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06 novembro, 2024

𝑨𝒖𝒈𝒖𝒔𝒕𝒂 𝑩. 𝑶𝒖 𝑨𝒔 𝑱𝒐𝒗𝒆𝒏𝒔 𝑰𝒏𝒔𝒕𝒓𝒖í𝒅𝒂𝒔 80 𝑨𝒏𝒐𝒔 𝑫𝒆𝒑𝒐𝒊𝒔, de Joana Bértholo

 

Autora: Joana Bértholo
Título: Augusta B. 
N.º de páginas: 99
Editora: Caminho
Edição: Maio 2024
Classificação: Novela
N.º de Registo: (3587)



OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐


Augusta B. ou as Jovens Instruídas 80 anos Depois, desvenda as peripécias de duas jovens de 22 anos que tentam publicar um anúncio igual ao de Agustina Bessa-Luís (ABL).
A novela de cerca de 100 páginas transporta-nos para dois universos bem distintos ou talvez não: o universo das aplicações de encontros, das redes sociais e o universo dos anúncios de jornais.

Joana Bértholo de forma inteligente e criativa explora o famoso anúncio publicado no primeiro de Janeiro, há 80 anos, por Agustina Bessa-Luís, uma jovem instruída, à procura de correspondência “inteligente e culta”.
Tendo, assim, Agustina e o anúncio como fio condutor, a autora cria uma novela que estabelece a ponte com a actualidade ao envolver as duas amigas, Raquel e Augusta, paralelamente, em encontros por via das aplicações e na replicação do famoso anúncio no jornal O Público. Todo o enredo gira à volta das tramas amorosas, das reflexões e interpelações das duas jovens e da narrativa sobre as dificuldades que enfrentam em publicar o anúncio “dado que o conteúdo não se enquadra com a linha editorial do jornal.”

O anúncio acabou por ser publicado, no entanto, não vou revelar de que forma para que não anule o prazer da descoberta. Posso afirmar que o paralelismo estabelecido entre o antes (1944) e o presente está muito bem conseguido. O que hoje é banal, era inconcebível há 80 anos, sobretudo por uma mulher. Neste simples gesto, fica claro como Agustina era uma mulher ousada, muito à frente do seu tempo.

Outro aspecto que me agradou imenso nesta novela é a intertextualidade com a obra de Agustina. A jovem Raquel, leitora ávida, vai despertando na sua amiga Augusta, mais vocacionada para as aplicações digitais na procura incessante da relação certa, um interesse cada vez maior ao ponto de se “estabelecer um diálogo interno” entre ela e Agustina.
“A Agustina-interior primava pela clarividência e segurança; sabia o que queria e não duvidava do seu valor nem enquanto scritora, nem enquanto mulher. Tudo aquilo que Augusta sentia que lhe faltava. Completavam-se.” (p. 77)

Recomendo muito este pequeno livro. Joana Bértholo tem a capacidade de nos agarrar às suas histórias. Esta é bem cativante e tem, para mim como professora bibliotecária, não um, mas dois finais felizes.

06 maio, 2024

𝑨 𝑯𝒊𝒔𝒕ó𝒓𝒊𝒂 𝒅𝒆 𝑹𝒐𝒎𝒂, Joana Bértholo

 

Autora: Joana Bértholo
Título: A História de Roma
N.º de páginas: 306
Editora: Caminho
Edição: Setembro 2022
Classificação: Romance
N.º de Registo: (3440)



OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐


Sou sempre surpreendida com os livros de Joana Bértholo. Este não foi exepção. Com uma escrita poética, sensível, irreverente e provocadora, a autora conquista-nos com as várias histórias que integram A História de Roma.

Neste romance de “várias geografias”, erramos pelas ruas de Buenos Aires, de Berlim, de Marselha, de Beirute, de Lisboa onde os dois protagonistas se reencontram dez anos mais tarde e de Maputo.

