20 setembro, 2021

𝑫𝒆𝒔𝒗𝒊𝒐, de Ana Pessoa e Bernardo P. Carvalho

 

Autor: Ana Pessoa
Ilustrador: Bernardo P. Carvalho
Título: desvio
N.º de páginas: 197
Editora: Planeta Tangerina
Edição: Junho 2020
Classificação: Novela gráfica
N.º de Registo: (3267)


OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐⭐


Desvio, a banda desenhada escrita por Ana Pessoa e ilustrada por Bernardo P. Carvalho narra-nos a história de Miguel, um jovem de 18 anos. Sozinho em casa porque os pais foram de férias, não lhe apetece estar com ninguém. Num verão quente, arrasta-se por casa, fuma, vê filmes, faz jogos de palavras, espalha “gostos” nas redes sociais dos amigos, videojogos, estuda código de estrada e “faz uma pausa” com a namorada. Quando sai, vai ao cinema e deambula pela cidade tirando fotos e filmando como um turista. Nunca está feliz, não entende o presente, questiona-se sobre o futuro. Farta-se de tudo e de todos, “quer fazer uma pausa de tudo.”
O texto reduzido, próprio de uma novela gráfica, é magnificamente completado com a narrativa visual muito colorida, expressiva e descritiva. Ficam muito claras as acções e os pensamentos de Miguel. Há momentos de silêncio fantásticos. As páginas com os desenhos e o texto estão harmoniosamente construídas. E isso torna esta banda desenhada excepcional.
Assim, o livro transmite muito bem as dúvidas, os medos e as expectativas dos adolescentes, bem como a angústia das mães que telefonam constantemente e que não sabem muito bem lidar com o filho/a filha que vive num mundo entediante, sem projetos, numa luta constante contra a rotina e em busca de uma identidade. Da sua identidade.
Recomendo este livro porque sem qualquer juízo de valor, foca-se na realidade, no mundo dos nossos jovens e quem lida com eles, sabe que é assim. E a forma como é narrada (texto e ilustração) leva-nos a refletir e a perceber o dilema existencial da vida de um jovem.
“Nunca sinto o que os outros querem que eu sinta.”
“E às vezes é difícil perceber onde estamos. Andamos perdidos nas mesmas ruas, nos mesmos labirintos, nos mesmos dramas.”



18 setembro, 2021

𝑨 𝑻𝒆𝒓𝒄𝒆𝒊𝒓𝒂 𝑹𝒐𝒔𝒂, de Manuel Alegre

 


Autor: Manuel Alegre
Título: A Terceira Rosa
N.º de páginas: 133
Editora: Círculo de Leitores
Edição: Julho 1999
Classificação: Romance
N.º de Registo: (1047)


OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐


Neste pequeno livro em prosa, Manuel Alegre relata-nos simultaneamente uma história de amor e o final do Estado Novo.
Numa escrita poética, o autor tece um paralelismo entre o amor de Xavier e Cláudia que oscila entre encontros e desencontros, entre felicidade e solidão, e entre a decadência do regime e a Liberdade.
“Viveu a euforia de Lisboa Libertada, as chaimites que se passeavam, o sorriso das pessoas, a corrente que passava entre todos, o sentimento de pertença a um país, um movimento, um sonho. (…) Estava alegre e estava triste, partícipe e ausente. (…) Havia uma ausência, faltava o resto da sua mais secreta e íntima liberdade.” (p. 115)

Num tom confessional, e numa mescla de prosa e poesia, o autor recorre a pequenos textos, fragmentos intimistas para nos mostrar o caminho do amor, da paixão, da liberdade, mas também da solidão, da perda, da morte.
“ (Que nome te dar? Tu és única. Tu és todas. Ou talvez nenhuma. Eu sou tu. Tu és eu. A outra metade de mim. A parte de ti que em mim ficou. A parte de mim que foi contigo. Ninguém me foi tão próximo. Ninguém me escapou tanto.
Como foi que constantemente nos encontrámos e nos perdemos?
Esta é a história. Uma história sem história. Uma história só isto.)” (p.51)

É portanto uma leitura cativante, na medida em que o pensamento (de Xavier) convoca os momentos, as memórias mais marcantes e importantes de uma vida.


“O Medo”, de Al Berto: deslocação, fragmentação e fluxo

 

                        Al Berto / Ilustração de Marta Nunes – CCA (@martanunesilustra)



Erotismo. Se perguntarem aos demais do mundo literário e académico, o poeta sineense Alberto Raposo Pidwell Tavares, mormente conhecido pelo seu nome golpeado de Al Berto, acaba sempre descrito como um boémio cuja linguagem desagua sempre no corpo e na sexualidade. Ora, acolher tais raciocínios é permitir a formação de um pressuposto mental que nos impactará aquando da leitura da sua obra. Em rigor, a sua escrita é um rasgo de modernidade.

