Neste espaço pretende-se divulgar actividades culturais/educativas/lúdicas ou simplesmente participar, partilhar opiniões, leituras, viajar...
22 setembro, 2024
Canção de Outono | Cecília Meireles
Perdoa-me, folha seca,
não posso cuidar de ti.
Vim para amar neste mundo,
e até do amor me perdi.
De que serviu tecer flores
pelas areias do chão,
se havia gente dormindo
sobre o próprio coração?
E não pude levantá-la!
Choro pelo que não fiz.
E pela minha fraqueza
é que sou triste e infeliz.
Perdoa-me, folha seca!
Meus olhos sem força estão
velando e rogando àqueles
que não se levantarão…
Tu és a folha de outono
voante pelo jardim.
Deixo-te a minha saudade
– a melhor parte de mim.
Certa de que tudo é vão.
Que tudo é menos que o vento,
menos que as folhas do chão…
13 fevereiro, 2024
Carnaval, de Cecília Meireles
Com os teus dedos feitos de tempo silencioso,
Modela a minha mascara, modela-a…
E veste-me essas roupas encantadas
Com que tu mesmo te escondes, ó oculto!
Põe nos meus lábios essa voz
Que só constrói perguntas,
E, à aparência com que me encobrires,
Dá um nome rápido, que se possa logo esquecer…
Eu irei pelas tuas ruas,
Cantando e dançando…
E lá, onde ninguém se reconhece,
Ninguém saberá quem sou,
À luz do teu Carnaval…
Modela a minha mascara!
Veste-me essas roupas!
Mas deixa na minha voz a eternidade
Dos teus dedos de silencioso tempo…
Mas deixa nas minhas roupas a saudade da tua forma…
E põe na minha dança o teu ritmo,
Para me conduzir…
19 outubro, 2023
Canção de Outono
Canção de Outono
Perdoa-me, folha seca,
não posso cuidar de ti.
Vim para amar neste mundo,
e até do amor me perdi.
De que serviu tecer flores
pelas areias do chão
se havia gente dormindo
sobre o próprio coração?
E não pude levantá-la!
Choro pelo que não fiz.
E pela minha fraqueza
é que sou triste e infeliz.
Perdoa-me, folha seca!
Meus olhos sem força estão
velando e rogando aqueles
que não se levantarão...
Tu és folha de outono
voante pelo jardim.
Deixo-te a minha saudade
- a melhor parte de mim.
E vou por este caminho,
certa de que tudo é vão.
Que tudo é menos que o vento,
menos que as folhas do chão...
Cecília Meireles
29 agosto, 2023
Despedida
Kai Samuels-Davis | The Hand
Despedida
Por mim, e por vós, e por mais aquilo
que está onde as outras coisas nunca estão,
deixo o mar bravo e o céu tranqüilo:
quero solidão.
Meu caminho é sem marcos nem paisagens.
E como o conheces? - me perguntarão.
- Por não ter palavras, por não ter imagens.
Nenhum inimigo e nenhum irmão.
Que procuras? - Tudo. Que desejas? - Nada.
Viajo sozinha com o meu coração.
Não ando perdida, mas desencontrada.
Levo o meu rumo na minha mão.
A memória voou da minha fronte.
Voou meu amor, minha imaginação...
Talvez eu morra antes do horizonte.
Memória, amor e o resto onde estarão?
Deixo aqui meu corpo, entre o sol e a terra.
(Beijo-te, corpo meu, todo desilusão!
Estandarte triste de uma estranha guerra...)
Quero solidão.
Cecília Meireles
28 agosto, 2023
Deslumbres!
Bazar
Panos flutuantes de todas as cores
às portas do vento, no umbral da tarde.
E olhos negros.
Jardins bordados: roupas, sandálias
como escrínios de seda para alfanjes.
E negros olhos.
Molhos de penas de pavão. Colares de nardo
a morrerem do próprio perfume
entre tufos de fios de ouro.
E os delicadíssimos dedos.
Pratos de doces verdes cor-de-rosa:
pistache, coco, amêndoa, gulab.
Lábios de veludo.
Caixas, bandejas, aguamanil, sineta,
e o mundo do bídri: noite de chumbo e lua.
E olhos negros. E negros olhos.
Pingentes, borlas, ébano e laca,
feltros vermelhos, pulseiras de mica,
filigranas de marfim e ar.
E os dedos delicadíssimos.
Cestos cheios de grãos. Frigideiras enormes.
Grandes colheres. Muita fumaça. Muitos pastéis.
Lábios de veludo.
Corolas de turbantes. Brinquedos. Tapetes.
O homem que cose à máquina, o que lê as Escrituras.
Olhos negros.
Portais encarnados, cor de mostarda, verdes.
Velhos ourives. Ai, Golconda!
E uma voz bordando músicas trêmulas.
Negros olhos.
Bigodes. Balanças. Barros, alumínios
Muitas bicicletas: porém o passo rítmico das mulheres majestosas.
Aromas de fruta, incenso, flor, óleo fervente.
Sedas voando, pelo céu.
E os nossos olhos. Os nossos ouvidos. Nossas mãos.
(objetos banais)
Cecília Meireles, Poemas Escritos na Índia
14 agosto, 2023
Naufrágio
e o navio em cima do mar;
- depois, abri o mar com as mãos,
para o meu sonho naufragar.
Minhas mãos ainda estão molhadas
do azul das ondas entreabertas,
e a cor que escorre de meus dedos
colore as areias desertas.
O vento vem vindo de longe,
a noite se curva de frio;
debaixo da água vai morrendo
meu sonho, dentro de um navio...
Chorarei quanto for preciso,
para fazer com que o mar cresça,
e o meu navio chegue ao fundo
e o meu sonho desapareça.
Depois, tudo estará perfeito;
praia lisa, águas ordenadas,
meus olhos secos como pedras
e as minhas duas mãos quebradas.