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27 agosto, 2024

𝑶 𝑰𝒕𝒂𝒍𝒊𝒂𝒏𝒐, Arturo Pérez-Reverte



Autor: Arturo Pérez-Reverte
Título: O Italiano
Tradutores: Cristina Rodriguez e Artur Guerra
N.º de páginas: 365
Editora: Asa
Edição: Agosto 2023
Classificação: Romance
N.º de Registo: (3513)



OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐⭐



É o terceiro livro que leio de Arturo Pérez-Reverte e estou completamente rendida à sua escrita. Ora apreciem:
“ O dia languidesce aprazível, rotineiro: o céu torna-se violáceo sobre os terraços das casas e a luz crepuscular alonga e estende as sombras.” (p. 37)

Gosto da lucidez como narra os factos. Este romance é baseado em acontecimentos reais que ocorreram durante a Segunda Guerra Mundial na baía de Algeciras e Gibraltar, em 1942 – 1943. Na baía, um pequeno grupo de mergulhadores de combate italianos altamente especializados fazem explodir e afundar navios dos países aliados.
O Italiano é assim um romance de estratégia, de espionagem, de sabotagem, de guerra, mas também de amor, de uma paixão contida.

Por norma, o autor oferece-nos narrativas cativantes com contornos insólitos e com personagens de carácter, e esta não é excepção.
Pérez-Reverte executa na perfeição a alternância entre o passado (os acontecimentos) e o presente (a escrita), o ritmo da narrativa, as marcas do tempo, os silêncios que indiciam a tensão e a quietude das ações quer debaixo de água quer nos diálogos entre as personagens. O domínio da sua escrita, que se intensifica nas descrições, é fabuloso; a elegância como cala alguns dados sobre os protagonistas, a imparcialidade como descreve os factos, mais centrada nas acções em si do que no que elas representam; o reconhecimento do mérito e da honra do adversário atribuem a este romance uma intensidade e uma beleza fascinantes.

Pérez-Reverte ao ser personagem no enredo dá mais credibilidade à história. Como jornalista e escritor, tal como na sua vida, acrescenta informação sem atrapalhar a acção dos protagonistas. “Chegámos a um ponto desta narrativa em que os factos cedem o lugar à imaginação: um espaço em branco que, apesar da sua importância no que aconteceu mais tarde, só pode ser preenchido com suposições. E algumas delas são, inclusivamente, contraditórias. ” (p. 129)
A complexa relação que se estabelece entre os dois protagonistas Teseo (o italiano) e Elena (a livreira) é narrada de forma sublime, com uma enorme delicadeza.
“ O mar está calmo e só se ouve o rumor suave da água que lambe com suavidade a areia, onde um reflexo ténue assinala o contorno da margem. (…)
O italiano.
É isto o que realmente ela tem na cabeça.
Lombardo, Teseo, recorda; e por alguma estranha razão estremece ao fazê-lo, ao ponto de, sentada no selim da bicicleta, afastar as mãos do guiador e cruzar os braços como se de repente sentisse frio.” (p. 39)

Ao longo da narrativa, o leitor acompanha silenciosamente os mergulhadores e, intimamente, deseja que as suas acções obtenham sucesso; anseia que a paixão entre Elena e Teseo se cumpra e sobreviva à guerra; testemunha e admira a coragem e a frieza de Elena perante a sua iniciativa.

Estamos perante uma obra magistral, uma intensa “história de amor, mar e guerra” que de forma equilibrada mistura ficção e realidade e desperta no leitor a curiosidade sobre estes heróis anónimos da Segunda Guerra Mundial que não têm sido muito divulgados.

Recomendo este e todos os livros do autor, mesmo os que ainda não li, pois fico com a certeza de que não desiludirá.




19 julho, 2023

𝑶 𝑷𝒊𝒏𝒕𝒐𝒓 𝒅𝒆 𝑩𝒂𝒕𝒂𝒍𝒉𝒂𝒔, de Arturo Pérez-Reverte

 


Autor: Arturo Pérez-Reverte
Título: O Pintor de Batalhas
Tradutora: Helena Pitta
N.º de páginas: 230
Editora: Asa
Edição (3.ª): Março 2020
Classificação: Romance
N.º de Registo: (3371)


OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐


Que livro fabuloso! Exigente, perturbador e impelente! Temos vontade de ler mais e mais, mas algo nos retém e permanecemos deslumbrados perante o poder e a força das palavras.

O Pintor de Batalhas suga-nos as entranhas, obriga-nos a inspirar profundamente antes de assimilar o que foi dito, questionado. Tal como Faulques, o protagonista, que nada diariamente “cento e cinquenta braçadas mar adentro e outras tantas de regresso “ (p.7), também o leitor mergulha nas páginas deste romance e a cada “braçada” que percorre, obriga-se a respirar, a reflectir porque não consegue avançar na “geometria do caos” que lhe é imposta.

