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28 junho, 2025

𝑩𝒊𝒐𝒈𝒓𝒂𝒇𝒊𝒂 𝒅𝒐 𝑳í𝒏𝒈𝒖𝒂, de Mário Lúcio Sousa

 

Autor: Mário Lúcio Sousa
Título: Biografia do Língua
N.º de páginas: 340
Editora: D. Quixote
Edição: Outubro 2015
Classificação: Romance
N.º de Registo: (3626)


OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐


Com este livro, Mário Lúcio Sousa criou uma deliciosa utopia “em que a história fosse sobretudo a magnífica missão de contar histórias.” (p.12)
Este objectivo do autor foi totalmente alcançado, já que o fio condutor da narrativa é um condenado à morte que, para atrasar o fatídico momento da sua execução, pede, como ultimo desejo, para contar a história de Esteban Montejo, um escravo chamado Língua, que revela a habilidade incomum de falar aos sete meses de idade e a capacidade de traduzir as falas dos colonizadores aos povos africanos.
“Aos sete meses de idade, o preto abriu a boca e, quando toda a gente pensou que ele ia cuspir o leite, disse: Tenho uma língua. (…) Mando que me escrevam, pois, a biografia desse Língua. Palavra de rei, leia-se lei, portanto cumpra-se. Assim, em cumprimento da ordem real, a partir daquele momento, o menino, preto ao nascer, passou a chamar-se oficialmente Língua, mas nas circunstâncias de então, Língua era mais profissão do que apelido.” (pp. 22 e 23)

O condenado narrador, sabiamente, entrelaça a história de vida do Língua com histórias de outras pessoas, com momentos históricos de Cabo Verde e de África e com o surgimento de uma nova cidade, Falésia, vai construindo um mosaico de experiências que revelam e formam a complexidade da identidade e da memória de todo um povo.

Para tal, recorre a estratégias que nos transportam para as 1001 Noites de Xerazade. Sem pausas na sua narrativa, provoca a curiosidade do povo que se vai aproximando e instalando no local. Num jogo de palavra passa-palavra, a comunidade vai crescendo, a cidade vai-se construindo. Falésia constitui-se e os falesianos instituem o silêncio como condição de habitabilidade para, assim, poderem acompanhar a narração.
“Cento e noventa anos a contar histórias. Será mesmo esse o tempo que passou? Como haveremos de saber se aqui medimos tudo pelo tempo da história? Dormimos e acordamos sem mais pretensão do que ouvir narrar. Acontece que agora Falésia já introduziu um novo conceito de território e de propriedade no mundo e no tempo.” (p. 251)

E, assim, maravilhado pelas palavras e pela construção da narrativa, numa atmosfera de realismo mágico, tão característico do autor, o leitor deixa-se conduzir deleitosamente ao longo das páginas. Mais do que um romance sobre um escravo com atributos invulgares e prodigiosos, estamos perante algo delicioso sobre a arte de narrar estórias e, sobretudo, sobre o poder que estas acarretam para criar um mundo melhor.

Apesar do seu cariz utópico, este romance impele o leitor a reflectir sobre aspectos importantes como o colonialismo, a abolição da escravatura, a independência, o capitalismo, o comunismo, a liberdade, a educação, o amor e a morte.

Se ainda não leram este autor, fica a recomendação.



05 junho, 2024

𝑶 𝑳𝒊𝒗𝒓𝒐 𝑸𝒖𝒆 𝑴𝒆 𝑬𝒔𝒄𝒓𝒆𝒗𝒆𝒖, de Mário Lúcio Sousa

 

Autor: Mário Lúcio Sousa
Título: O Livro que me Escreveu
N.º de páginas: 182
Editora: D. Quixote
Edição: Abril 2024
Classificação: Novela
N.º de Registo: (3560)




OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐


Consta na sinopse que “O Livro Que Me Escreveu é uma novela genial, um elogio maravilhoso à solidariedade e à leitura, essenciais na formação do ser humano.”
Depois desta afirmação, com a qual concordo plenamente, pouco saberei acrescentar para vos recomendar a leitura deste livro encantador.
O livro transporta magia, transpira paixão pelos livros, acrescenta poesia às palavras, às frases.

De forma divertida acompanhamos o desaparecimento misterioso do manuscrito e as peripécias resultantes na procura alucinante do livro que demorou trinta anos a ser escrito. Todo o leitor amante de bons livros, não ficará imune a esta narrativa, e a título de exemplo, partilho este excerto do primeiro capítulo:
“A única motivação da minha vida era escrever, cutucar palavras; e, com sua força invencível, a palavra, curiosamente amante, brotou a nadar como vacuidade no nada ainda nada, placentou, por assim dizer, apareceu e tiniu de vez o meu palpite de que estava a escrever o livro da minha vida.”

Com uma escrita sensível e emocionante, o autor constrói a sua narrativa em torno da paixão pela escrita, da solidariedade humana, do impacto da leitura na formação do indivíduo. “ A Humanidade só se salva pelo acesso ao livro”. (p. 173)

Foi um prazer enorme saborear as palavras cutucadas; intensificar a descoberta, sempre presente, do encantamento da leitura; renovar a capacidade de fantasiar, de sonhar, de viajar e concluir, ou melhor, exaltar a convicção de que vale a pena ler, partilhar leituras e livros e “eternizar-me num livro”.