30 abril, 2021

𝑴𝒖𝒍𝒉𝒆𝒓 𝒆𝒎 𝑩𝒓𝒂𝒏𝒄𝒐, de Rodrigo Guedes de Carvalho

 

Autor: Rodrigo Guedes de Carvalho
Título: Mulher em Branco
N.º de páginas: 295
Editora: D. Quixote
Edição: 1.ª- Março 2006
Classificação: Romance
N.º de Registo: (empréstimo)

OPINIÃO ⭐⭐


Há muito que andava para ler um livro do RGC, e ao comentar isto com uma amiga, emprestou-me este que tinha em casa. Como não gosto de ter livros emprestados durante muito tempo e porque este já o tinha há alguns meses, decidi que era o momento de pegar nele. 
Após a leitura de várias páginas, senti-me incomodada porque não estava a atinar com a técnica narrativa. Dei mais uma oportunidade e li mais umas tantas páginas porque a temática era interessante e a história tinha todos os ingredientes para ser atractiva. Esforço em vão, não consigo mesmo gostar da maneira como a história está a ser narrada, por vezes, nem sequer entendo quem esta a narrar. 
Confesso que ando muito cansada e que talvez não seja o momento oportuno para esta leitura. Não tenho por hábito deixar um livro a meio, acho sempre que o autor merece que se faça o esforço de o ler até ao fim, mas desta vez não vou insistir. 
Fica, contudo, a promessa de dar uma nova oportunidade ao autor, mas com outro livro.

29 abril, 2021

𝑶 𝑰𝒏𝒇𝒊𝒏𝒊𝒕𝒐 𝒏𝒖𝒎 𝑱𝒖𝒏𝒄𝒐, de Irene Vallejo



Autor: Irene Vallejo
Título: O Infinito num Junco
N.º de páginas: 406
Editora: Bertrand Editora
Edição: 1.ª- Outubro 2020
Classificação: Não-ficção
N.º de Registo: 3273



OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐⭐


O Infinito num Junco justifica plenamente o subtítulo “A invenção do livro na Antiguidade e o nascer da sede da leitura”. É um livro fabuloso sobre a história do livro que não pode passar ao lado dos amantes deste objecto estranho que não precisa de um botão para abrir. Irene Vallejo doutorada em Estudos Clássicos conta-nos de forma minuciosa e apaixonada o seu interesse pelo livro e a sua sede de leitura. “Quando um relato me invade, quando a sua chuva de palavras penetra em mim, quando compreendo de forma quase dolorosa o que conta, quando tenho a segurança – íntima, solitária - de que o seu autor mudou a minha vida, volto a acreditar que eu, especialmente eu, sou a leitora de quem esse livro andava à procura. “ (p-109)
A leitura deste livro, foi uma viagem maravilhosa que teve início na Grécia com o surgimento do alfabeto e da escrita nos seus diversos suportes (fumo, tabuinhas, papiro, pergaminho, pele, papel e digital), na criação de bibliotecas pessoais e públicas, de livrarias e de escolas. É uma história gigantesca de conquistas, de perdas, de destruição, de materiais e técnicas, de reis conquistadores, de saqueadores, de poetas, de filósofos, de sábios, de colecionadores de livros, de bibliotecários, de escravos, de escribas, de copistas, de livreiros, de monges e freiras, de leitores e de mulheres fabulosas que ousaram estudar, aprender a ler e a escrever contrariando a civilização que tinha a ideia “tatuada na sua mente: a palavra pública pertencia apenas aos homens” (p.165)

Estamos em constante diálogo com os livros, viajamos no tempo e no espaço, vivemos nas memórias do passado e no presente, aprendemos imenso sobre as lutas e as conquistas gregas e romanas, acompanhamos algumas experiências pessoais da autora e aumentamos a nossa lista de livros a ler e de filmes a ver graças à quantidade de referências não só do passado mas também actuais.

Se considerarmos como Irene Vallejo que “A paixão do colecionador de livros é parecida com a do viajante. Toda a biblioteca é uma viagem; todo o livro é um passaporte sem data de caducidade.” e que “A leitura, como uma bússola, abria-lhe os caminhos do desconhecido” (p. 38), então este é um livro de leitura obrigatória.


