse na próxima semana. E trouxesse o paciente.
Na semana seguinte, foram os últimos a ser atendi dos. O médico, sisudo, taciturneou: o miúdo não teria, por acaso, mais versos? O menino não entendeu.

— Não continuas a escrever?
— Isto que faço não é escrever, doutor. Estou, sim, a viver. Tenho este pedaço de vida — disse, apontando um novo caderninho — quase a meio.
O médico chamou a mãe, à parte. Que aquilo era mais grave do que se poderia pensar. O menino carecia de internamento urgente.
— Não temos dinheiro — fungou a mãe entre soluços.
— Não importa — respondeu o doutor.
Que ele mesmo assumiria as despesas. E que seria ali mesmo, na sua clínica, que o menino seria sujeito a devido tratamento. E assim se procedeu.
Hoje quem visita o consultório raramente encontra o médico. Manhãs e tardes ele se senta num recanto do quarto onde está internado o menino. Quem passa pode escutar a voz pausada do filho do mecânico que vai lendo, verso a verso, o seu próprio coração. E o médico, abreviando silêncios:
— Não pare, meu filho. Continue lendo…


Mia Couto, O fio das missangas




02 maio, 2021

Dia da Mãe

 


                                                                         Pintura de Mary Cassatt 




FALA DE MÃE E FILHO

«Meu filho:
onde vais
que tens do rio o caminhar?»

Não espreites a estrada, mãe,
que eu nasci
onde o tempo se despenhou.

«Meu filho:
onde te posso lembrar
se apenas te dei nome para te embalar ?»

Mãe, minha mãe:
não te pese saudade
que eu voltarei sempre
como quem chega do mar.

«Meu filho:
onde te posso nascer
se meu ventre seco
nunca ninguém gerou?»

Mãe, nascerás sempre
na pedra em que te escuto:
a tua ausência, meu luto,
teu corpo para sempre insepulto.

Mia Couto, in Tradutor de Chuvas.

18 maio, 2020

O Fio das Missangas, de Mia Couto




OPINIÃO

29 contos (29 “missangas”) integram este livro. Uma temática diversificada que capta o interesse do leitor e o deixa a matutar no final de cada estória. 

“A missanga todos a vêem. 
Ninguém nota o fio que, em colar vistoso, vai compondo as missangas. 
Também assim é a voz do poeta: um fio de silêncio costurando o tempo."

Mia Couto dá relevância ao universo feminino, aqui, quase sempre a mulher é submissa, esquecida, maltratada, pelo homem (marido, pai, tio, irmão…) tal como o fio que une as missangas e que não se vê. A mulher é colocada perante situações de violência, de suicídio, de separação, de traição, de incesto, de morte e de loucura. 
Poderíamos pensar que se trata de um livro duro, cruel devido às temáticas abordadas, mas a escrita poética e os finais mais sugeridos do que explícitos suavizam a realidade e sensibilizam o leitor. Outra característica muito própria do autor e que engrandece a escrita é a criação de neologismos que tão bem interpretam o sentimento, o estado de alma das suas personagens.
“Mas eis: uma súbita vez, passou por ali um formoso jovem. E foi como se a terra tivesse batido à porta de suas vidas. Tremeu a agulha de Evelina, queimou-se o guisado de Flornela, desrimou-se o coração de Gilda.
No tecido, no texto, na panela, as irmãs não mais encontraram espelho. Sucedeu foi um salto na casa, um assalto no peito. As jovens banharam-se, pentearam-se, aromaram-se. Água, pente, perfume: vingança contra tudo o que não viveram: Gilda rimou “vida” com “nudez”, Flornela condimentou afrodisiacamente, Evelina transparentou o vestido. Ardores querem-se aplacados, amores querem-se deitados. E preparava-se o desfecho do adiado destino.” (p. 14) 

No conto que deu o título ao livro, um homem “devidamente casado, se enamorava de paixão ardente por infinitas mulheres. Não há dedos para as contar, todinhas, dizia: - A vida é um colar. Eu dou o fio, as mulheres dão as missangas. São sempre tantas, as missangas." (p. 68). Bela metáfora que expressa a posição da mulher perante esta sociedade machista, em terras africanas, mas que poderia acontecer em qualquer outro lugar. 



