30 agosto, 2022

𝑴𝒂𝒅𝒂𝒎𝒆 𝑩𝒐𝒗𝒂𝒓𝒚 - 𝑴œ𝒖𝒓𝒔 𝒅𝒆 𝑷𝒓𝒐𝒗𝒆𝒏𝒄𝒆, de Gustave Flaubert

 



Autor: Gustave Flaubert
Título: Madame Bovary - Mœurs de Provence
N.º de páginas:403
Editora: Le Livre National
Edição: 4.ème trimestre 1977
Classificação: Romance
N.º de Registo: (139)



OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐⭐



Há livros que merecem ser relidos e Madame Bovary é um deles. A oportunidade surgiu, naturalmente, depois da releitura de O Primo Basílio, de Eça de Queirós e de O Papagaio de Flaubert, de Julian Barnes. Pelo que parti para esta leitura com elevadíssimas espectativas. Conhecendo o enredo, dediquei-me a certos detalhes que me permitiram confrontar a obra com as duas citadas.
Posso afirmar que saí marcada e maravilhada com a qualidade da escrita e da descrição quer das personagens quer dos ambientes. Emma Bovary não foi, nesta leitura, a descoberta mais importante, já sabia, tal como a Luísa do Eça, que era bela e sedutora, dada a leituras de cariz idílico e insatisfeita com a vida entediante que o marido lhe oferecia, carente de grandes paixões como as que vivia nos livros, ousada, adúltera, e levada a excessos de compras para se oferecer um luxo que à partida lhe estava negado.
Emma não se deixa cair na “vidinha” simples e triste, luta pelos seus ideais, mesmo que sejam inalcançáveis porque vive no mundo das ilusões adquiridas na ficção. E nisso, Flaubert ao dar-lhe esse protagonismo, contraria o exemplo das mulheres/heroínas submissas que povoavam os romances da época que ela lia.

Madame Bovary é uma crítica fortíssima aos comportamentos da burguesia. Critica a vida fútil e a ociosidade das mulheres, a idealização do amor, a práctica religiosa, o oportunismo. Ridiculariza o comportamento dos amantes. Apresenta o adultério como forma de apimentar a vida e o suicídio como uma resolução forte e corajosa.

Gustave Flaubert levou cinco anos a escrever a sua obra-prima. Publicada, primeiro, em fascículos num jornal, foi levada a tribunal por ser considerada imoral. No julgamento, foi-lhe perguntado quem era “Madame Bovary”, a protagonista do romance, ao que ele respondeu “Madame Bovary, c’est moi!”. Felizmente, para nós leitores, foi absolvido e, o seu livro pôde ser publicado (1857).
Recomendo uma leitura lenta que permita absorver os detalhes e o encanto da escrita do autor. Sendo uma obra-prima do realismo, é evidente que tem muitas descrições que alguns leitores poderão considerar excessivas e cansativas. Eu adorei.

 


29 agosto, 2022

Silêncios|

 


Silêncio


Assim como do fundo da música
brota uma nota
que enquanto vibra cresce e se adelgaça
até que noutra música emudece,
brota do fundo do silêncio
outro silêncio, aguda torre, espada,
e sobe e cresce e nos suspende
e enquanto sobe caem
recordações, esperanças,
as pequenas mentiras e as grandes,
e queremos gritar e na garganta
o grito se desvanece:
desembocamos no silêncio
onde os silêncios emudecem.

Octavio Paz


25 agosto, 2022

𝑼𝒏𝒆 𝒂𝒏𝒏é𝒆 𝒄𝒉𝒆𝒛 𝒍𝒆𝒔 𝑭𝒓𝒂𝒏ç𝒂𝒊𝒔, de Fouad Laroui

 



Autor: Fouad Laroui
Título: Une année chez les Français
N.º de páginas:287
Editora: Julliard  (Pocket)
Edição: Agosto 2011
Classificação: Romance
N.º de Registo: (Empréstimo)


OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐



Une année chez les Français narra a história de Mehdi Khatib, em grande parte inspirada na adolescência do autor.
Mehdi é uma criança que vive em Beni-Mellal, uma pequena vila isolada de Marrocos. Apesar de viver com dificuldades, Mehdi é inteligente e é um apaixonado pela leitura, facto que lhe proporcionará uma bolsa de estudo, que o levará a frequentar, como interno, o elitista e prestigiado liceu francês (Lycée Lyautey) em Casablanca. O liceu está reservado aos filhos de altos funcionários e famílias influentes do regime marroquino, bem como aos filhos de franceses e estrangeiros com cargos importantes em Marrocos.

