31 janeiro, 2023

𝑶 𝑺𝒆𝒏𝒉𝒐𝒓 𝑰𝒃𝒓𝒂𝒉𝒊𝒎 𝒆 𝒂𝒔 𝒇𝒍𝒐𝒓𝒆𝒔 𝒅𝒐 𝑨𝒍𝒄𝒐𝒓ã𝒐, de Éric-Emmanuel Schmitt

 

Autor: Eric-Emmanuel Schmitt
Título: O Senhor Ibrahim e as flores do Alcorão
Tradutora: Luzia Almeida
N.º de páginas: 69
Editora: Marcador
Edição: Setembro 2013
Classificação: Novela
N.º de Registo: (3415)



OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐


Nesta pequena novela, inicialmente escrita como peça de teatro, acompanhamos a história de Moisés, um menino judeu criado por um pai distante e austero que acabará por abandoná-lo. Momo, como é tratado na rua Bleue, vai aprender a viver sozinho e bem cedo descobre alegrias e prazeres em locais menos apropriados: “Quando fiz onze anos parti o meu mealheiro e fui às putas.” É com esta frase que inicia a narrativa). Ao longo desta aprendizagem, Momo vai encontrar no Senhor Ibrahim, o merceeiro árabe da rua, o pilar da sua vida. Esta amizade aparentemente improvável vai crescendo e fortalecendo. Juntos vão viver uma série de aventuras que lhes permitirá esbater preconceitos e diferenças, bem como respeitar e compreender outras culturas e religiões. Momo vai, lentamente, aprender a sorrir, a apreciar a vida. “ – A beleza, Momo, está em todo o lado. Olhes para onde olhares.” (p. 40) e a ser feliz.

Trata-se de uma história curta, escrita numa linguagem simples com laivos de humor que cativa e surpreende o leitor. A simplicidade da história pode provocar ambiguidades porque nem tudo é dito, mas fica o essencial, isto é, a inocência de Momo, e sobretudo, a generosidade e a sabedoria do Senhor Ibrahim que o adopta e lhe dá asas para crescer sem barreiras, que o acompanha nas suas aprendizagens e experiências e o orienta na evolução dos seus pensamentos. Sendo uma história simples, está carregada de sabedoria, de tolerância e amizade.


30 janeiro, 2023

À 𝑷𝒓𝒐𝒄𝒖𝒓𝒂 𝒅𝒂 𝑴𝒂𝒏𝒉ã 𝑪𝒍𝒂𝒓𝒂, de Ana Cristina Silva

 

Autora: Ana Cristina Silva
Título: À Procura da Manhã Clara
n.º de páginas: 294
Editora: Bertrand Editora
Edição: Maio 2022
Classificação: Romance biográfico
N.º de Registo: (BE)


OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐


À Procura da Manhã Clara  é um romance biográfico sobre Annie Silva Pais, filha do director da PIDE, Fernando Silva Pais e de Armanda (Nita) Silva Pais. O pai que representa a opressão, o fascismo de um Portugal cinzento e pobre é, contudo, objecto do seu amor apesar do antagonismo ideológico que os divide; a mãe representa a futilidade, a hipocrisia e o bem-estar da burguesia durante O Estado Novo.

Annie vive numa constante angústia, primeiro por saber que o pai, o seu herói, é um dos principais responsáveis pela ditadura e repressão instauradas no país e, segundo, por perceber que não é amada pela mãe. Esta antipatia vai manter-se ao longo da narrativa, agudizando-se sempre que Annie toma decisões antagónicas aos ideais dos pais. O carácter de D. Nita está sublimemente caracterizado. A futilidade exposta nos registos que anota na sua agenda, a vaidade que estampa nos vestidos que manda fazer; a aparência elegante e cuidada que mantém no meio em que circula; a inclemência e os ciúmes que tem da própria filha tornam-na numa mulher infeliz e insensível. Este aspecto fica ainda mais patente quando é confrontada com a prisão do marido e com a doença da filha.