No reencontro que dura dez dias, em Lisboa, os dois desenovelam memórias, nem sempre coincidentes, (“Ao sexto dia fiz esta experiência: seria a incompatibilidade das nossas recordações uma questão de distância? Geográfica, temporal, emocional?”(p. 199)), e, nesse recordar, a autora é exímia na narração dos acontecimentos vividos e inventados. Misturando tempos e açcões passados e presentes, o leitor deixa-se conduzir página após página e acompanha “os percursos que preenchem dez dias” definidos por Joana, a protagonista ou a escritora? É difícil discernir se acompanhamos a personagem ou a própria autora, já que ambas se chamam Joana, têm o prazer da escrita e da deambulação por geografias diversas e denotam preocupação ecológica. Pelo que as fronteiras entre realidade e ficção poderão ser muito ténues. Mas isso é importante? Não, não é.

O importante mesmo é apreciar a escrita e deixar-se inebriar pela história narrada, a história de amor vivida por um casal jovem e moderno “Ele e eu fomos próximos da forma desapegada e intermitente que é a única que tenho de ser próxima de alguém.”; pela forma como a narradora nos revela a sua decisão de não ser mãe, uma “não-mãe” por questões ambientais: “É fácil encontrar estudos que defendem que a maior contribuição para a redução da emissão de carbono de um indivíduo num país industrializado é não ter filhos” (p. 197); pela forma como se agarra à inevitável questão “Como foi que o nosso amor anoiteceu?”.

A História de Roma é um livro com várias camadas entrelaçadas que levanta imensas questões e nos faz reflectir sobre o mundo, a sociedade em que vivemos.
É um livro que revela uma história de amor (anagrama de roma) que, de lugar em lugar, descreve vivências, emoções, desejos, fantasias, encontros e desencontros, buscas obsessivas, mas é também a história da filha que nunca tiveram, ela, Joana, e ele, o rapaz e artista suíço que conheceu nas ruas de Buenos Aires.
“(…) acreditava que, se um dia fosse mãe, lhe daria o nome de lugar. (…) Odessa ou Roma, se rapariga”. (p. 11)

É, em suma, uma história de relações, de identidades, de lugares, de pessoas recuperada pelas memórias verídicas e imaginadas de Joana. Joana que até podia chamar-se Lisboa.

Recomendo muito a leitura deste livro, deste e de todos os que a autora já publicou.





24 janeiro, 2022

𝑬𝒄𝒐𝒍𝒐𝒈𝒊𝒂, de Joana Bértholo

 

Autora: Joana Bértholo
Título: Ecologia
N.º de páginas: 499
Editora: Caminho
Edição: Maio 2018
Classificação: Romance
N.º de Registo: (Bib)


OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐⭐


Leitura complexa, intensa e inquietante que nos coloca constantemente perante questões pertinentes e muito actuais de uma sociedade “doente”, tais como, a linguagem na desvalorização da palavra face às redes sociais; a ausência de pensamento, de opinião perante um facto; a aniquilação das relações interpessoais; a imposição do medo; as consequências do capitalismo e da privatização de tudo, onde tudo se paga, até as palavras; o conformismo de uns e a revolta de outros (poucos) perante certas decisões; a ausência de consciência e a negligência em relação ao meio-ambiente.
“Muitos Consumidores ainda não entendem que quando os produtos e serviços lhes são oferecidos, isso significa que eles próprios são o produto.
Mesmo aqueles que o entendem, pesam as grandezas em jogo e decidem-se a favor da qualidade de vida. Embarcam numa existência com controlo sobre variáveis e imprevistos, mas permanentemente controlados, Já não há «estar fora». Em nenhum aspecto da vida. Uma utopia individual dentro de uma distopia colectiva.” (p. 418)