24 abril, 2021

𝑶 𝒗í𝒄𝒊𝒐 𝒅𝒐𝒔 𝒍𝒊𝒗𝒓𝒐𝒔, de Afonso Cruz



Autor: Afonso Cruz
Título: O vício dos livros
N.º de páginas: 118
Editora: Companhia das Letras
Edição: 1.ª- Abril 2021
Classificação: Reflexões
N.º de Registo: 3281


OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐


Para assinalar o Dia Mundial do Livro, li este belíssimo livro escrito e ilustrado por Afonso Cruz. Como se trata de um livro pequeno e de breve leitura, decidi Interromper a minha leitura actual  O Infinito num Junco, de Irene Vallejo, (livro fabuloso que apaixona qualquer viciado em livros, mas de leitura bem mais lenta quer pela dimensão quer pela informação) e assim comemorar o Dia em pleno.
𝑶 𝒗í𝒄𝒊𝒐 𝒅𝒐𝒔 𝒍𝒊𝒗𝒓𝒐𝒔 reúne histórias, relatos, poemas, memórias pessoais e reflexões sobre leitores, críticos e obviamente sobre o poder dos livros.

Lego-vos o pequeno texto “Princípio de anti-Fermat” que achei delicioso (p. 45)
Quando era adolescente, ia para a escola ler. Apanhava o autocarro que levava mais tempo (hora e meia em vez de uma hora, no total) porque assim não tinha de sair e apanhar o metro, permitindo-me passar mais tempo a ler. Como a paragem de origem era perto de minha casa, havia sempre lugar no autocarro. Escolhia o último, à janela.
O princípio de Fermat diz-nos que a luz não percorre a distância mais curta, mas sim o tempo menor entre dois pontos. Um leitor, muitas vezes, tenta encontrar o caminho mais lento entre dois pontos. Era isso que eu fazia. Ia para a escola pelo caminho com mais palavras.” (sublinhado meu)

E como amanhã se comemora o Dia da Liberdade, transcrevo também um excerto do texto “Liberdade” (p.49)
“ Caminhei pelo centro da cidade com uma escritora, bastante famosa no mundo árabe, (…). Tinha sido casada, durante mais de uma década, com um homem de uma família muito conservadora, teve dois filhos e depois divorciou-se. O que aconteceu? Perguntei eu, e ela respondeu que se libertou. Como? Insisti.
- Comecei a ler e libertei-me.”

E para terminar: “Ao contrário de tantos outros vícios, o dos livros, é, na verdade, uma virtude. De facto, ter livros não é o mesmo que, por exemplo, ter dinheiro. Ter livros é como ter amigos, ter dinheiro é como ter com que pagar a amigos. (p.65)

Recomendo a todos os viciados em livros. Só mesmo aos viciados porque os não-viciados não compreenderão que “a leitura é um diálogo entre autor e leitor e que, se não houver um abalo qualquer naquele que lê, então tudo terá sido em vão.” (p.62)

    



17 abril, 2021

𝑩𝒆𝒍𝒐𝒗𝒆𝒅 , de Toni Morrison

 


Autor: Toni Morrison
Título: Beloved
N.º de páginas: 351
Editora: D. Quixote
Edição: 1.ª- 2009
Classificação: Romance
N.º de Registo: 2710


OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐



Beloved talvez seja o romance mais conhecido de Toni Morrison, venceu o Prémio Pulitzer em 1988 e foi certamente importante na atribuição do Prémio Nobel de Literatura, em 1993. É o primeiro romance de uma trilogia que inclui Jazz e Paraíso.
Baseado em factos reais mas também sobrenaturais, resgata a memória individual de algumas personagens, mas sobretudo colectiva da escravatura norte-americana no estado de Ohio no pós-Guerra da Secessão. Trata-se de uma narrativa de redenção, da história de um povo que foi escravizado, violentado, torturado. Mesmo após a liberdade, as marcas permanecem, corroem e desgastam.
“Os brancos achavam que quaisquer que fossem os modos, sob cada pele escura existia uma selva. (…) Quanto mais os negros se desgastavam a tentar convencê-los que eram amistosos, que eram inteligentes e afectuosos, que eram humanos, quanto mais se cansavam a convencer os brancos de algo que achavam que nem devia ser questionado, mais a selva crescia e se adensava.”(p. 259)