No liceu, Mehdi vai sofrer várias vicissitudes quer ao nível da comunicação quer ao nível das normas de convivialidade quer ainda ao nível de comportamentos para com os colegas, professores e assistentes. O primeiro embate vai ser conhecer as normas do liceu e os hábitos dos seus frequentadores. Oriundo de um meio social pobre, não tem acesso ao luxo e aos hábitos culturais, linguísticos e sociais dos restantes colegas. Apesar das suas origens, por exemplo, em 1969, ano em que decorre a acção, desconhece a existência da televisão e conhece muito mal o uso do telefone, Mehdi acaba por se tornar um dos melhores alunos.


A narrativa constrói-se alicerçada nas diferenças culturais e linguísticas. Mehdi que na escola apenas falava francês e tudo o que lia era nesta língua, sabe de cor frases/excertos de livros clássicos como La Fontaine, La Comtesse de Ségur, Jules Verne, … (o que fará os jovens franceses corarem de vergonha) sem contudo saber o significado de uma grande parte das palavras, mas não conhece expressões do dia-a-dia, não conhece nada de calão (muito usado pelos colegas e pelos assistentes) e também não domina o árabe.
É então nesta conjectura que alguns episódios hilariantes se vão desenrolar. O nosso pequeno Mehdi quando se encontra numa situação delicada, e foram imensas, cria um mundo de fantasia baseado nas obras lidas, tenta desenvencilhar-se o melhor que pode e, muitas vezes, adia a resposta para não revelar a verdadeira origem da sua família.

Esta maneira de ser engraçado, aplicado (sempre a ler e a estudar) e espontâneo vai causar a admiração e a aceitação de todos ao ponto de ser convidado a passar os fins-de-semana em casa de um colega francês, Denis Berger. É um mundo completamente diferente que vai descobrir.

O choque cultural presente na obra, está muitíssimo bem descrito com muito sentido de humor, muita ironia e delicadeza. As personagens estão fabulosamente caracterizadas e os episódios gravitam à volta de mal-entendidos provocados pela incompreensão linguística ou pelo desconhecimento de alguns hábitos comportamentais.

Não conhecendo o autor, é a primeira obra que leio, fiquei fascinada pela sua escrita e pela paixão que demonstra ter pela língua e pela literatura (há várias referências literárias). Fiquei com curiosidade e vontade de ler outras obras do autor.
Recomendo a leitura, se possível em francês, desta história divertida, apaixonante e ternurenta. Receio que a tradução perca o encanto e o efeito causados pelos jogos de palavras.





23 agosto, 2022

𝑨𝒔 𝑽𝒊𝒅𝒂𝒔 𝒅𝒐𝒔 𝑶𝒖𝒕𝒓𝒐𝒔, de Pedro Mexia

 



Autor: Pedro Mexia
Título: As Vidas dos Outros
N.º de páginas:206
Editora: Tinta da China
Edição: Outubro 2010
Classificação: Crónicas
N.º de Registo: (3325)

OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐

Este livro reúne 58 crónicas publicadas desde 2007 a 2010 no jornal o Público. São textos curtos que se lêem muito bem e que revelam a erudição, a inteligência, as referências e talvez as preferências do autor. São pequenas conversas delicadas e cultas que o autor partilha com o leitor, como refere Rui Ramos no prefácio “ (…) Ao contrário do especialista, o erudito [Pedro Mexia] não nos quer convencer: quer passar o tempo connosco, discorrer, perder-se, deambular, não ir a lado nenhum, como em qualquer conversa.” (p. 12)

Nestas crónicas são abordadas matérias muito diversas. Pedro Mexia escreve sobre a vida de escritores, actores/actrizes, cineastas, músicos, pintores, fotógrafos, sobre arte, livros, religião, filosofia e outras áreas e saberes. Não há um fio condutor, nem uma sequência lógica, “Os labirintos só têm graça quando nos perdemos neles.” (p. 11). Há uma escolha aleatória que certamente responde aos interesses do autor, ou quiçá a algum acontecimento ocorrido na época, aquando da escrita da crónica.