Pérez-Reverte a partir da sua experiência jornalística constrói a personagem de Andrés Faulques, um fotógrafo de guerra que, ao longo de 30 anos de profissão, andou pelo mundo e captou imagens poderosas e devastadoras. Na narrativa, Faulques, que já tinha abandonado a fotografia e decidido isolar-se numa torre de vigia na costa mediterrânica (Puerto Úmbria), dedica-se à pintura mural numa tentativa de expor cientificamente “as regras implacáveis que suportam a guerra, (…) o caos aparente – como espelho de vida”. Na construção do seu fresco, combinam-se e misturam-se traços, cores, sombras de memórias, que recupera através das fotografias; das visitas a museus, das pesquisas em livros, das notas que registou e, sobretudo, das memórias dolorosas, impressas no “olhar de trinta anos pautados pelo som obturador de uma máquina fotográfica” (p.9) em busca de um olhar vazio, de um rosto moribundo, de um corpo violado e ensanguentado, do horror como “um franco-atirador paciente”, como um predador em busca da sua presa.


Na sua torre, Faulques, isolado e perturbado pela memória da mulher amada (Olvido), recebe, inesperadamente, um ex-soldado croata, um dos muitos rostos fotografados, que vem confrontá-lo com o seu passado, com as repercussões de uma fotografia que percorreu o mundo “ onde o horror se vende como arte, onde a arte nasce já com a pretensão de ser fotografada, onde conviver com as imagens do sofrimento não tem relação com a consciência nem com a compaixão.” (p. 175)

Nesse confronto de memórias, de silêncios, de encolher de ombros, de observação, os dois homens discorrem de forma intensa e dolorosa sobre as consequências da guerra, “a guerra como sublimação do caos”, a violência desmedida do homem, o poder da fotografia, o acto “selvagem” do fotógrafo no momento fatal da retina, que escolhe o alvo, a ética no fotojornalismo, o remorso, a expiação, a morte.

Reverte num crescendo de intensidade conduz o leitor, pela via da beleza da arte (fotografia e pintura), aos caminhos ignóbeis da guerra, à visão da morte, ao desfecho imprevisível das duas personagens. A narrativa desenvolve-se em vários planos que se entrelaçam magistralmente: as memórias de Faulques com a mulher amada; as memórias do registo da fotografia como acto solitário e fugaz nos palcos da guerra e o presente, que consiste na pintura do mural e no diálogo reflexivo, inquietante e intenso entre os dois homens. Reverte numa escrita lúcida, concisa e sincera arrebata e incomoda o leitor. Não há um vislumbre de esperança, não há um resgate de humanidade. Há, sim, uma “geometria do caos”, as linhas que desenham a vida e traçam a morte. Reverte recorre, neste livro, a um realismo artístico, a uma pintura numa parede circular, para espelhar a sua visão amargurada do mundo. E fê-lo porque considera que a fotografia apenas sugere e não consegue mostrar “o xadrez caótico, regra implacável que governa o acaso perverso do mundo e da vida.” (p. 38)
Recomendo vivamente.



03 junho, 2021

𝑪ã𝒆𝒔 𝑴𝒂𝒖𝒔 𝒏ã𝒐 𝑫𝒂𝒏ç𝒂𝒎 , de Artur Pérez-Reverte

 


Autor: Arturo Pérez-Reverte
Título: Cães Maus Não Dançam
N.º de páginas: 157
Editora: Asa
Edição: 1.ª Fevereiro 2021
Classificação: Romance
N.º de Registo: (3270)



OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐⭐


Cães Maus Não Dançam é uma parábola arrepiante, mas fabulosa! É pela perspectiva de um cão, Negro, que o autor nos leva a refletir sobre os valores da vida, sobre o politicamente correcto. Numa narrativa sublime, o autor cativa-nos e conta-nos uma história de sobrevivência, de amizade e de lealdade. Estes valores acabam por se sobrepor à extrema violência e, no final, salvam-se os bons e os maus são castigados.
À medida que acompanhamos a história de Negro, vamos também descobrindo o carácter do homem. O cão mata apenas por instinto de defesa, para sobreviver, mas quando tem um dono, é-lhe leal, segue-o até ao fim, ao contrário do homem que é capaz de o abandonar na beira de uma estrada porque já não lhe serve ou vai de férias…

“Há momentos na vida de um canídeo em que este arrisca tudo, como dizem os humanos, numa só cartada. E nessa cartada têm muito peso a nossa reputação e as nossas maneiras. As nossas atitudes. Entre os humanos há de tudo: seres dignos que nos dão educação, amor e felicidade, e seres miseráveis cujas virtudes não estão à altura das de um bom rafeiro: gente vil que nos dá cabo da vida e nos leva à tristeza, ao abandono, à solidão, ao horror e à loucura. Entre estes últimos, os maus, há também tipos muito diversos, do animal estúpido cuja bestialidade grosseira supera a nossa, até ao que tem dois dedos de testa e consegue raciocinar com inteligência.” (p. 128)

Adorei conhecer Negro, o “cão rafeiro, cruzamento de mastim espanhol e cão-de-fila brasileiro (…) olhos de velho, alma cheia de cicatrizes e olhar resignado, feito de séculos de sangue e fatalidade.” (p. 11), adestrado para assassino pelo homem, “corajoso e impiedoso” e sobretudo leal para com os seus amigos.