30 setembro, 2020

Morreu Quino, o criador de Mafalda (1932- 2020)

 


foto: http://www.correiodobrasil.com.br/morre-cartunista-quino-criador-fantastica-mafalda/


Joaquín Salvador Lavado, mais conhecido por Quino, tinha 88 anos. Criou a personagem Mafalda nos anos 60.  Foi o “humorista gráfico mais internacional e mais traduzido da língua espanhola”, escreveu o El País. “Não há geração neste momento, em dezenas de países, que não chore a perda de um dos autores argentinos mais traduzidos, de par com Borges, Sabato e Cortázar”, acrescentou o diário argentino La Nación. “Que Mafalda ficou desconsoladamente órfã, é hoje o lugar-comum mais triste do mundo.”

Através da inconformada Mafalda, menina de seis anos da classe média argentina, fã dos Beatles e de panquecas, sempre avessa a comer sopa, Quino veiculou as suas angústias existenciais e críticas perante as injustiças sociais, recordou a Folha de S. Paulo. Mafalda preocupava-se com o rumo da humanidade e a paz no mundo. E o autor também.

Notícia completa in Observador

Um Longo Caminho, de Linda Sue Park




OPINIÃO


Um Longo Caminho é um livro baseado na vida de Salva Dut, um dos muitos Meninos Perdidos da segunda Guerra Civil do Sudão, em 1985. Paralelamente, há uma segunda história que ocorre em 2008, a de Nya, também ela sudanesa, também ela uma lutadora pela sobrevivência. As duas histórias cruzam-se no final. 
O relato é angustiante, doloroso, revelador das atrocidades cometidas naquele país. 
Com uma escrita simples, sensível e plena de subtilezas, a autora faz-nos perceber, nas entrelinhas, o sofrimento e o desespero de um povo. É a história de Salva, uma história de cerca de vinte anos, de tudo o que viveu, o que viu e o que sofreu desde que fugiu da sua aldeia para chegar ao campo de refugiados na Etiópia, primeiro, e depois no Quénia. Foram dias, meses anos de uma longa caminhada. 
“Sentiu-se como que à beira de um abismo enorme – um abismo cheio de desespero negro do nada.” (p.76)

Facilmente, este livro poderia enveredar pela descrição de actos violentos, de crueldade, porém, a autora opta por destacar a coragem, a vontade de vencer e a esperança. É uma verdadeira lição de vida. 

“Acima de tudo, lembrava-se do encorajamento que o tio lhe dera no deserto:
«- Um passo de cada vez… Um dia de cada vez. Só hoje – só temos de passar este dia…»

Salva disse isto de si para consigo todos os dias. Também o disse aos rapazes do grupo.
Um dia de cada vez, o grupo conseguiu chegar ao Quénia.
Chegaram a salvo mais de 1200 rapazes.
Demoraram um ano e meio. “ (p.86)




27 setembro, 2020

Rua de Paris em Dia de Chuva, de Isabel Rio Novo


OPINIÃO

Parti para a leitura deste livro com enormes expectativas. São muitos e convidativos os ingredientes que o compõem: a escrita da autora que muito aprecio; Paris (a “minha” cidade); Arte; Impressionismo… é uma viagem no tempo, é o regresso ao passado, mas sempre com um pé no presente. 
Adorei conhecer Gustave Caillebotte. Fiquei fascinada. O leitor é conduzido magistralmente pela vida e obra deste milionário, mecenas dos pintores impressionistas, seus contemporâneos, pintor vanguardista, colecionador de selos e de obras de arte, floricultor, velejador de regatas premiado, engenheiro e construtor naval. 

“Estamos, pois, em Paris, no inverno. Novembro ou início de dezembro [de 1877]. Gustave é um homem de estatura mediana, magro, de cabelo castanho-claro. (…). A Autora recorda estas coisas assim, como se as visse, porque na realidade as viu ou sente que as viu.” (p.12) 

A Autora, personagem do livro, vai cruzando a vida do biografado, inscrita nos factos históricos, sociais e culturais parisienses da época (Paris está em plena modernização sob o comando de Haussmann), com as suas recordações, pensamentos e intenções. 