A leitura não é linear, é mesmo, em certas passagens, desconexa e requer alguma concentração. Apesar de uma linguagem poética e pungente, há passagens difíceis não só devido às histórias cruéis, ao desgaste emocional, aos traumas vividos pelas personagens mas também devido a uma linguagem mais densa e a uma estrutura complexa.
É uma leitura desafiante que causa ambiguidades e que obriga o leitor a juntar as peças, como num puzzle, para acompanhar a mensagem. Tal como em relação ao holocausto é necessário escrever e ler sobre estes períodos da nossa História para que a memória permaneça.





09 abril, 2021

𝑳é𝒙𝒊𝒄𝒐 𝑭𝒂𝒎𝒊𝒍𝒊𝒂𝒓, de Natalia Ginzburg

 


Autor: Natalia Ginzburg
Título: Léxico Familiar
N.º de páginas: 191
Editora: Relógio d'Água
Edição: 1.ª- Janeiro 2019
Classificação: Romance 
N.º de Registo: 3277



OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐



Natalia Ginzburg conta a história da sua família integrada numa Itália de Mussolini. Esta suposta, digo suposta porque a autora refere na advertência que “não se trata da minha história, mas antes, embora com vazios e lacunas, da história da minha família”), autobiografia romanceada está bem escrita, e os acontecimentos familiares e históricos são narrados de forma sincera, íntima, elegante e divertida.

Tratando-se de histórias banais do dia-a-dia, por vezes sem importância, a autora, apesar de também narrar momentos de detenção, de perseguição e de morte, opta por resgatar a sua memória familiar dando ênfase ao “léxico”, às frases proferidas por cada elemento da família. O mais marcante e peculiar é sobretudo o do pai. Este, bastante severo nos seus juízos, dirigia-se aos filhos e à esposa de forma insultuosa e preconceituosa. Todos eram estúpidos e tratava-os de “cafres” e “asnos”.

“Qualquer ato ou gesto nosso que considerasse inapropriado, definia-o como «uma cafrealidade». – Não sejam cafres! Não façam cafrealidades! – gritava-nos a todo o momento.” (p. 9)

A trama avança, assim, transportada pelos gritos do pai, pelos desabafos da mãe, pela poesia de uns, pelas expressões de outros, pelas frases vezes sem conta repetidas e que atribuem identidade e ritmo à história.

“Somos cinco irmãos. Vivemos em cidades diferentes, alguns de nós no exterior, e não nos escrevemos com frequência. Quando nos encontramos, podemos ser, uns para os outros, indiferentes ou distraídos. Mas basta, entre nós, uma palavra. Basta uma palavra, uma frase: uma daquelas frases antigas, ouvidas e repetidas infinitas vezes, no tempo da nossa infância. (…), para redescobrirmos no mesmo instante as nossas relações de outrora, e a nossa infância e a nossa juventude, indissoluvelmente ligadas a essas frases , a essas palavras. Uma dessas frases ou palavras faria que nos reconhecêssemos mutuamente, como os irmãos que somos, na escuridão de uma gruta, entre milhões de pessoas. Essas frases são o nosso latim, o vocabulário dos nossos dias idos, (…) o testemunho de um núcleo vital que deixou de existir, mas que sobrevive nos seus textos, salvos da fúria das águas, da corrosão do tempo. Essas frases são o fundamento da nossa unidade familiar,…(pp. 25 e 26)

O leitor abanca nesta família judia, intelectual e activista, convive com os amigos e familiares, diverte-se com as piadas, toma partido nas brigas entre irmãos, acompanha as lutas de resistência antifascista, de prisão, de fuga e de morte, aceita a forma subtil e por vezes ingénua da autora em relação à intolerância e à perseguição dos antifascistas e dos judeus porque fica claro que a autora não pretende explorar os seus sentimentos, mas sim em revisitar os momentos vividos em família e com os amigos.

Gostei e recomendo este livro porque está muitíssimo bem escrito e porque nos transporta para uma época importante da história e da cultura de Itália. 