Livro distópico que apresenta uma posição muito crítica, sustentada no progresso e no avanço tecnológico sem limites, na descoberta de palavras, pela voz de Candela, a criança que ao longo do livro vai colocando questões desconcertantes e que se constitui como um enorme campo experimental e lúdico de jogos de palavras (sinonímia, polissemia, antonímia, normalização, monitorização).
Numa estrutura invulgar, fora do comum, com tipologias textuais diferenciadas, Ecologia dispersa-se por várias linhas narrativas que revelam situações diversas, histórias familiares, personagens várias e que segundo um fio condutor acabam por se ligar e dar sentido ao que aparentemente parece desconexo. À semelhança de outras distopias bem conhecidas, há um “sistema” criado por Darla Walsh que apresenta um plano que vai transformar as palavras em produtos de consumo, taxadas de forma aleatória. Para tal, cria tecnologia avançada que permita registar, contabilizar, monitorizar as palavras ditas pelas pessoas e assim atribuir-lhes um valor a pagar. Mas como toda a tecnologia, também esta revela pontos fracos e acaba por não detectar palavras pronunciadas por gagos, ou cantadas, ou ditas ao contrário entre outros subterfúgios que as pessoas vão descobrindo.

Joana Berthólo ao projectar no futuro esta sua visão da sociedade, acaba por pôr em evidência o presente, a realidade. Vivemos numa sociedade de consumo e de (des)informação, sob o engodo do marketing (muito bem demonstrado no livro) e do livre (falso) acesso à informação veiculada pelas redes sociais, tudo se paga, tudo se compra, todos opinam, todos escrevem, todos têm razão, nada se verifica, nada se confirma, nada se analisa…
Através de um discurso irónico, corrosivo, bem-humorado, a autora desmonta a relação ambígua entre o poder e o saber, questiona a hierarquia de valores, ou a falta dela, e alerta para as questões ecológicas.


02 dezembro, 2020

Havia, de Joana Bértholo

  



OPINIÃO

Havia é um livro muito original com ilustrações de Daniel Melim que também escreveu o posfácio. 
O livro é composto por pequenos textos, sempre iniciados pela palavra Havia, (verbo impessoal). Cada texto é seguido de um outro pequeno texto, numa outra página, em jeito de conclusão, que serve para confirmar ou contrariar a tese do que foi lido antes. Os desenhos surgem logo depois, sempre dois iguais mas invertidos também em páginas diferentes e seguidas. 
Ora estamos perante um livro com histórias absurdas, desconcertantes, desconexas, divertidas, mas sempre com um propósito. Parece-me que através do nonsense, tal como As Aventures de Alice no País das Maravilhas (livro exemplar em relação à utilização do nonsense na literatura) e dos jogos de palavras e de ideias, a autora vai expondo o seu ponto de vista, quase sempre irónico, em relação a muitos aspetos do nosso quotidiano quer em termos sociais e ambientais quer em termos académicos. Aliás, a forma verbal “havia” tantas vezes atropelada na nossa língua, é, na minha opinião, esclarecedora da intenção da autora. Eis alguns exemplos: 

“Havia uma ilha rodeada de terra por todos os lados. Suponho que nem lagos existissem. (…) Mesmo assim, esta ilha sem água era um afamado destino turístico. As suas praias eram bastante concorridas. “ (p. 20) 

“Havia, uma, vírgula, com, uma, gritante, necessidade, de, protagonismo, Tal , não, era, a, sua, ânsia, de, aparecer, que, não, tolerava, qualquer, outro, tipo, de, pontuação, “ (p.36)

“Havia aquela via onde o homem que já não via fingia que via as miúdas passar. Na verdade não as via, mas deixem-no estar sossegado. É só um velho a lutar contra o Parkinson.” (p.111)

Concluindo, é um livro de leitura rápida e agradável que acaba, por vezes, por nos fazer reflectir e quase sempre sorrir. Havia e há muitas histórias estranhas, mas se ainda restassem dúvidas, na página 106, lê-se “Eu bem te avisei – este livro está cheio de histórias absurdas.”