31 dezembro, 2019

O Terrorista Elegante, de Mia Couto e José Eduardo Agualusa



OPINIÃO

Um livro maravilhoso, bem-disposto e que me fez rir. Não esperava outra coisa. Assim que soube que Mia Couto e José Eduardo Agualusa tinham escrito este livro juntos, pensei "vai ser genial" e não me enganei. Não podia escolher um melhor livro para terminar o ano.
Recomendo vivamente!

01 abril, 2018

A Espada e a Azagaia de Mia Couto



Trata-se do segundo livro da trilogia “As Areias do Imperador”, narrado a três vozes, de forma alternada, descreve os últimos dias do chamado Estado de Gaza, império africano governado por Ngungunhane (Gungunhana) e a paixão entre a jovem Imani Nsambe, de etnia Vatxopi, e Germano de Melo, um jovem sargento português que se conheceram em Nkokolani, para onde o sargento foi enviado de serviço. 

O livro, rico na descrição de costumes, rituais, crenças, amores e desamores, lutas e mortes, termina com a vitória das tropas portuguesas, comandadas por Mouzinho de Albuquerque e a prisão de Gungunhana. Esta mesma guerra é a causa da separação do jovem sargento e da jovem nativa. 

É no cruzamento da vivência de Imani e das cartas trocadas entre o sargento e o seu superior, o tenente Ayres de Ornellas, que a história de vencedores e vencidos nos é contada. A magia da escrita de Mia Couto leva-nos a reflectir sobre a problemática da guerra, mas sobretudo sobre a desumanização e o poder.



25 fevereiro, 2018

04 maio, 2017

A Varanda do Frangipani de Mia Couto



Neste livro, Mia Couto retrata as tradições e a história de Moçambique. A personagem principal, o fantasma de Ermelindo Mucanga, apropria-se do corpo de um polícia que investiga, num asilo, a morte do seu diretor e é através dos testemunhos e da memória dos poucos idosos que vamos compreendendo a história deste país. A acção ocorre vinte anos após a sua independência.
É através de uma escrita poética, mas sobretudo crítica que Mia Couto nos mostra esta realidade. Mais um livro excelente deste autor.


02 novembro, 2013

Mia Couto vence prémio internacional de literatura Neustadt






O escritor moçambicano Mia Couto foi distinguido com o prémio internacional de literatura Neustadt, atribuído de dois em dois anos pela Universidade de Oklahoma desde 1970.  


Os outros escritores nomeados para o que é considerado o prémio Nobel norte-americano foram o argentino César Aira, a vietnamita Duong Thu Huong, o ucraniano Ilya Kaminsky, o japonês Haruki Murakami, o norte-americano Edward P. Jones, o sul-coreano Chang-rae Lee, o palestiniano Ghassan Zaqtan e Edouard Maunick, das Ilhas Maurícias.


Em declarações à agência Lusa, Mia Couto dedicou  o prémio à sua família, que apelidou de "primeira nação"  e a "Moçambique, por todas as razões, mas agora ainda mais, porque temos de ficar mais juntos nessa busca por opções de paz, por alternativas de desenvolvimento".




Mia Couto, com 58 anos,  já recebeu os seguintes prémios:


1995 - Prémio Nacional de Ficção da Associação dos Escritores Moçambicanos
1999 - Prémio Vergílio Ferreira, pelo conjunto da sua obra
2001 - Prémio Mário António, pelo livro O último voo do flamingo
2007 - Prémio União Latina de Literaturas Românicas
2007 - Prémio Passo Fundo Zaffari e Bourbon de Literatura, na Jornada Nacional de Literatura
2012 - Prémio Eduardo Lourenço 2011
2013 - Prémio Camões 2013

21 julho, 2013

Mia Couto nomeado para o Prémio Neustadt de Literatura nos EUA





Mia Couto integra a lista de finalistas da 23.ª edição do Prémio Internacional Neustadt de Literatura 2014, anunciada pela revista World Literature Today, da Universidade de Oklahoma, nos Estados Unidos da América.

A lista de nomeados  inclui também o escritor argentino César Aira, a vietnamita Duong Thu Huong, o ucraniano Ilya Kaminsky, o japonês Haruki Murakami, o norte-americano Edward P. Jones, o sul-coreano Chang-rae Lee, o palestiniano Ghassan Zaqtan e Edouard Maunick, das Ilhas Maurícias.

O Prémio Neustadt “é o mais prestigiado galardão literário internacional atribuído nos Estados Unidos” a escritores de diferentes nacionalidades, “exclusivamente com base no mérito literário”, sendo por isso considerado o “’Nobel’ americano”.

