Mostrar mensagens com a etiqueta Ana Zorrinho. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Ana Zorrinho. Mostrar todas as mensagens

10 março, 2024

Apresentação do livro Súbito, de Ana Zorrinho

                                                                            Foto de Paulo Pereira

Cumprimento todos os presentes.

Quero agradecer o convite formulado pela Ana Zorrinho para estar ao seu lado nesta iniciativa de partilhar palavras poéticas.

Quero congratular a Liliana Rodrigues e os elementos da sua equipa por nos proporcionarem este momento e este espaço maravilhoso. É tão bom falar de poesia num ambiente de fotografias de mulheres com livros.

É um prazer enorme assinalar o Dia Internacional da Mulher partilhando convosco as palavras escritas e ditas pela Ana Zorrinho. Ela sabe que é verdade.


Este dia, 8 de março  de 2024, é duplamente importante porque celebramos os 50 anos do dia “em que emergimos da noite e do silêncio” como o imortalizou Sophia de Mello Breyner no seu poema 25 de Abril 

      Esta é a madrugada que eu esperava
     O dia inicial inteiro e limpo
     Onde emergimos da noite e do silêncio
     E livres habitamos a substância do tempo


e porque estamos a dois dias de exercer um acto cívico e democrático (direito conquistado pelas mulheres).

 Acabámos de ouvir publicamente uma jovem, a Catarina, a tocar violino e uma mulher a ler a poesia que escreveu. 
Em 1943, no boletim mensal da Mocidade Portuguesa Feminina, publicava-se o seguinte texto (apud A Boneca Despida, Paulo M. Morais)

"Queridas raparigas! Sede boas, sensatas, alegres, dedicadas, esquecidas de vós mesmas e sereis mulheres superiores, sem pretender rivalizar em tolas superioridades com os homens, o que nada vos engrandece, antes diminui! Cada um deve ocupar o seu lugar - aquele que a Providência lhe marcou. E o vosso, como rainhas do lar, é o mais belo."

Este estatuto de "fada do lar" prolongou-se até 1974. A Ana Zorrinho nasceu em 1978. Já a madrugada era inteira e limpa. Este facto permitiu-lhe crescer em liberdade, frequentar a escola, ler, escrever, pensar, sorrir, sonhar e entender o mundo “como poder ser o lar que a palavra espera” como o escreveu e acabou de ler no prefácio de Súbito.

No seu primeiro livro Histórias de um tempo só, a Ana, sem o ter vivido, oferece-nos histórias desse tempo, sombrio, histórias de vida tecida, de momentos, de memórias. Micro histórias de gente trabalhadora, sofrida, enrugada, cansada, resignada. Dez textos de um tempo “frio, cortante”, ventoso, escuro, silencioso, sem palavras. Um tempo indiferente à dor, à violência, à solidão, à velhice, à morte…

(Leitura do texto "Maria". p. 13, por Sónia)

Quando em Julho na Festa do livro me vi com Súbito na mão, observei-o atentamente, (gostei da apresentação) folheei-o, li na diagonal alguns poemas, tentei perceber a razão do título e na contracapa procurei alguma informação extra, uma sinopse. Deparei-me com algo pouco comum: o significado da palavra Súbito. Fiquei a matutar…. E pensei: É natural, a Ana é assim mesmo, gosta de surpreender o leitor. Gosta de o conduzir na descoberta de sentidos, de emoções, convoca-o a participar ativamente, não lhe facilita a vida porque nem tudo é dito. O mais importante fica mesmo nas entrelinhas.

Era necessário, obviamente, ler os poemas.

Voltei ao início e li o primeiro poema “palavras” (p. 9). Este sugere, desde logo, uma leitura expressiva, sentida, impetuosa (súbita), silenciosa, … fui até ao fim do livro e descobri “palavra nascente” que nos remete para a importância do nascer, como um recomeço.
 
Leitura do poema (p. 73- Ana)

Na leitura e releitura dos restantes poemas deixei-me conduzir pelas palavras, pela escrita visual, sensível e sensual.