“(…) a Autora tomou rapidamente uma decisão. Nada do que Helena afirmava [sobre Caillebotte] seria verdade. Ela, a Autora decidiria. “ (p.159) 

A intersecção das histórias recriadas é feita de forma sublime, com sensibilidade e paixão. “Era assim entre ela e Gustave Caillebotte” (p.16). Mas, não ficamos por aqui, para além desta intersecção constante ao longo da narrativa, há, ainda, uma outra ponta, uma outra personagem que também se cruza, com a Autora e de forma (in)directa com Caillebotte. Trata-se de Helena, a professora de História de Arte, especialista na vida e obra do pintor. Encontram-se várias vezes, num café em Paris. E apesar de ambas nutrirem uma paixão por Caillebotte, a relação entre as duas é tensa porque Helena enfrenta uma forte depressão. 

Ao longo do livro, a narradora revela-nos tudo sobre Gustave Caillebotte, apresenta-nos a sua família, elenca títulos de quadros pintados pelos artistas da época, descreve detalhadamente alguns dos quadros mais importantes do pintor e relata, ainda, as dificuldades pelas quais passaram os impressionistas e a incompreensão da sociedade perante esta nova maneira de representar a realidade. 

“Tentei, no fundo, mostrar-te o que vi. O que me tocava. O que me emocionava. Que pode ser a nossa passagem pelo mundo senão isso?” (p. 220). Refere Caillebotte sobre a sua pintura. 

Recomendo vivamente.


 

17 setembro, 2020

Início de mais um ano lectivo!

 


Pelo Sonho é que Vamos

"Pelo sonho é que vamos,
comovidos e mudos.
Chegamos? Não chegamos?
Haja ou não haja frutos,
pelo sonho é que vamos.
Basta a fé no que temos,
basta a esperança naquilo
que talvez não teremos.
Basta que a alma demos,
com a mesma alegria
ao que desconhecemos
e ao que é do dia-a-dia.
Chegamos? Não chegamos?
Partimos. Vamos. Somos."


Sebastião da Gama


13 setembro, 2020

Uma Agulha no Palheiro, de J. D. Salinger


 OPINIÃO




Uma Agulha no Palheiro (primeira edição portuguesa) ou À Espera no Centeio (numa nova tradução) li-o há muito tempo e tenho memória de ter gostado muito. Na altura, também eu era uma adolescente e diverti-me com as peripécias de Holden Caulfield, jovem de dezassete anos com as hormonas em ebulição.
A história é narrada pelo próprio, após ser expulso de um colégio interno (não era a primeira vez que tal acontecia) e circunscreve-se a um espaço temporal de dois a três dias, no mês de dezembro, de 1949, e em vésperas de Natal. 
“Só vos falarei do que se passou comigo durante o passado Natal. (…) Quero começar exactamente pelo dia em que saí da Escola Secundária Pencey, em Agerstown, na Pensilvânia.” (pp. 9 e 10) 

Holden é um jovem aparentemente inseguro, instável, estranho pois achava tudo uma chatice, tão depressa gostava de uma coisa ou de uma pessoa como logo de seguida a odiava. Tomava decisões precipitadas, das quais se arrependia logo de as ter tomado. Devido a este seu temperamento estava constantemente metido em apuros. 

O leitor acompanha-o nas deambulações por Nova Iorque, nos seus pensamentos, nas suas aventuras. Holden é um rebelde sonhador que põe tudo e todos em causa e penso que seja por esta razão que os jovens gostam de o ler. É próprio da idade e Holden é, para eles, um herói. Todos se revêem nas atitudes do protagonista, todos rejubilam com a sua coragem ao rejeitar as regras que lhe impõem. 

Porém, e apesar desta sua rebeldia, ele é bastante inteligente pois de forma lúcida e sarcástica, acaba por se auto criticar bem como as pessoas que o rodeiam e com quem vai convivendo. Ele questiona-se constantemente e arrepende-se das suas veleidades. 
“ Sou um tipo cobardolas. Ando sempre a fingir.” (p. 107) 
" Sou um idiota chapado. Não podia tolerá-la, mas de repente senti-me tão apaixonado que não me importaria de me casar com ela. Garanto-vos que sou completamente parvo. E não me custa admitir que o sou." (p. 144) 

Outro aspecto que define o carácter de Holden é o amor e a admiração que nutre pelo seu irmão, que faleceu muito novo, (invoca-o muita vez) e pela sua irmã mais nova, Phoebe. 

Hoje, ao reler a história de Holden, o impacto não foi o mesmo. A rebeldia da adolescência já lá vai muito longe, pelo que recomendo a sua leitura sobretudo aos mais jovens.


