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15 dezembro, 2024

𝑶 𝑴𝒆𝒖 𝑷𝒂𝒊 𝑽𝒐𝒂𝒗𝒂, de Tânia Ganho



Autora: Tânia Ganho
Título: O Meu Pai Voava
N.º de páginas: 189
Editora: D. Quixote
Edição: Julho 2024
Classificação: Memórias
N.º de Registo: (3619)


OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐


Em O Meu Pai Voava, Tânia Ganho entretece pensamentos, memórias e desassossegos. Após a morte de seu pai, naturalmente, sentiu necessidade de manifestar os sentimentos e as dúvidas que a assolaram num momento de profunda tristeza. Foi na escrita que encontrou a forma de falar do luto e de glorificar o pai. Tânia Ganho, logo no início, informa o leitor que escreve este livro para se encontrar, para recalibrar a sua vida, para enfrentar a perda. “Não sei para quem escrevo estas palavras. Para ele, talvez. Para a minha mãe. É aqui que faço o luto. Desde que morreu, escrevo sem parar. Escrevo para recuperar o fulgor com que ele viveu, porque tudo se me afigura triste e ermo.” (p. 11)

Este pequeno livro é de uma sensibilidade extrema. Tânia Ganho cristaliza com imenso carinho episódios que viveram juntos. Recupera memórias, recordações; retrata o amor que os unia; narra episódios vividos em família, as conversas mantidas; fala da doença do pai, da perda de lucidez, da perda do sorriso do olhar, da perda das palavras, da sua “desmemória”; fala da morte, do velório; cita os livros que leu e os filmes que viu e que a ajudaram a ultrapassar a dor, mas não sabe a última palavra que o pai lhe disse. A última conversa que tiveram. A última vez que o pai a reconheceu.

Quem convive com doentes com Alzheimer sabe que é assim. Também eu deixei de saber o dia em que o meu pai deixou de me reconhecer, de falar comigo, de me dar um beijo. Por isso, este livro fez-me reviver o meu passado. Foi um submergir, de novo, à superfície. Foi um reabrir o que considerava há muito trancado. Pela mão da Tânia e pelas suas palavras recuperei momentos felizes da minha infância, da minha vida. Mais duro foi reacender passagens da doença, o fim de um tempo que acabou por arrastar a minha mãe.

Recomendo a leitura deste livro belo e corajoso. Há momentos que nos fazem sorrir, há outros mais dolorosos. A escrita, rigorosa no uso das palavras, revela, como já referi, uma tal sensibilidade que torna belos os momentos de tristeza. É, sem dúvida, uma bonita homenagem ao seu pai e um legado maravilhoso que partilha com o seu filho.
“A morte devolve-me o pai herói que, durante anos, a doença esbateu.”
(p. 147). É isto.

                           

29 janeiro, 2021

𝑨𝒑𝒏𝒆𝒊𝒂, de Tânia Ganho

 

Autor: Tânia Ganho
Título: Apneia
N.º de páginas: 692
Editora: Casa das Letras
Edição: 1.ª edição Jul. 2020 / 2.ª edição Jul. 2020
Classificação: Romance
N.º de Registo: (BE)


OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐


Apneia: “Ausência ou interrupção momentânea da respiração” foi neste estado que permaneci ao longo da leitura deste livro. Tive de retrair o impulso de o ler de seguida, senti que se o fizesse também eu ficaria perturbada, insone. Foi necessário dosear a leitura para acompanhar a violência psicológica, o medo, a náusea vividos por Adriana e Edoardo, o seu filho.
Este livro é um autêntico murro no estômago. Não é novidade para ninguém o quão doloroso é um processo de guarda partilhada de um filho, sobretudo quando um dos progenitores semeia ódio e manipula a criança para atingir o outro cônjuge. São 692 páginas de demonstração de ódio, de manipulação, de mentiras, de submissão, de terror, de idas a tribunais, ao psicólogo, ao psiquiatra, a advogados, e finalmente de descobertas… descobertas terríveis que sufocam o leitor, que o mantêm em apneia, que o deixam indignado com a lentidão e a inoperância da justiça e de todos os que deviam defender os direitos e o bem-estar de uma criança. É inadmissível a cegueira da justiça que nesta história, como em tantas da vida real, falha na sua missão de proteger a criança, de proteger a mulher violentada…
“Estava em guerra contra o sistema que, podendo prevenir, optava por remediar. «A justiça não é preventiva», explicara-lhe uma das muitas autoridades que contactara. «A justiça é punitiva.»” (p. 577)

Gostei muito da escrita sensível e comprometida de Tânia Ganho. Gostei da intertextualidade com a poesia de Anne Sexton. “Que arca/poderei eu encher para ti quando o mundo se tornar selvagem?” (p.49)
Gostei da estrutura que, de início, atrapalha o leitor porque anacrónica, mas que pretende representar o estado mental caótico de Adriana, (um reflexo da sua fragmentação” p. 348) a mãe que tudo fez para manter a saúde mental do seu filho nesta guerra parental à custa de tanta dor, de tanta mágoa, de tanta injustiça, mas também de tanta perseverança e amor.