Texto de Pedro Lopes Adão, 

8 setembro, 2021   in Comunidade Cultura e Arte

15 setembro, 2021

𝑩𝒓𝒊𝒕𝒕-𝑴𝒂𝒓𝒊𝒆 𝑬𝒔𝒕𝒆𝒗𝒆 𝑨𝒒𝒖𝒊, de Fredrik Backman

 


Autor: Fredrik Backman
Título: Britt-Marie Esteve Aqui
N.º de páginas: 300
Editora: Porto Editora
Edição: Novembro 2019
Classificação: Romance
N.º de Registo: (Emp.)


OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐


Devo confessar que no início estranhei a personagem, “chatarrona”, maníaca, inconveniente e “incompetente a nível social”, mas à medida que a história avança e que Britt-Marie se envolve no ambiente muito peculiar da localidade de Borg e se afeiçoa ao seu novo emprego e às personagens com quem lida diariamente, comecei também eu a modificar a minha opinião.

O “Primeiro estranha-se e depois entranha-se” aplica-se perfeitamente a este livro. Aos 63 anos, a vida de Britt-Marie sofre uma reviravolta estonteante e muito interessante. A dona de casa maníaca da limpeza, com comportamentos obsessivos vai transformar-se totalmente…. E o final é completamente inesperado, direi mesmo, fantástico!

O que torna este livro verdadeiramente fantástico e cativante é a forma como o autor nos narra a história baseando-se sempre nos pensamentos e nos comportamentos da protagonista. Carregado de humor, que por vezes atinge o absurdo, o nonsense, mostra-nos as dificuldades da vida, os obstáculos a vencer, a construção de valores, a transformação de caracteres, a descoberta de si próprio, …
A partir de situações divertidas porque caricaturais, o autor numa escrita simples, sentimental e muito cinematográfica transforma a história de vida de Britt-Marie numa crítica social muito pertinente.

Gostei. É um livro que nos faz sentir melhor. Que nos diverte.

12 setembro, 2021

𝑻𝒐𝒓𝒕𝒐 𝑨𝒓𝒂𝒅𝒐, de Itamar Vieira Junior

 


Autor: Itamar Vieira Junior
Título: Torto Arado
N.º de páginas: 279
Editora: Leya
Edição: Fevereiro 2019
Classificação: Romance
N.º de Registo: (3208)

OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐⭐

A trama deste belíssimo romance situa-se no sertão baiano. Nele se evocam a discriminação racial, as relações de servidão, a luta pela terra, mas também crenças, feitiços e rituais. Numa narrativa a várias vozes, acompanhamos as vidas de Belonísia e Bibiana, duas irmãs fortemente ligadas devido a um incidente que ocorreu na infância.

São histórias de sofrimento, de constante luta, de violência às quais o leitor não fica de modo algum indiferente, mas a dureza da vida nas roças, o trabalho de sol a sol sem salário, as condições de habitação, a falta de alimentos, as situações de violência, a luta pela sobrevivência são narradas de forma sensível e subtil, mitigando assim a dureza e a crueldade presentes ao longo do enredo.
“Fui tomada por uma profunda tristeza ao ver aquelas duas vidas, desamparadas diante do que lhes haviam feito. Vi tanta crueldade ao longo do tempo, e mesmo calejada me comovo ao ver os homens derramando sangue para destruir sonhos. Vi senhores enforcarem seus escravos como castigo. Cortarem suas mãos no garimpo por roubarem um diamante. Acudi uma mulher que incendiou seu próprio corpo por não querer ser mais cativa de seu senhor. ( ….) “ (p. 220)
Como sabemos, ao longo dos tempos, e sobretudo durante a escravatura, a mulher foi (e ainda é, infelizmente) o elemento fraco, violentado, abusado e maltratado. Contudo neste romance, apesar de focar essas facetas, o autor com muita sensibilidade atribui às mulheres um papel importante, de destaque. A figura feminina é forte e lutadora, conhecedora da terra e esperançosa numa vida melhor para os seus filhos, crente na sabedoria dos mais velhos e na religião do seu povo, o Jaré.
“(…) Seu nome era coragem. Era da linhagem de Donana, a mulher que pariu no canavial, que ergueu casa e roça com a força do seu corpo. A mulher que sentiu as dores do parto e deitou em silêncio, mordendo os lábios para parir mais um filho. (…) Era filha da gente forte que atravessou um oceano, que foi separada de sua terra, que deixou para trás sonhos e forjou no desterro uma vida nova e iluminada. Gente que atravessou tudo suportando a crueldade que lhes foi imposta.” (p.278)

Romance perturbador, impactante que com pinceladas de algum realismo mágico nos remete para as grandes obras de Jorge Amado e mesmo de Gabriel Garcia Márquez.




