02 janeiro, 2022

𝑫𝒂 𝑴𝒆𝒊𝒂-𝑵𝒐𝒊𝒕𝒆 à𝒔 𝑺𝒆𝒊𝒔, de Patrícia Reis

 


Autora: Patrícia Reis
Título: da meia-noite às seis
N.º de páginas: 183
Editora: D. Quixote
Edição: Janeiro 2021
Classificação: Romance
N.º de Registo: (3278)


OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐⭐


Este último livro de Patrícia Reis tem como pano de fundo a pandemia que vivemos. É, por isso, um livro na ordem do dia.
É o primeiro livro que leio sobre este tema, e escolhi-o porque sei que a autora não trataria o assunto de forma lamechas, mas sim de forma directa, envolvente e que nos fará reflectir. Não me enganei, a autora aborda a perda, o recomeço, os efeitos da pandemia, mas também versa sobre homofobia, racismo, conservadorismo, jornalismo, fake news, política e redes sociais.
“Qualquer pessoa nas redes sociais era jornalista, dizendo coisas, atiçando os espíritos, destilando fel, muito fel. A Rui Vieira faltava-lhe a capacidade para compreender como a ética deixara de ser fundamental.” (p. 117) “ Ele sabia estar a viver um tempo em que a verdade era essa: valia tudo:” (p. 116)
A protagonista, Susana Ribeiro de Andrade, perde o marido, em plena pandemia e vê-se completamente desamparada, confinada, obrigada a cumprir normas e, assim, a fazer o seu luto em casa, sozinha. Nesse período, ela é transportada para “um elevador de memórias” e dá-nos a conhecer a sua vida e sobretudo os seis anos de casamento com António Ribeiro de Andrade. São tempos angustiantes e de dor, mas também de referências culturais.
“ E estes pensamentos iam surgindo, assim como fios desatinados num novelo que já não se mantinha inteiro, a esfarelar-se no chão que era o que restava do coração dela. Restava-lhe isso, uma certa memória que lhe devolvia o marido através da música, da arte, dos livros.” 
(p. 74)

Forçada a retornar ao seu emprego como locutora numa estação de radio, acaba por aceitar o horário da meia-noite às seis, pensando que é a melhor maneira para não enfrentar a noite, em casa. De início, é apenas a voz das notícias, à hora certa, escritas pelo jornalista Rui Vieira, também, ele, vítima de um acidente no qual perdeu a voz. A cumplicidade que se estabelece na relação de trabalho acaba por ser a sua salvação. Ambos, um pela escrita, outra pela voz vão recriar o programa da noite e reinventar a solidão dos ouvintes e sobretudo a deles.
Com uma escrita muito característica de Patrícia Reis, as palavras fluem e o leitor ávido vai atrás do enredo e acompanha cada personagem nas suas angústias, nas suas fragilidades, nas suas resoluções e nas conversas tidas via email com Rui Vieira e via Whatsapp com os ouvintes do programa. Dois meios, que representam bem a forma como a pandemia nos apartou das relações presenciais e nos coagiu às tecnologias. Patrícia Reis toca na ferida, mostra o quão urgente é alterarmos a forma de viver no que toca às relações humanas, de repensarmos a vida.
É um livro sobre pessoas, sobre a solidão e a perda, mas sobretudo sobre a recuperação da identidade, sobre esperança e amizade, de redenção graças ao poder de uma voz que na noite, na solidão, vence barreiras e encontra apoio e ânimo ao pedir que lhe contem histórias felizes. Só isso!



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