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15 agosto, 2023

O Sentido do Fim, De Julian Barnes

 


Autor: Julian Barnes
Título: O Sentido do Fim
Tradutora: Helena Cardoso
N.º de páginas: 152
Editora: Quetzal Editores
Edição (7.ª): Maio 2012
Classificação: Romance
N.º de Registo: (3383)


OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐⭐


Eram muitas as expectativas, pois foi-me recomendado por gente que aprecia bons livros. Não desiludiu. Pelo contrário, O Sentido do Fim deixou marcas e vontade de ler outros. Já tinha lido O Papagaio de Flaubert, também muito bom, mas este supera-o pelas reflexões que incute e no vazio que deixa no leitor.

O protagonista, Tony Webster, já aposentado, recebe uma missiva que, ao lê-la, vai desencadear um rememorar de todo o seu passado. O tempo da sua juventude com colegas, amigos e namoradas; o casamento, o divórcio,… É o balanço de toda uma vida e que no final não se revela nada positivo.

O teor da carta vai revelar-se surpreendente e enigmático. À medida que vai desvendando o mistério da carta e que não vou revelar, as memórias adensam-se e percebe que cometeu erros que já não consegue nem poderá emendar.
“Se já não posso ter a certeza dos factos reais, posso ao menos ser fiel às impressões que esses factos deixaram. É o melhor que consigo fazer.” (p. 12)
É na condução da apresentação das situações e da reflexão que cada uma espoleta no protagonista, que Julian Barnes, é exímio.

Escrito na primeira pessoa, e com recurso a uma analepse de mais de 40 anos, esta narrativa prende e inquieta o leitor desde o início. A escrita, sublime, sensível e profunda, que tão bem patenteia o estado de espírito e o pensamento do protagonista, vai impor-se ao leitor que a lê avidamente numa ânsia pela descoberta do final como para libertar o protagonista da agitação e da dúvida que o consomem.

Barnes dá-nos uma lição brutal sobre a importância do tempo que tece falhas na memória à medida que o homem envelhece. Na narrativa, ele desenvolve o tema da morte, foca-se nas circunstâncias e naquilo que ficou na memória do protagonista, para o (nos) levar a concluir que a “vida não é só adição e subtração. Também há acumulação, multiplicação da perda, do fracasso” (p. 108) e remorso.

Recomendo vivamente a leitura deste livro. Para convencer os ainda renitentes transcrevo um excerto, que considero sublime, e que sintetiza o entendimento de Barnes sobre a irreversibilidade do tempo ao longo da vida: “Vivemos no tempo – ele contém-nos e molda-nos – mas nunca senti que o compreendesse muito bem. E não me refiro a teorias sobre o modo como cede, recua e dá meia volta, ou poderá existir algures em versões paralelas. Não, falo do tempo comum, quotidiano, que os relógios de pulso e de parede nos garantem passar regularmente. Existe algo mais plausível do que um ponteiro de segundos? E todavia basta a menor dor ou prazer para nos ensinar a maleabilidade do tempo. Há emoções que o aceleram, há outras que o abrandam. Às vezes parece desaparecer – até ao ponto em que desaparece mesmo, para nunca mais voltar. (p. 12)

 


17 agosto, 2022

𝑶 𝑷𝒂𝒑𝒂𝒈𝒂𝒊𝒐 𝒅𝒆 𝑭𝒍𝒂𝒖𝒃𝒆𝒓𝒕, de Julian Barnes

 


Autor: Julian Barnes
Título: O Papagaio de Flaubert
Tradutora: Ana Maria Amador
N.º de páginas:244
Editora: Quetzal
Edição (2.ª): Novembro 2019
Classificação: Biografia Romanceada
N.º de Registo: (3217)


OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐⭐


Julian Barnes propõe-nos uma biografia (?) desconcertante, porque diferente, de Gustave Flaubert. Não há uma estrutura narrativa claramente definida, vamos percorrendo as páginas e vamo-nos deslumbrando com a facilidade (aparente) como o autor expõe a sua tese, a sua reflexão, a sua teoria, as suas críticas e como dialoga com o leitor e o envolve nas suas dúvidas e certezas.
 
É um livro extraordinário, deslumbrante porque nos oferece histórias aparentemente sem conexão, por vezes, incoerentes, umas verdadeiras outras falsas, entradas em dicionários e em diários íntimos, cronologias, listas, bestiários, apócrifos, citações, provas escritas. Questionamo-nos, constantemente, se é um romance, uma biografia, uma autobiografia, um ensaio, já que temos de tudo um pouco escrito com um enorme sentido de humor e muita ironia. Barnes joga com as ideias e com as palavras para seduzir o leitor e o envolver na sua narrativa.

Para nos falar do autor de Madame Bovary, mas também das coincidências/ironias da vida, de livros e de amor, Barnes cria um narrador - Geoffrey Braithwaite - inglês, médico, reformado, viúvo, de 60 anos que atravessa o canal da Mancha para ir até Ruão (Rouen), em França com o propósito de conhecer o verdadeiro (há duas versões) papagaio embalsamado (Lulu) que serviu de modelo a Flaubert aquando da escrita de um conto,“Un coeur simple” (1877).

O narrador apresenta-nos a sua vida para nela descobrirmos a de Flaubert. Subtilmente, o médico saltita da realidade à ficção, da sua própria vida à vida de Flaubert, do seu amor pela mulher Ellen, que morreu recentemente, ao amor de Flaubert por Louise Colet.
“Estou só a ganhar coragem para lhes [aos leitores] contar… o quê? Sobre quem? Dentro de mim lutam três histórias. Uma sobre Flaubert, uma sobre Ellen, outra sobre mim próprio.” (p. 108)

Assim, de capítulo em capítulo descobrimos alguns aspectos da vida de Flaubert, tais como as suas obras, viagens, amizades, amantes, familiares (mãe), sucessos e polémicas, medos e vaidades. Fica ainda claro que Flaubert é dado a fortes paixões, porém, sempre insatisfeito, torna-se incapaz de amar e de ser feliz, tal como Emma, a protagonista de Madame Bovary, a sua obra-prima.

E o papagaio? Não falarei dele… convido-vos a descobrir a narração de Geoffrey Braithwaite, que ora fala como médico, ora como biógrafo, ora como viúvo. Será, sem dúvida, para os amantes da literatura, uma leitura encantadora e sedutora.

Eu, descobri que Julian Barnes me fascinou e que quero ler mais livros dele; confirmei que Gustave Flaubert é um escritor talentoso e genial “ Flaubert é diferente. Acreditava no estilo mais do que ninguém. Trabalhava afincadamente pela beleza, pela sonoridade, pela exatidão; pela perfeição.” (p. 111).
Quando isto acontece, fico feliz e concluo que a leitura/a literatura cumpriu a sua função.