Annie educada num ambiente conservador e retrógrado sente-se sufocar. Consciente da sua beleza e inteligência, desejosa de liberdade e de contrariar a mãe, apaixona-se por homens estrangeiros que lhe confirmam as suas já convictas impressões de um país pobre, triste e torturado. Impulsiva, apaixonada e irreverente vai casar-se com um diplomata suíço que a levará até Cuba.
E aí, tudo muda na sua vida. Annie vai viver intensamente a revolução cubana, vai conhecer figuras históricas que deixam marcas indeléveis, vai ter relações fantasiosas e apaixonadas com homens importantes. Vai dedicar-se intensamente à causa, ao ideal de um país completamente diferente do seu.

Gostei imenso desta mulher “impulsivamente apaixonada” pela revolução cubana. A caracterização psicológica de Annie e da mãe, na narrativa, torna este livro emocionante e arrebatador. E é essa densidade que nos revela a natureza impulsiva e corajosa da protagonista, assim como a tensão constante entre mãe e filha, ao longo do romance, nos permite compreender o conflito de classes, a diferença geracional e as políticas instituídas nos dois países.

Outro aspecto que me agradou bastante está relacionado com a estrutura. A inclusão de cartas escritas na primeira pessoa e que nunca foram enviadas, como nos é dado a conhecer no prólogo, que resumem e contextualizam o que vai ser narrado no capítulo seguinte, permite à autora ficcionar um pouco o que foi a vida real e conhecida de Annie. O leitor aceita esses factos narrados como verídicos pois está completamente embrenhado nos conflitos da protagonista e vive de igual forma as suas emoções, desgostos e paixões.

Recomendo muito.


19 janeiro, 2023

Centenário do Nascimento de Eugénio de Andrade 1923 - 2023




O Sorriso

Creio que foi o sorriso,
o sorriso foi quem abriu a porta.
Era um sorriso com muita luz
lá dentro, apetecia
entrar nele, tirar a roupa, ficar
nu dentro daquele sorriso.
Correr, navegar, morrer naquele sorriso.

Eugénio de Andrade




17 janeiro, 2023

𝑨 𝒄𝒐𝒓 𝒅𝒐 𝒉𝒊𝒃𝒊𝒔𝒄𝒐, de Chimamanda Ngozi Adichie

 



Autora: Chimamanda Ngozi Adichie
Título: A cor do hibisco
Tradutora: Tânia Ganho
N.º de páginas: 366
Editora: D. Quixote
Edição: Fevereiro 2019
Classificação: Romance
N.º de Registo: (3360)


OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐


A cor do hibisco é o primeiro romance publicado pela escritora nigeriana (2003).

Adichie narra a história de uma família nigeriana, a partir da qual são apresentadas questões inerentes à cultura da Nigéria, bem como ao processo de colonização britânica ocorrido no país.
Penso que em certa medida, os conflitos abordados ao longo da narrativa revelam o contexto geral do país, bem como a própria vivência da autora. Adichie foca-se nas diferenças e nas relações conflituosas para mostrar uma África diferente com uma identidade e uma cultura bem próprias.

Kambili é a personagem responsável por explicitar, através da sua narrativa, as novas perspectivas sobre a história, a língua (há termos de Igbo em “entrelinguagem” que não foram traduzidos) e a cultura da Nigéria. É ela que representa, através do seu testemunho e das suas memórias, toda uma nação pós-colonial marcada por guerras e silenciada pelo Ocidente.

Kambili tem 15 anos. Cresce numa família abastada, mas sujeita a uma educação severa e cristã. Ela e o seu irmão Jaja vão ficar marcados pelo fanatismo religioso do pai, Eugene, e Beatrice é uma mãe e esposa submissa e maltratada. E esta é ideia que forjamos logo com a primeira frase do romance “As coisas começaram a desmoronar-se em casa quando o meu irmão, Jaja, não foi comungar e o Pai atirou seu pesado missal de um lado ao outro da sala e partiu as estatuetas da estante.”

Contudo, uma visita à tia e aos primos, em Nsukka, vai proporcionar aos dois irmãos uma nova visão do mundo, de convivência e sobretudo de liberdade. Esta nova perspectiva de vida vai ser difícil de absorver, sobretudo por Kambili, mas a pouco e pouco vai embrenhar-se nos seus espíritos e libertá-los das regras rígidas impostas pelo pai, ao ponto de questionarem a educação recebida, os hábitos familiares e a prática religiosa.

A dicotomia sociocultural nigeriana está estampada nas duas cores predominantes do hibisco na narrativa: o vermelho, na cidade de Enugu onde vive Kambili e a sua família simboliza o amor opressivo e a religião cristã; o azul, em Nsukka onde vivem a tia e os primos, representa a liberdade, a mudança, a descoberta.