O prémio é atribuído de dois em dois anos, através da Universidade local, e tem o valor de 50 mil dólares (cerca de 38 mil euros). Foi atribuído pela 1.ª vez em 1970.


Os membros do júri do prémio  reúnem-se em Outubro, na Universidade de Oklahoma. O vencedor é  anunciado a 1 de Novembro, durante o Festival Neustadt Internacional de Cultura e Literatura. 



13 junho, 2013

Quatro poemas inéditos de Mia Couto

(Imagem retirada da net)
 


Tudo o que tenho não tem posse:
o rio e suas ocultas fontes,

A nuvem grávida de Novembro,
O desaguar de um rio em tua boca.

Só me pertence o que não abraço.
Eis como eterno me condeno:
Amo o que não tem despedida

 
FOGO E ÁGUA

Cansa-me ser quem serei
Porque em tudo esse outro
Se parece com o que sou.

Cansa-me o adeus de quem nasce.
E a viagem, à nascença, morre de fadiga.

Só a tua lava me lava.
Resto eu em ti
Terra ardendo,
Chão de água e fogo

Abraça-me.
Abrasa-me.
 
 
GUERRA

Tenho mil anos.
Foi o que disse o menino.
O soldado riu-se: aterrorizado, o menino variava.
Ou desconhecia o alfabeto numérico.

Tenho mil anos, repetiu ele ante a ameaça da arma.
Se me matar, prosseguiu ele,
Vai-se abrir um buraco maior que o chão.

O soldado fitou os pés e viu o abismo.
Só então deu conta
Que ele mesmo era o menino que matava.
 
CHEGADA

Chegas,
Sóbria e sombria,
E desocupas em mim
A tua própria sombra.

Agora és a minha própria voz:
Nenhum silêncio nos pode calar.

Falas e acaba o tempo.

E eu escuto-te
Apenas quando te lembro.
 

in JL nº 1114
 


27 maio, 2013

Mia Couto vence Prémio Camões 2013


 
 

O escritor e biólogo moçambicano Mia Couto é o vencedor do Prémio Camões de 2013, o mais importante da literatura em língua portuguesa.
Criado por Portugal e Brasil em 1989, o prémio é o maior de língua portuguesa e é concedido ao escritor cuja obra contribua para sua projeção e reconhecimento.
 
A escolha foi decidida por um júri, que reuniu durante a tarde desta segunda-feira no Palácio Gustavo Capanema, sede do Centro Internacional do Livro e da Biblioteca Nacional, e de que fizeram parte, do lado de Portugal, a professora catedrática da Universidade Nova de Lisboa Clara Crabbé Rocha (filha de Miguel Torga, o primeiro galardoado com o Prémio Camões, em 1989) e o escritor e jornalista (director do Jornal de Letras) José Carlos Vasconcelos. E também os brasileiros Alcir Pécora, crítico e professor da Universidade de Campinas, e Alberto da Costa e Silva, embaixador e membro da Academia Brasileira de Letras, o escritor e professor universitário moçambicano João Paulo Borges Coelho e o escritor angolano José Eduardo Agualusa.
 
 

24 abril, 2012

Leituras



Sinopse

«Conheci Fernando Pessoa em 1966, pela voz de João Villaret. Foi o começo de uma paixão que até hoje me encanta e oprime.»
Enamorado desta figura de romance por escrever e de uma obra imensa que dispensa apresentação, José Paulo Cavalcanti Filho partiu à descoberta do homem que aqui nos dá a conhecer, de corpo inteiro: um Fernando Pessoa multifacetado, homem vaidoso, com dons de inventor e astrólogo, de ambições desmedidas e existência modesta; uma vida banal e triste para uma obra verdadeiramente universal.
Da reconstituição das esferas culturais da época aos pormenores do quotidiano, Cavalcanti decifra a vida por trás das palavras, a solitária multidão de um só Pessoa.





Sinopse

[...] Os nossos jovens colegas trabalhavam no mato, dormindo em tendas de campanha e circulando a pé entre as aldeias. Eles constituíam um alvo fácil para os felinos. Era urgente enviar caçadores que os protegessem. Os caçadores passaram por dois meses de frustração e terror, acudindo a diários pedidos de socorro até conseguirem matar os leões assassinos. Mas não foram apenas essas dificuldades que enfrentaram. De forma permanente lhes era sugerido que os verdadeiros culpados eram habitantes do mundo invisível, onde a espingarda e a bala perdem toda a eficácia. Aos poucos, os caçadores entenderam que os mistérios que enfrentavam eram apenas os sintomas de conflitos sociais que superavam largamente a sua capacidade de resposta. Vivi esta situação muito de perto. Frequentes visitas que fiz ao local onde decorria este drama sugeriram-me a história que aqui relato, inspirada em factos e personagens reais. 