Ao iniciar com Epicuro e ao discorrer sobre a felicidade “(…) estão na origem de uma vida feliz, mas o raciocínio sóbrio, que procura as causas de toda a escolha e toda a rejeição e afasta as opiniões através das quais a maior perturbação se apodera da alma.” (p. 19), é, na minha modesta opinião, uma escolha feliz (ressalvo o pleonasmo) na medida em que introduz o pensamento e a índole do autor na escolha dos assuntos (das vidas) que apresenta. Percebe-se que há conhecimento (muito) e prazer na escrita dos seus textos. Diz apenas o essencial, mas o suficiente para captarmos a sua preferência, a sua escolha.

O interessante é que ao lermos estes textos, para além de aprendermos sobre o visado ou sobre a matéria em foco (e confesso que aprendi muito), vamos também descobrindo um pouco da vida do próprio autor. Pelo menos é a minha percepção desta leitura.

Para concluir, transcrevo um excerto da crónica “Alteza Sereníssima, sobre Grace Kelly. É uma das minhas preferidas e também acho que sua alteza sereníssima será uma das figuras preferidas do autor na medida em que a sua maneira de ser (subtileza) se adequa à premissa da actriz/princesa.
“ Grace Kelly será sempre a mulher ideal dos homens que apreciam a subtileza. «Não gosto de nada que seja óbvio, tanto no sexo, como na maquilhagem ou na roupa. Gosto mais de coisas subtis, que deixam espaço à imaginação», disse Grace, e é todo um programa. (…) A beleza é obviamente um dom da natureza, mas o gosto é uma conquista cultural.” (pp.156-159).


19 agosto, 2022

Porto - a excelência

 

Livraria Lello

Café A Brazileira


                                                                Café A Brazileira


       

                                                          Café A Brazileira



Café Majestic

17 agosto, 2022

𝑶 𝑷𝒂𝒑𝒂𝒈𝒂𝒊𝒐 𝒅𝒆 𝑭𝒍𝒂𝒖𝒃𝒆𝒓𝒕, de Julian Barnes

 


Autor: Julian Barnes
Título: O Papagaio de Flaubert
Tradutora: Ana Maria Amador
N.º de páginas:244
Editora: Quetzal
Edição (2.ª): Novembro 2019
Classificação: Biografia Romanceada
N.º de Registo: (3217)


OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐⭐


Julian Barnes propõe-nos uma biografia (?) desconcertante, porque diferente, de Gustave Flaubert. Não há uma estrutura narrativa claramente definida, vamos percorrendo as páginas e vamo-nos deslumbrando com a facilidade (aparente) como o autor expõe a sua tese, a sua reflexão, a sua teoria, as suas críticas e como dialoga com o leitor e o envolve nas suas dúvidas e certezas.
 
É um livro extraordinário, deslumbrante porque nos oferece histórias aparentemente sem conexão, por vezes, incoerentes, umas verdadeiras outras falsas, entradas em dicionários e em diários íntimos, cronologias, listas, bestiários, apócrifos, citações, provas escritas. Questionamo-nos, constantemente, se é um romance, uma biografia, uma autobiografia, um ensaio, já que temos de tudo um pouco escrito com um enorme sentido de humor e muita ironia. Barnes joga com as ideias e com as palavras para seduzir o leitor e o envolver na sua narrativa.

Para nos falar do autor de Madame Bovary, mas também das coincidências/ironias da vida, de livros e de amor, Barnes cria um narrador - Geoffrey Braithwaite - inglês, médico, reformado, viúvo, de 60 anos que atravessa o canal da Mancha para ir até Ruão (Rouen), em França com o propósito de conhecer o verdadeiro (há duas versões) papagaio embalsamado (Lulu) que serviu de modelo a Flaubert aquando da escrita de um conto,“Un coeur simple” (1877).

O narrador apresenta-nos a sua vida para nela descobrirmos a de Flaubert. Subtilmente, o médico saltita da realidade à ficção, da sua própria vida à vida de Flaubert, do seu amor pela mulher Ellen, que morreu recentemente, ao amor de Flaubert por Louise Colet.
“Estou só a ganhar coragem para lhes [aos leitores] contar… o quê? Sobre quem? Dentro de mim lutam três histórias. Uma sobre Flaubert, uma sobre Ellen, outra sobre mim próprio.” (p. 108)

Assim, de capítulo em capítulo descobrimos alguns aspectos da vida de Flaubert, tais como as suas obras, viagens, amizades, amantes, familiares (mãe), sucessos e polémicas, medos e vaidades. Fica ainda claro que Flaubert é dado a fortes paixões, porém, sempre insatisfeito, torna-se incapaz de amar e de ser feliz, tal como Emma, a protagonista de Madame Bovary, a sua obra-prima.

