Autor: Paulo M. Morais
Título: Seja feita a tua vontade
N.º de páginas: 128
Editora: Casa das Letras
Edição: Junho 2017
Classificação: romance
N.º de Registo: (3721)
OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐
Seja feita a tua vontade, de Paulo M. Morais, é um romance comovente que aborda a morte como escolha consciente e a despedida como reencontro. Através da relação entre um avô e o seu neto, o autor constrói uma narrativa íntima, onde se cruzam memórias, silêncios e afectos.
O enredo centra-se na figura do avô, médico octogenário, que, cansado de lutar contra os “bichos imaginários” que lhe devoram o corpo, decide pôr fim à sua vida de forma metódica e consciente. Esta decisão, comunicada à família, desencadeia uma série de dilemas éticos e emocionais, especialmente para o neto, que assume o papel de cuidador e confidente.
“Passamos tardes inteiras a falar de intimidades. No recato do teu quarto, exponho-me e exponho-te. Damos as mãos. Faço-te festas no rosto. Para passarmos o tempo que falta (ou será recuperarmos o tempo perdido?), partilhamos histórias nestes dias em que a morte ronda.” (p. 43)
O livro confronta-nos com questões delicadas como a eutanásia, o envelhecimento, o direito à morte digna e a desumanização da morte hospitalar. A decisão do avô é apresentada como um acto de lucidez e de dignidade, desafiando convenções sociais e familiares.
Nesse período de tempo (dezanove dias), avô e neto revisitam memórias e afectos, num processo de despedida íntimo. Porém, a narrativa ganha uma reviravolta quando, inesperadamente, o avô informa que pretende continuar a viver, abalando a serenidade conquistada e reabrindo feridas emocionais.
Paulo M. Morais constrói personagens densas e realistas, explorando a complexidade das relações inter-geracionais. O avô, inicialmente rígido, revela-se vulnerável e humano, enquanto o neto, jornalista e pai de uma menina, emerge como uma figura de escuta e ternura.
Questiono-me se não haverá, neste romance, um carácter auto-biográfico?
A escrita é contida, mas carregada de emoção. A economia de palavras releva o impacto dos momentos de ternura e de dor, conferindo maior autenticidade à narrativa. E a escrita diarística, na segunda pessoa, reforça o tom confessional e aproxima o leitor das personagens.
A citação de Morreste-me, de José Luís Peixoto no livro não é apenas uma referência literária — é uma ponte emocional entre duas obras que exploram o luto com uma tremenda delicadeza.
Os dois livros partem da dor da perda para construir uma narrativa íntima e reflexiva. A diferença, é que em Morreste-me, José Luís Peixoto escreve com uma linguagem poética e fragmentada, como se cada frase fosse um eco da ausência do pai. A dor é crua, mas contida, e o texto transforma-se num espaço de memória onde o filho tenta manter vivo o que já não está. Já em Seja feita a tua vontade, Paulo M. Morais aborda a morte antecipada — não como perda súbita, mas como escolha consciente. O avô decide serenamente morrer e o neto acompanha esse processo, criando uma despedida que é também uma reconstrução de afectos.
Seja feita a tua vontade é um livro que nos toca profundamente. Mais do que uma história sobre o fim, é um convite à escuta, à ternura e à coragem de estar presente quando o tempo finda.