15 outubro, 2011

4ª edição do festival Escritaria


A quarta edição do festival literário Escritaria, em Penafiel, a decorrer este fim de semana, vai ser dedicado ao escritor moçambicano Mia Couto.

O festival literário incluirá conferências com vários convidados ligados a Mia Couto e à literatura lusófona.

O festival Escritaria é uma organização da Câmara de Penafiel, em colaboração com as Edições Cão Menor e destaca-se por homenagear escritores vivos.

Na edição deste ano, além do homenageado, estarão presentes em Penafiel o artista plástico Roberto Chichorro, o escritor angolano  José Eduardo Agualusa, o músico João Afonso, o jornalista António Loja Neves e o diretor artístico José Rui Martins.

08 outubro, 2011

Mia Couto, Prémio Eduardo Lourenço 2011


O escritor moçambicano Mia Couto é o vencedor da sétima edição do Prémio Eduardo Lourenço, no valor de 10 mil euros, atribuído pelo Centro de Estudos Ibéricos (CEI), foi hoje anunciado na Guarda.

A decisão foi comunicada por João Gabriel Silva, reitor da Universidade de Coimbra, no final de uma reunião do júri, a que presidiu, realizada hoje nas instalações do CEI, naquela cidade.
Instituído em 2004, o prémio anual, que tem o nome do ensaísta Eduardo Lourenço, mentor e presidente honorífico do CEI, destina-se a galardoar personalidades ou instituições, portuguesas ou espanholas, "com intervenção relevante no âmbito da cooperação e da cultura ibérica".
Desta vez, segundo o presidente do júri, foi atribuído a Mia Couto, escritor que "alargou os horizontes da língua portuguesa e da cultura ibérica".
João Gabriel Silva disse à agência Lusa que a distinção foi entregue ao escritor Moçambicano "por unanimidade e aclamação", num conjunto de 15 concorrentes, pela importância que a sua obra representa "para o espaço ibérico".
"Todos reconhecemos a sua enorme contribuição para a cultura ibérica. Acho que é uma excelente escolha, é alguém que enormemente engrandece a cultura portuguesa e ibérica", declarou.

Ler Artigo Completo in DN
O poeta

O poeta não gosta de palavras
escreve para se ver livre delas.

A palavra
torna o poeta
pequeno e sem invenção.

Quando
sobre o abismo da morte,
o poeta escreve terra,
na palavra ele se apaga
e suja a página de areia.

Quando escreve sangue
o poeta sangra
e a única veia que lhe dói
é aquela que ele não sente.

Com raiva
o poeta inicia a escrita
como um rio desflorando o chão.
Cada palavra é um vidro em que se corta.

O poeta não quer escrever.
Apenas ser escrito.

Escrever, talvez,
apenas enquanto dorme.

COUTO, Mia, Idades Cidades Divindades

21 julho, 2009

Mia Couto e José Eduardo Agualusa em Sines





Iniciativa de A das Artes, com o apoio do CAS.
Apresentação dos livros:
Jesusalém de Mia Couto
e
Barroco Tropical de José Eduardo Agualusa

17 julho, 2009

Beleza e força das mulheres africanas


Jacques Beaumont – Après midi en Afrique – óleo sobre tela


(...)

Depois, as camponesas retomam o caminho, com latas e fardas à cabeça. Só então percebo a elegância de que são capazes. O passo de gazela anula o peso que transportam, as ancas flutuam como bailarinas evoluindo num palco sem fim. Elas estão em eterno espectáculo num palco, exactamente porque ninguém nunca olha para elas. De lata na cabeça, atravessam a fronteira entre céu e terra. (...)

in Jesusalém, Mia Couto

05 julho, 2009

Mia Couto e Agualusa em Sines




Mia Couto e José Eduardo Agualusa
apresentam os novos romances
Jesusalém e Barroco Tropical,
respectivamente.

Centro de Artes de Sines
Segunda-feira
20 Julho
18,00h.

Organização:
Livraria A das Artes (6º aniversário)
com apoio do Festival Músicas do Mundo