E o papagaio? Não falarei dele… convido-vos a descobrir a narração de Geoffrey Braithwaite, que ora fala como médico, ora como biógrafo, ora como viúvo. Será, sem dúvida, para os amantes da literatura, uma leitura encantadora e sedutora.

Eu, descobri que Julian Barnes me fascinou e que quero ler mais livros dele; confirmei que Gustave Flaubert é um escritor talentoso e genial “ Flaubert é diferente. Acreditava no estilo mais do que ninguém. Trabalhava afincadamente pela beleza, pela sonoridade, pela exatidão; pela perfeição.” (p. 111).
Quando isto acontece, fico feliz e concluo que a leitura/a literatura cumpriu a sua função.

 


06 agosto, 2022

Ana Luísa Amaral (1956-2022)





TESTAMENTO

Vou partir de avião
e o medo das alturas misturado comigo
faz-me tomar calmantes
e ter sonhos confusos

Se eu morrer
quero que a minha filha não se esqueça de mim
que alguém lhe cante mesmo com voz desafinada
e que lhe ofereçam fantasia
mais que um horário certo
ou uma cama bem feita

Dêem-lhe amor e ver
dentro das coisas
sonhar com sóis azuis e céus brilhantes
em vez de lhe ensinarem contas de somar
e a descascar batatas

Preparem minha filha para a vida
se eu morrer de avião
e ficar despegada do meu corpo
e for átomo livre lá no céu

Que se lembre de mim
a minha filha
e mais tarde que diga à sua filha
que eu voei lá no céu
e fui contentamento deslumbrado
ao ver na sua casa as contas de somar erradas
e as batatas no saco esquecidas
e íntegras.

Ana Luísa Amaral

04 agosto, 2022

𝑴𝒂𝒓𝒊𝒍𝒚𝒏 à 𝑩𝒆𝒊𝒓𝒂-𝑴𝒂𝒓, de Vicente Alves do Ó

 


Autor: Vicente Alves do Ó
Título: Marilyn à Beira-Mar
N.º de páginas: 331
Editora: Oficina do Livro
Edição: Julho 2012
Classificação: Biografia romanceada
N.º de Registo: (2776)

OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐



Marilyn à Beira-Mar é uma biografia romanceada da história de amor dos pais do autor. Narrada na primeira pessoa, foi escrita para melhor conhecer e aceitar os “responsáveis pela sua existência” justificou Vicente Alves do Ó numa entrevista.
Gostei particularmente do livro. Conheço pessoalmente o autor, acompanho o seu trabalho sobretudo como realizador e argumentista. Este foi o primeiro livro que escreveu (2012).
O enredo atravessa os anos cinquenta a setenta e situa-se em S. Torpes (Sines), uma pequena vila alentejana à beira-mar. Sendo as personagens reais, todos os nomes foram alterados, mas facilmente identificáveis, para quem é ou vive na terra. É uma história intensa que põe em destaque o papel da mulher, sem direitos, destinada a ficar em casa, a obedecer ao pai, aos irmãos e ao marido, aceitando o casamento imposto, calando a violência, a infidelidade, tendo e criando filhos,…
Laura, a protagonista, sofreu tudo isto durante um tempo no primeiro casamento, mas rapidamente percebeu que não era o seu destino e fugiu para casa de uma tia, recentemente chegada da América. A partir daí, muita coisa vai mudar e tendo como pano de fundo a figura de Marilyn Monroe por quem se apaixona ao vê-la numa revista, Laura, imitando a sua Deusa, vai tornar-se na mulher bonita, sofisticada e moderna que vai enlouquecer, por razões diversas, homens e mulheres da pacata vila de S. Torpes.
“O ano 1959 chegou depressa e cheio de acontecimentos. Laura dispensou a mesada da tia, comprava cigarros na tabacaria, vestia-se com roupas que mandava vir de Lisboa e chegou a provocar escândalo, quando foi jantar sozinha ao restaurante mais caro da vila (…) e pior do que tudo isso, vestiu um par de calças aos olhos de toda a gente.” (p. 153)
Não se iludam. Laura não teve uma vida fácil, nem fútil como este excerto aparenta, pelo contrário, mas deixo-vos o prazer da descoberta com a leitura do livro.
Vicente Alves do Ó, Simão na narrativa, foca-se na maravilhosa e imprevisível mulher que foi a sua mãe, e através dela, da sua história, transporta-nos para um mundo extraordinário que acabou por herdar. O amor, o sonho, a paixão pelo cinema e a coragem de tudo abandonar para recomeçar, de novo e de novo…