06 setembro, 2021

𝑨 𝑪𝒊𝒅𝒂𝒅𝒆 𝒅𝒂𝒔 𝑭𝒍𝒐𝒓𝒆𝒔, de Augusto Abelaira

 



Autor: Augusto Abelaira
Título: A Cidade das Flores
N.º de páginas: 246
Editora: Unibolso
Edição: 1959
Classificação: Romance
N.º de Registo: (34)

OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐


Romance publicado em 1959 (o primeiro do autor) situa-se na Itália (Florença) de Mussolini, anos 30. Ao focar-se no regime fascista italiano, o que o autor pretende é denunciar a situação portuguesa e, assim, “sugerir uma certa imagem de Portugal, o Portugal fascista dos anos 50”. Desta forma, colocando a acção noutro país, o autor logra a política de censura salazarista.
A narrativa dividida em duas partes, aborda o comportamento dos jovens perante o regime opressor no antes e durante a segunda guerra mundial.
É interessante constatar como funcionou muito bem a transposição da situação portuguesa para o meio político, social e cultural italiano. As preocupações, os desejos, os comportamentos retratados evidenciam claramente o que se passava em Portugal. (É estranho que a censura não tivesse percebido, ou foi-lhe útil ser hipócrita como o autor refere no posfácio?).

“É assim, como poderemos viver felizes sob este regime? Ele mata-nos o espírito e até nos faz descrer das nossas próprias qualidades: pois não é certo que somos incapazes dum gesto heróico e de acabar com ele duma vez para sempre? Não. Estamos roídos pelo medo, pela nossa própria cobardia.” (p. 234)
Atitudes, como a falta de empenho político, incapacidade de lutar, apatia perante o opressor, medo, ausência de fé, autocomiseração, descrença no futuro, conformismo, estão muito bem explanadas ao longo da narrativa e são representativas de uma juventude italiana, mas sobretudo portuguesa.
“ - Não crês no futuro. No fundo conformaste-te com o presente, embora ele te repugne. Desiste. Tornaste-te conformista.” (p. 178)

A Cidade das Flores continua a ser um romance intemporal e actual. De forma sublime e com alguma ironia, o autor descreve situações, constrói diálogos que ora corta ora intercala, que provocam no leitor imensas questões, imensas dúvidas sobre a existência humana, o relacionamento amoroso, a amizade, a (in)justiça, o pensamento crítico, o valor da arte na sociedade, a vida rotineira, a opressão e a guerra.

Recomendo! É importante manter viva a história de um país.


 



01 setembro, 2021

𝑶 𝑹𝒆𝒕𝒓𝒂𝒕𝒐 𝒅𝒆 𝑹𝒊𝒄𝒂𝒓𝒅𝒊𝒏𝒂, de Camilo Castelo Branco

 


Autor: Camilo Castelo Branco
Título: O Retrato de Ricardina
N.º de páginas: 176
Editora: Aletheia Editores
Edição: Julho 2016
Classificação: Romance
N.º de Registo: (3061)


OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐⭐


Mais uma novela camiliana em que o amor é o tema central. Amor proibido, casamentos arranjados pelos pais, rivalidades familiares, crimes, guerra civil entre absolutistas e liberais. Todos os ingredientes que Camilo Castelo Branco tão bem sabe gerir com laivos de ironia e crítica pessoal.
Estamos em pleno século XIX, numa sociedade hipócrita onde a mulher é discriminada e os seus desejos rejeitados. É a mulher que fica sempre mal vista, repudiada pela família e pela sociedade.
Logo no prefácio, o leitor é informado que “o enredo da novela estava, efectivamente, sobrecarregado de «casos incríveis», com encontros, desencontros e reencontros miraculosos.” E assim acontece. Esta novela sentimental assenta na relação amorosa entre Ricardina Pimentel e Bernardo Moniz. Relação contrariada e conturbada.

O que me agradou sobretudo nesta narrativa é o carácter de Ricardina que apesar do seu aspecto frágil e angelical, como é descrita, foge à norma da mulher passiva e submissa, sem liberdades e sem opinião, própria da época. Ricardina enfrenta as decisões do pai e luta corajosamente pelo seu amor, pelos seus ideais enfrentando todas as adversidades que lhe vão surgindo ao longo de vinte e poucos anos. A sua atitude de resistência à vontade paterna e de imposição dos seus próprios valores, mesmo que para isso, inicialmente, tenha de ir para um convento, torna-se numa atitude emancipatória da mulher.

Para concluir, nesta novela o bem sobrepôs-se ao mal. O amor venceu o ódio e a vingança. A fidelidade e a resignação venceram a angústia e o sofrimento. “ A liberdade veste de asas a paixão e dá trela à ave daninha até onde ela se libra.” (p. 140)

Para mim, é das melhores novelas do autor.