(Leitura do poema “lugar” p.11, por José)

Descobri um ritmo variável, vagaroso, torrencial, deslizante, reflexivo, súbito…. Gosto desta volubilidade.

 (leitura do poema “último poema” p. 67, por Paulo)

Este “último poema” sugere o fim da vida, mas é apenas o fim que conduzirá forçosamente ao recomeço. Esta circularidade da vida expressa nas Palavras contidas nos títulos e nos poemas, como já referi, torna-se mais consistente se tivermos em conta a existência de um fio condutor que é o Tempo. O Tempo surge na espera, na solidão, na brevidade da vida, na morte, na ausência, na verdade, na suspensão (“Oh ampulheta/Inclina-te um pouco/Suspende o cair do grão” (p. 45), na saudade, no mergulho, na esperança, no silêncio, no prazer, na cadência, no vazio da escrita pasmado em "vértice" (p. 51)
          
                            No extremo do vértice
                            Vejo plenamente o vazio a 360 graus
                            Flicto-me para o salto
                            Sobre o limite
                            da linha
                            Mergulho no nada
                            Desta página em branco
                            Afogo-me 
                            Nas palavras inexistentes


O drama do escritor perante a página em branco e nas palavras inexistentes, transborda para mim, leitora, em magia, deslumbramento. Não me canso de o ler. De os ler, todos.
Para concluir posso afirmar que a subjetividade presente na escrita da Ana exige do leitor uma participação efetiva, oferecendo-lhe múltiplas leituras. Súbito cumpre, deste modo, o propósito da poesia.

8 de Março de 2024 | 21h30 | Centro de Exposições
Centro de Artes de Sines

Graciosa Reis





24 julho, 2023

𝑺ú𝒃𝒊𝒕𝒐, de Ana Zorrinho

 


Autora: Ana Zorrinho
Título: Súbito
N.º de páginas:79
Editora: ORO - Caleidoscópio
Edição: Dezembro 2022
Classificação: Poesia
N.º de Registo: (3475 )




OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐



Em Súbito, o poema “palavras”, o primeiro de muitos, sugere, desde logo, uma leitura expressiva, sentida, impetuosa (súbita), por vezes, silenciosa. A ”palavra” é recorrente nos poemas, atribuindo assim uma certa unidade, diria mesmo uma circularidade ao livro já que este termina com o poema “palavra nascente”, que nos remete para a importância do nascer (“No dia em que nasceu”) como um recomeço.

Quando escrevi sobre o primeiro livro da Ana Zorrinho, Histórias de um Tempo Só, referi o seguinte: ”Descobri uma escrita poética, marcante e extremamente sensível. Nem tudo é dito. Muito deve ser entendido nas entrelinhas, na força das palavras, no ritmo dos versos, nas frases curtas, compassadas que marcam o tempo que passa (…)”. Hoje, após a leitura deste belíssimo livro (belo em todos os aspectos), mantenho a minha opinião e acrescento que há um maior amadurecimento poético, a subjectividade colocada na escrita é mais vincada e por conseguinte a participação do leitor torna-se mais premente.

Como leitora atenta e amante de textos belos, de poesia deixei-me conduzir pelas “palavras” da Ana, pela sua escrita ritmada, visual e muito sensorial.
O ritmo é variável, adequado ao estado de alma do leitor… vagaroso, torrencial, “deslizante”, reflexivo, “súbito”… gosto desta volubilidade.

Os temas são, ilusoriamente, diversos, (solidão, morte, mar, amor, mulher, ausência,…), contudo, na minha opinião, a existência de um fio condutor - o TEMPO liga-os e torna-os uno (a tal unidade que já referi). Se atentarmos aos títulos dos poemas, podemos constatar isso mesmo. O Tempo surge na espera, na solidão, na brevidade da vida, na morte, na ausência, na verdade, na suspensão (“Oh ampulheta/Inclina-te um pouco/Suspende o cair do grão”), na saudade, no mergulho, na esperança, no silêncio, no prazer, na cadência, no vazio da escrita:

“No extremo do vértice
Vejo plenamente o vazio a 360 graus
Flicto-me para o salto
Sobre o limite
da linha
Mergulho no nada
Desta página em branco
Afogo-me
Nas palavras inexistentes.”