“É tempo de abandono. Deixa os fantasmas para trás. (…) Achas mesmo que podes tirar conclusões depois da revisitação à história antiga? Achas que o passado pode responder com objectividade ao presente? (…) A continuidade é uma e a mesma verdade. A passagem de testemunho. Uma força maior, uma estrada sem princípio ou fim. E mesmo que abandones a estrada e entres no campo aberto do poema, da morte ou da revolta, haverá sempre um rasto de espinhos e de pétalas de rosa que te acompanharão.” (p. 327)

É assim que inicia o último capítulo (todos os capítulos apresentam títulos ingleses relacionados com Marilyn Monroe) e, na minha opinião, é uma bela síntese do que foi a vida de Laura, sua mãe.
Leiam e descubram um pouco da mentalidade de Sines, vila de pescadores, nos anos 50 e como tudo começou para Vicente Alves do Ó.

 


01 agosto, 2022

𝑶 𝑷𝒓𝒊𝒎𝒐 𝑩𝒂𝒔í𝒍𝒊𝒐, de Eça de Queirós

 



Autor: Eça de Queirós
Título: O Primo Basílio
N.º de páginas: 457
Editora: Livros do Brasil
Edição: s/data
Classificação: Romance
N.º de Registo: (546)


OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐


Volta e meia, regresso a Eça de Queirós e à sua crítica mordaz da sociedade lisboeta do século XIX. Desta vez, escolhi O Primo Basílio, um romance de costumes que satiriza a moralidade de uma família burguesa. Eça recorre ao sarcasmo e à ironia para descrever a podridão da sociedade e explora o carácter das personagens para tipificar os comportamentos dos portugueses da época. As suas críticas recaem sobre adultério, incesto, ociosidade, futilidade, devassidão, falsidade e oportunismo.

As personagens são fabulosas, com grande dinamismo e realismo vamos acompanhando a trama tecida à volta de uma família burguesa. Através de um narrador omnisciente, conhecemos ao pormenor os diversos ambientes e o âmago das personagens como a bela, romântica e inconsequente Luísa, vítima do universo fantasioso das suas leituras, que ama o seu marido, mas facilmente se deixa envolver num caso, caindo nas armadilhas do sedutor, elegante, fútil e cínico primo Basílio. Luísa revela sentimentos contraditórios e indefinidos, confunde amor e desejo e ora prefere o primo, ora anseia pelo regresso e amor do marido que se ausentou em trabalho para o Alentejo.

Eça desenhou bem a intriga e torna Luísa na figura típica da falta de moral representativa da família burguesa. Através do seu comportamento, o autor critica a farsa de um casamento aparentemente perfeito, e desmonta a imoralidade, os vícios e algumas virtudes (poucas) de todos os que com a protagonista convivem. Destaco duas personagens: Sebastião o leal e sincero amigo sempre disponível para ajudar a resolver os problemas e Juliana, a empregada virgem, feia e oportunista que anseia por uma vida melhor e que aproveita um descuido de Luísa para alcançar os seus objectivos.

A partir daí, a intriga arrasta-se para a chantagem e culmina num final trágico.

Eça, magistralmente, demonstra de forma caricatural a perversidade da imoralidade existente bem como a mediocridade e a decadência do país.

“Tinham palpitado no mesmo amor, tinham cometido a mesma culpa. – Ele [Basílio] partia alegre, levando as recordações romanescas da aventura: ela ficava, nas amarguras permanentes do erro. E assim era o mundo! (,,,) Ia para sempre. Safava-se!” (pp. 267 e 268).

“ – O transtorno nacional! Descarrilou tudo! Estamos aqui por milagre! Abjecto país!... (…) - Aqui estamos! Aqui estamos num chiqueiro! “ (pp. 446 e 447)

Finalmente, gostaria ainda de salientar a intertextualidade deste romance com a obra Madame Bovary, de Gustave Flaubert. Já não me recordo dos pormenores, mas tenho a ideia de que para além do tema do adultério há um registo e uma estrutura muito semelhantes, como a fase da conquista e o final. Será talvez uma boa oportunidade de reler esta obra-prima da literatura francesa.