Recomendo muito.


09 janeiro, 2023

𝑶 Ú𝒍𝒕𝒊𝒎𝒐 𝑪𝒂𝒃𝒂𝒍𝒊𝒔𝒕𝒂 𝒅𝒆 𝑳𝒊𝒔𝒃𝒐𝒂, de Richard Zimler

 



Autor: Richard Zimler
Título: O Último Cabalista de Lisboa
Tradutor: José Lima
N.º de páginas: 383
Editora: Oceanos
Edição: Maio 2007
Classificação: Romance histórico
N.º de Registo: (2307)


OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐


Neste primeiro livro de uma série de quatro, Richard Zimler narra detalhadamente o massacre de cerca de dois mil judeus (marranos), em Lisboa, na Páscoa de 1506, no reinado de D. Manuel.

O leitor não fica imune à crueldade dos factos ocorridos e instigados pelos frades dominicanos que incitam os cristãos ávidos de violência e de vingança em perseguição aos judeus. A veracidade histórica que perpassa ao longo da narrativa inculca, indelevelmente, ao leitor o medo, a suspeita, o ódio, a traição vividos pelos cristãos-novos que não conseguem abjurar a sua fé e que, por isso, clandestinamente continuam a praticar os seus rituais judaicos, sendo então perseguidos e atirados para a fogueira da Inquisição.

O leitor embrenhado na narrativa sente, igualmente, o cheiro das fogueiras, o cheiro nauseabundo dos corpos mortos, o cheiro do esterco que se acumula e estende nas ruas de Lisboa e assiste à fome, à seca severa e à peste que assolam na capital e matam tantas pessoas anónimas, inocentes.

Para narrar este episódio duro da nossa história, o autor enveredou por uma estrutura etiquetada de thriller. E assim, o mistério criado à volta do mestre cabalista Abraão Zarco, um dos judeus mais influentes da época, e do seu sobrinho Berequias Zarco vai permitir absorver mais facilmente toda a loucura, crueldade, intolerância e ignorância do ser humano. O enredo é um autêntico puzzle de figuras, intrigas e acontecimentos que se arrodilham ao longo da trama, mas que no final se esclarecem.

Para os apreciadores desta temática recomendo a sua leitura.



05 janeiro, 2023

𝑱𝒆(𝒖𝒙) - 𝑷𝒆𝒕𝒊𝒕𝒆 𝑨𝒏𝒕𝒉𝒐𝒍𝒐𝒈𝒊𝒆, de Fernando Pessoa



Autor: Fernando Pessoa
Título: Je(ux) - Petite Anthologie
Tradutor: Patrick Quillier
Ilustradora: Ghislaine Herbéra
N.º de páginas: 86
Editora: Editions Chandeigne
Edição: Junho 2018
Classificação: Poesia
N.º de Registo: (3419)



OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐⭐



Quem me conhece bem sabe que tenho uma paixão por livros, que lhes dou uso, que os leio e que os empresto.

De Fernando Pessoa tenho quase toda a obra, alguns livros até tenho repetidos por questões de edição. Quando me ofereceram esta pequena antologia maravilhosa, a minha primeira reacção foi "Como é possível que eu ainda não tenha este livro!".

𝑱𝒆(𝒖𝒙) - 𝑷𝒆𝒕𝒊𝒕𝒆 𝑨𝒏𝒕𝒉𝒐𝒍𝒐𝒈𝒊𝒆, livro de capa dura, editado por Éditions Chandeigne, contém dezasseis poemas de Fernando Pessoa - ortónimo e heterónimos - em francês e todos ilustrados por Ghislaine Herbéra. Numa segunda parte, contém ainda os mesmos poemas originais, em português, com referência ao autor e à respectiva obra. Finaliza com um posfácio, em francês, de Joanna Cameira Gomes.

Adorei os poemas, que já conhecia porque sou uma leitora recorrente de Fernando Pessoa, mas nunca os tinha lido em francês, tornando assim esta leitura num exercício muito aprazível.

Adorei as ilustrações. Magníficas!

Esta simbiose de palavras, desenhos e cores torna, na minha opinião, este pequeno livro num objecto precioso e belo que vai enriquecer a minha estante de poesia.