O drama, aqui presente, do escritor perante a página em branco e nas palavras inexistentes, transborda para mim, leitora, em magia, deslumbramento. Não me canso de o ler. De os ler, todos.

Para terminar, ofereço-vos uns versos do poema “antes de depois”. É um convite à leitura e à descoberta da beleza e da sensualidade presentes no sapato que “ficou encostado à mesa de cabeceira/Erguido/Cristalizado/(…)Contemplo-o/o momento que foi/E assim permaneceu/como se eu ainda estivesse dentro dele. (…)”.

Intuem a tal subjectividade presente na escrita e que exige do leitor uma participação efectiva?

Recomendo a leitura deste e dos outros livros da Ana Zorrinho. É na simplicidade das palavras que por vezes descobrimos caminhos que nos emocionam e nos fazem sorrir.


01 abril, 2023

𝑳á, de Ana Zorrinho e Raquel Ventura

 


Autora: Ana Zorrinho
Ilustradora: Raquel Ventura
Título: Lá
N.º de páginas: 56
Editora: Caleidoscópio
Edição: Janeiro 2021
Classificação: Infantil/Juvenil
N.º de Registo: (3403)



OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐⭐



O que é o ? Perguntaram ELES, os alunos…

Assim, à primeira vista e, objectivamente, é o título de um livro de capa dura e branca ilustrada com um menino, um sol (ou será uma lua?), uma mão… Esperem, olhando atentamente, parece mais um fio que traça, enlaça, une as ilustrações, que se desenovela até à contracapa e que entra pelas folhas adentro…

O melhor é mesmo seguir o fio… descobrir a história nas palavras suave e expressivamente lidas pela sua autora, Ana Zorrinho, e nas ilustrações apresentadas também pela sua autora, Raquel Ventura.
Que privilégio! Termos as duas presentes para nos maravilharem com a sua, DELAS, construção do !

AQUELES, os alunos, que sentiram as palavras, que se embrenharam no novelo do fio, que construíram a sua história, entenderam, imaginaram o como sendo ponto seguro, abrigo, confiança, amor, sonho, desejo, céu, mãe, pai, avó, avô, amigo, amiga, eu, tu, ele, ela, eu interior, isto é, descoberta de si…

OUTROS, os alunos, que teimosamente se mantiveram alheados ao fio… das palavras lidas, das páginas folheadas, das cores, dos traços… permaneceram na dúvida do ! Advérbio? Nota musical? Outra coisa? O quê?...

Concluo como iniciei, afinal o que é o ? é mesmo o título pequeníssimo (duas palavras, apenas), de uma obra maravilhosa, sensível com uma mensagem poderosa, muito pessoal (cada um retirará a SUA) e que VOS convido a descobrir. Mas imponho, repito, imponho uma condição: quando pegarem nesta obra de arte (que o é), peguem nela com paixão, sintam as palavras, enleiam-nas nos traços, no fio e sonhem, deixem-se embalar... descubram o VOSSO !


29 março, 2023

Momento emocionante.



Hoje, fui surpreendida pela soberba leitura de dois poemas. Ana Zorrinho tem o condão de me  emocionar. Sabe dizer poesia! Sabe transmitir e partilhar emoções! É maravilhoso! 
Sou-lhe imensamente grata por estes momentos. 

|este foi um deles| 


Calçada de Carriche 

Luísa sobe, sobe a calçada,
sobe e não pode que vai cansada.

Sobe, Luísa, Luísa, sobe,
sobe que sobe sobe a calçada.

Saiu de casa
de madrugada;
regressa a casa
é já noite fechada.
Na mão grosseira,
de pele queimada,
leva a lancheira
desengonçada.

Anda, Luísa, Luísa, sobe,
sobe que sobe, sobe a calçada.

