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22 novembro, 2023

𝑷𝒆𝒔𝒔𝒐𝒂 & 𝑺𝒂𝒓𝒂𝒎𝒂𝒈𝒐, de Miguel Real

 

Autor: Miguel Real
Título: Pessoa & Saramago
N.º de páginas: 270
Editora: D. Quixote
Edição: Outubro 2022
Classificação: Ensaio
N.º de Registo: (3461)


OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐



Miguel Real nas páginas iniciais do livro refere que “Fernando Pessoa (1888-1935) e José Saramago (1922-2010) foram, pela qualidade e singularidade da sua escrita, dois dos maiores escritores portugueses do século XX, se não mesmo os dois maiores escritores do século XX.” (p. 11) e mais adiante escreve que “ambos com oficinas literárias diferentes (Pessoa: a heteronímia; Saramago: o autor narrador) interrogam e problematizam os fundamentos religiosos e filosóficos da nossa civilização.”

Ao longo do livro, perceberemos o que une estes dois vultos da nossa literatura. Enquanto Pessoa nos transmite a sua visão mítica e histórica de Portugal através dos heróis nacionais (Mensagem), Saramago guia-nos através das suas personagens, homens e mulheres da sociedade, para nos legar uma mensagem muito clara, da sua visão do mundo e em particular de Portugal.


Veremos ainda que em ambos, as personagens tornam-se “mestres”, tornam-se “realizações literárias do autor.” Pessoa multiplica-se nos seus diversos heterónimos, construindo “uma comunidade só minha” [a sua]; Saramago multiplica-se na criação das suas personagens, construindo a “sua comunidade literária, o “outro”, criado pelo próprio”. Assim, sintetiza Miguel Real: “ Por isso, ainda que múltiplo como múltiplas são as personagens, Saramago é uno, e Pessoa, ainda que uno, é sobretudo múltiplo, isto é, plural.” (p. 19)

Para quem aprecia as obras destes dois autores, este ensaio de Miguel Real é importante e recomendo a sua leitura. Gostei bastante de perceber os pontos comuns explanados através dos conceitos de “heteronímia” e de “autor-narrador”; de entender a estética de cada um que, apesar de diferente, se assemelham na complexidade da criação das personagens (Saramago) e dos heterónimos (Pessoa), na visão crítica da sociedade e na transgressão dos “códigos estéticos do seu tempo” que os elevam à “universalidade da literatura”.

Contudo, e não posso deixar de o referir, considero que, em certas partes, o texto se torna um pouco repetitivo e denso.



10 abril, 2023

𝑶 𝑭𝒆𝒊𝒕𝒊ç𝒐 𝒅𝒂 Í𝒏𝒅𝒊𝒂, de Miguel Real

 

Autor: Miguel Real
Título: O Feitiço da Índia
N.º de páginas: 381
Editora: D. quixote
Edição (2.ª): Junho 2013
Classificação: Romance histórico
N.º de Registo: (Empréstimo - FM)



OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐


O Feitiço da Índia, de Miguel Real, é um romance sobre a colonização portuguesa de Goa e que põe em cena três gerações da família Martins.
José Martins, primeiro português a desembarcar em solo indiano, foi na frota de Vasco da Gama (1498) como degredado; Augusto Martins, o único português a permanecer em Goa após a libertação deste estado, foi enviado por Salazar (anos 50) para ir trabalhar nas minas e Luís Martins, o narrador da história, descendente do primeiro, seu undécimo avó, e filho do segundo, parte em busca do pai (1975) para “o forçar a dar-lhe um terceiro beijo.”
Nenhum deles regressou ao país natal. Os três se apaixonaram por mulheres indianas… os três foram enfeitiçados pela beleza e sensualidade das mulheres. Estas, as mulheres, são a metáfora da Índia, terra fascinante e exótica, terra de contrastes (cheiros, cores, sabores, sentimentos,… ) com hábitos e costumes tão díspar dos nossos; terra “cultora das virtudes da alma quanto dos prazeres do corpo” onde a sensualidade, pela sua natureza excessiva e erótica, é ”livre e despreconceituada” do mal e do tão arreigado pecado cristão. E é nessa união física, sensual, carnal que reside o feitiço da Índia.