06 setembro, 2020

Notre-Dame de Paris, de Victor Hugo


OPINIÃO



Notre-Dame de Paris, retrata a sociedade parisiense do século XV. É um romance histórico que tem como cenário principal a Catedral de Notre Dame, local de oração, de recolhimento e de refúgio. A acção decorre no ano de 1482. Victor Hugo descreve-nos de forma magistral os costumes da época e a arquitectura gótica, que ele tanto apreciou e valorizou. Ao longo do romance, várias páginas são dedicadas à Catedral com descrições detalhadas quer do seu exterior quer do interior. 
É neste local, onde tudo acontece e onde todos se concentram, que vamos assistir aos acontecimentos da cidade e conviver com Esmeralda, a jovem cigana, muito bela, amada por muitos e discriminada por outros; Quasímodo, homem disforme, desprezado por todos, sineiro da catedral; Claude Frollo, arquidiácono, que adopta Quasímodo quando abandonado à porta da catedral e Phoebus, capitão da guarda real. 

Estamos perante uma obra riquíssima em termos literários, históricos e estéticos. Victor Hugo ataca fortemente o clero abusivo e autoritário, critica o estado e a burguesia que vivem alheios à miséria do povo e à destruição de edifícios marcantes. Victor Hugo constrói a sua narrativa com base em dualidades. Ele põe em evidência a oposição entre a opulência e a miséria, o belo e o grotesco, o cómico e o horror.





 

05 setembro, 2020

Ordem Moral, filme de Mário Barroso



ORDEM MORAL ORDEM MORAL




UM FILME DE MÁRIO BARROS COM Maria de Medeiros, Marcello Urgeghe, João Pedro Mamede


SINOPSE

A história de uma mulher livre.

A 13 de Novembro de 1918, dois dias após o Armistício que põe cobro à Grande Guerra, num país mergulhado numa profunda miséria, no caos e na anarquia, Maria Adelaide Coelho da Cunha, herdeira e proprietária do Diário de Notícias, desaparece do seu domicílio no luxuoso Palácio de São Vicente de Fora. O marido, Dr. Alfredo da Cunha, poeta, dramaturgo e director do grande quotidiano, apela aos leitores para que ajudem a polícia e a família a encontrar a esposa desaparecida. Está lançada a maior campanha moralista, vingativa e punitiva de que há memória. Pagam-se polícias e detectives e desencadeia-se a maior « batida » no território nacional. A caça à doida começou.

Aos 48 anos, Maria Adelaide fugiu na companhia do jovem amante, Manuel Claro, seu antigo chauffeur, de 26 anos de idade. Sem dinheiro, roupa ou joias. Motivada pelo desejo sensual e profundo do amigo e a vontade de se libertar do jugo hipócrita e moralista que a sufocava. Três semanas mais tarde, um verdadeiro comando, irrompe-lhes em casa, sem mandato. Internada no hospício de Conde de Ferreira, graças à cumplicidade dos maiores alienistas portugueses, Júlio de Matos, Egas Moniz e Sobral Cid, Maria Adelaide vai enfrentar longos meses de prisão, de violência física e psíquica. Mas resiste. Com a cumplicidade de Manuel Claro evade-se do Conde de Ferreira e refugia-se no Rossão. Detectives a soldo da família descobrem o seu refúgio e levam-na de novo para o manicómio. Acusado de rapto, violação e sequestro privado, Manuel Claro é preso e ameaçado de uma pena de 18 anos de cadeia.

O país continua embrenhado na violência e anarquia. Sidónio Pais é assassinado. A reação dos poderes estabelecidos contra quem desrespeite a instituição familiar, é duma rara violência e hipocrisia. Maria Adelaide, só pode ter cedido à lubricidade da sua paixão pela simples razão de que enlouquecera. Confirmada a sua demência por Matos, Moniz e Cid, que a declaram degenerada hereditária, «privada da capacidade civil para reger a sua pessoa e administrar os seus bens», o Conselho de Família pronuncia a sua interdição.

Alfredo da Cunha, pode enfim vender o Diário de Notícias, num negócio considerado como milionário a que ela sempre se opusera e que, sem a sua interdição, teria sido impossível. O jornal passa a defender os interesses políticos, económicos e militares que sete anos depois, em 1926, iriam instaurar a Ditadura Nacional.

Sem baixar os braços, Maria Adelaide obtém que o Ministro do Interior decrete a sua saída do Hospício. A partir daí, graças ao seu talento literário, vai denunciar todo este miserável processo, batendo-se simultaneamente pela libertação de Manuel Claro, que acaba por obter ao cabo de 4 anos de cadeia sem culpa formada. A interdição de Maria Adelaide só é levantada em 1944, depois do falecimento do marido, e da transferência para o filho dos bens de que era legítima proprietária. Tinha 74 anos de idade.