Luísa é nova,
desenxovalhada,
tem perna gorda,
bem torneada.
Ferve-lhe o sangue
de afogueada;
saltam-lhe os peitos
na caminhada.

Anda, Luísa. Luísa, sobe,
sobe que sobe, sobe a calçada.

Passam magalas,
rapaziada,
palpam-lhe as coxas
não dá por nada.

Anda, Luísa, Luísa, sobe,
sobe que sobe, sobe a calçada.

Chegou a casa
não disse nada.
Pegou na filha,
deu-lhe a mamada;
bebeu a sopa
numa golada;
lavou a loiça,
varreu a escada;
deu jeito à casa
desarranjada;
coseu a roupa
já remendada;
despiu-se à pressa,
desinteressada;
caiu na cama
de uma assentada;
chegou o homem,
viu-a deitada;
serviu-se dela,
não deu por nada.

Anda, Luísa. Luísa, sobe,
sobe que sobe, sobe a calçada.

Na manhã débil,
sem alvorada,
salta da cama,
desembestada;
puxa da filha,
dá-lhe a mamada;
veste-se à pressa,
desengonçada;
anda, ciranda,
desaustinada;
range o soalho
a cada passada,
salta para a rua,
corre açodada,
galga o passeio,
desce o passeio,
desce a calçada,
chega à oficina
à hora marcada,
puxa que puxa, larga que larga,[x 4]
toca a sineta
na hora aprazada,
corre à cantina,
volta à toada,
puxa que puxa, larga que larga,[x 4]

Regressa a casa
é já noite fechada.
Luísa arqueja
pela calçada.

Anda, Luísa, Luísa, sobe,
sobe que sobe, sobe a calçada, [x 3]

Anda, Luísa, Luísa, sobe,
sobe que sobe, sobe a calçada.

António Gedeão


07 outubro, 2022

𝑯𝒊𝒔𝒕ó𝒓𝒊𝒂𝒔 𝒅𝒆 𝑼𝒎 𝑻𝒆𝒎𝒑𝒐 𝑺ó, de Ana Zorrinho

 



Autora: Ana Zorrinho
Ilustradora: Raquel Ventura
Título: Histórias de Um Tempo Só
N.º de páginas: 53
Editora: ORO - Caleidoscópio
Edição: 2019
Classificação: Contos
N.º de Registo: (3397 )



OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐


Histórias de um Tempo Só são histórias de vida tecida, de momentos, de memórias. Micro histórias de gente trabalhadora, sofrida, enrugada, cansada, resignada. Dez histórias de gente “perdida na solidão, nos tempos que viveram…”; de gente vestida de negro, vincada pelas rugas; de gente à espera da morte; de gente só, triste, arquitecta de um “mundo que inventa”, de devaneios, de saudades.
Dez textos de um tempo “frio, cortante”, ventoso, escuro, silencioso, sem palavras. Um tempo indiferente à dor, à violência, à solidão, à velhice, à morte…

Assim que abri o livro no primeiro texto – Maria - e li a primeira frase “O Largo já não é o mesmo.”, senti, de imediato, que ia gostar. O universo realista de Manuel da Fonseca (“Antigamente, o Largo era o centro do mundo.”) assaltou-me à mente e fez-me sorrir. E foi com este espírito que parti à descoberta da escrita da Ana Zorrinho, também ela de Cerromaior.

Descobri uma escrita poética, marcante e extremamente sensível. Nem tudo é dito. Muito deve ser entendido nas entrelinhas, na força das palavras, no ritmo dos versos, nas frases curtas, compassadas que marcam o tempo que passa, que vincam as rugas, que engelham as mãos.
A escrita da Ana é muito visual, por vezes até, muito fotográfica. O real e o imaginado mesclam-se tão harmoniosamente que o leitor não os destrinça.

Mas não é tudo! Falta-me aludir às ilustrações da Raquel Ventura que enriquecem e complementam estas histórias. Com um traço vincado, a preto e branco, também elas põem a nu a dureza da vida, também elas tecem as marcas do tempo.