Este romance representa um valioso legado histórico-cultural na medida em que transparece a qualidade da investigação histórica e a reflexão filosófica sobre a Portugalidade, tão cara ao autor. Neste romance prevalece a construção da identidade portuguesa aquando dos descobrimentos, sobretudo na relação com os povos e a sua presença na Índia (conquista, massacres, domínio, entendimento, abandono e decadência).
O autor é exímio na construção da sua narrativa. Ora nos revela uma Índia miserável, nauseabunda, onde se morre de doenças, de fome, de miséria, ora nos retrata a sua riqueza cultural e espiritual, a beleza e a sensualidade da mulher. Ora nos presenteia, ainda, com a pequenez de Portugal, estado mesquinho sem visão e sem futuro que não soube gerir o grande império conquistado.

O choque de duas civilizações, estética e culturalmente tão distantes, uma Goa mais sensível e sentimentalista e um Portugal mais racional, conservador e calculista, é-nos retratado de forma realista, diria mesmo sensorial, já que a narração tão detalhada nos permite criar e viver intensamente os ambientes descritos.
As histórias apresentadas revelam a crueza de alguns episódios nem sempre consciencializados por todos; descrevem o herói português em busca de fortuna que se deixa facilmente seduzir e deslumbrar; relatam a benevolência e, por que não, a bondade do homem português que encontrou um lugar e criou uma família, mesmo quebrando, por vezes, as regras culturais e religiosas; descrevem momentos de enfeitiçante erotismo, de experiências sexuais tão necessárias “para se viver bem espiritualmente”; narram hábitos e costumes geracionais de um povo submisso, maltratado, mas superior cultural e espiritualmente.
É no cruzamento dos factos reais e dos factos efabulados que reside a beleza deste romance. Percebe-se o conhecimento histórico do autor, mas é, na minha opinião, a sua sensibilidade no relato que eleva esta narrativa.
“ (…) elas [as mulheres] de alguidares de plástico americanos ou potes de barro à cabeça, saris vistosos e largos, que as assemelhavam a borboletas coloridas de voo caprichoso, todos descalços , olhos cor de mel , as faces resignadas dos eternamente pobres, os filhos passivos presos entre os panos das pernas, seres condenados ao opróbrio e à miséria.” (p. 115)
Recomendo vivamente. 




12 maio, 2018

Cadáveres às costas de Miguel Real



Neste romance, há duas histórias paralelas que acabam por se cruzar. A de um jovem de 20 anos que sai de casa e abandona o curso de direito com o objectivo de escrever um livro e a de uma centenária acamada que vê a figura da irmã Lúcia no tecto do seu quarto. 
À volta destas duas personagens giram muitas outras, descritas de forma satírica e que demonstram os vícios da sociedade portuguesa que se arrastam ao longo dos tempos. Ambas, as personagens, transportam “cadáveres às costas” dos quais se pretendem ver libertados. 

Como o jovem escritor permanece numa constante indecisão quanto ao tema do seu pretenso romance histórico, vai então saltando de assunto a assunto e assim vamos conhecendo as personagens, as vivências e os ambientes das duas famílias, a sua e a da centenária acamada. 

Miguel Real trabalhou de forma inteligente esta indecisão do jovem e transporta-nos para momentos e acontecimentos da nossa história, nem sempre muito agradáveis, do século XX aos nossos dias. Aliás, as duas personagens centrais denotam isso mesmo, o passado doente e o presente indeciso e titubeante, mas também esperançoso. 

Recomendo vivamente e quase me atrevo a afirmar que é de leitura obrigatória.