04 abril, 2021

𝑺𝒖𝒊𝒕𝒆 𝑭𝒓𝒂𝒏ç𝒂𝒊𝒔𝒆, de Irène Némirovsky

 

Autor: Irène Némirovsky
Título: Suite Francesa
N.º de páginas: 579
Editora: D. Quixote
Edição: 1.ª- Outubro 2005
Classificação: Romance histórico
N.º de Registo: 2026

OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐


Suite Française, escrito aquando da invasão da França pelas forças nazis, contém duas, “Tempestade de Junho” e “Dolce”, das cinco partes previstas pela autora; várias notas manuscritas que evidenciam o seu método de trabalho e as suas pretensões sobre este livro, por exemplo, nelas ficamos a saber que a terceira parte se chamaria “Cativeiro”; e ainda um vasto conjunto de cartas que indicam a troca de correspondência existente entre o seu marido e várias pessoas/organismos para tentar libertar a sua mulher que foi capturada e deportada para Auschwitz.

Uma das particularidades deste livro, publicado postumamente pela sua filha mais velha, Denise Epstein (2004), é o facto de a autora escrever a sua história à medida que vive os acontecimentos. O que narrou foi o que testemunhou, e na impossibilidade de continuar a escrever porque foi deportada, não concluiu a terceira parte que já se encontrava em fase avançada. A autora já tinha anotado o que pretendia narrar, mas faltava-lhe o desenvolvimento real da acção (esta intenção está muito clara nas notas anexadas) porque o caracter e o destino das personagens vão-se modificando de acordo com o evoluir da ocupação, da guerra.

Na primeira parte, a autora descreve a debandada geral dos franceses de Paris. Não se debruça tanto sobre os factos em si, mas sim sobre os detalhes dos comportamentos das personagens-tipo seleccionadas. É através da caracterização das personagens e das suas atitudes que percebemos o cenário do enredo influenciado por “factores de ordem social, cultural e económica”. Sem fazer juízos de valor, a autora incide nas reacções, nos comportamentos egoístas, mesquinhos, hipócritas dos franceses abastados forçados a abandonar o conforto do lar e a segurança do seu emprego/estatuto, mas também na ingenuidade e integridade de algumas personagens, poucas, de classe média.

“Meu Deus, o que eu vi! Portas fechadas, onde se batia em vão para pedir um copo de água, refugiados que pilhavam as casas; por toda a parte, de uma ponta à outra, a desordem, a cobardia, a vaidade, a ignorância! Ah! Que triste figura a nossa!” (p. 241)

Na segunda parte, a narrativa desloca-se para o campo, para um pequeno burgo ocupado pelos alemães. Nesta parte, a autora vai insistir nos afectos, nas relações entre familiares, entre vizinhos, mas sobretudo no relacionamento entre franceses e alemães. Há descrições fabulosas de desentendimentos familiares, de denúncias de vizinhos, de favores, de colaboracionismo, de revolta, de amor e de resistência. O leitor não ficará alheio à história de Lucile, viúva(?) e de Bruno Von Falk (esta história, trouxe-me à memória outro livro, também citado nas notas do tradutor, célebre pela narração de uma história idêntica, Le Silence de la Mer, de Vercors).
A autora foi criticada pela sua “suposta” empatia e aceitabilidade do alemão inimigo instalado nos lares franceses, mas o que ela pretendeu foi pôr em evidência o contraste de alguns alemães sensíveis e cultos perante a hipocrisia, a cobardia e o oportunismo de alguns franceses colaboracionistas. Em seu abono, não devemos esquecer que nessa altura ainda se desconhecia muito do que iria acontecer e que ela própria iria viver, e também que tinha previsto mais três partes que certamente esclareceriam a sua posição perante o inimigo. (já se antevê nas suas notas)

Numa escrita intensa apesar de sóbria e simples, com ambientes e personagens meticulosa e soberbamente descritos, a autora agarra o leitor e transporta-o para um cenário de caos, de medo, de traição, de morte, mas também de paixão e leva-o a questionar-se sobre o papel de cada um nesta guerra. Nas notas, a autora alerta ”o leitor só tem de ver e ouvir”.

Recomendo vivamente. Este é sem dúvida o melhor livro que li da autora. Ganhou o Prémio Renaudot em 2004 e foi adaptado ao cinema por Saul Dibb, em 2014.