26 fevereiro, 2021

22.ª Edição de Correntes d'Escritas

 



Nos dias 26 e 27 de fevereiro, o Correntes d'Escritas marca encontro com o seu público para a 22ª edição, a realizar-se em formato online. O grande festival literário irá ser vivido de forma exclusivamente virtual, mas com a mesma paixão e garantia de acesso livre para todos, sem inscrição prévia, através da transmissão em direto via internet, no portal da Câmara Municipal da Póvoa de Varzim e das redes sociais, nomeadamente no facebook do município e do Correntes.

Conheça o programa completo aqui


23 fevereiro, 2021

𝙊𝙡𝙞𝙫𝙚 𝙆𝙞𝙩𝙩𝙚𝙧𝙞𝙙𝙜𝙚, de Elizabeth Strout



Autor: Elizabeth Strout
Título: Olive Kitteridge
N.º de páginas: 347
Editora: Alfaguara
Edição: 1ª edição - Julho 2020
Classificação: Romance
N.º de Registo:3266


OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐

Trata-se de um romance composto por 13 pequenas histórias que ocorrem na pequena localidade de Crosby, no Maine. O fio condutor entre estas histórias é, precisamente, Olive Kitteridge, uma professora de matemática aposentada, bastante pragmática, severa e pouco amada pela vizinhança. Está casada com Henry, o farmacêutico gentil, e é mãe de um rapaz Christopher.
Apesar desta carapaça dura, Olive vai conquistando o leitor que de história em história, lentamente, vai registando as mudanças da vila e com elas, as da própria personagem.
Todas estas histórias, centradas numa personagem, se desenrolam à volta de um drama, de mexericos, de relacionamentos familiares, profissionais, sociais. Tudo isto faz parte da vida desta comunidade, e do mundo em geral. Temas como o envelhecimento, a doença, a separação, a solidão, o abandono são subtil e brilhantemente apresentados através da descrição de situações e personagens que facilmente o leitor aceita como sendo reais.
Para mim, a beleza deste romance está na forma como as histórias se vão entrelaçando e sobretudo na ligação de Olive a todas elas. Em muitas, aparece como personagem que relata a sua vida e que assim vai tomando conhecimento de si própria, que se adapta e se transforma, noutras é apenas citada por uma ou outra razão.
Aparentemente simples, esta obra carrega inúmeras situações, impostas pelas vicissitudes da vida, que provocam no leitor reflexões sobre a condição humana, sobre a sua própria vida.
O leitor não sai incólume desta leitura, fica incomodado e isso é bom. É literatura.


13 fevereiro, 2021

𝑨 𝑪𝒉𝒂𝒓𝒏𝒆𝒄𝒂 𝒂𝒐 𝑬𝒏𝒕𝒂𝒓𝒅𝒆𝒄𝒆𝒓, de Florbela Espanca

 



Autor: Florbela Espanca 
Título: A Charneca ao Entardecer (contos escolhidos)
Selecção, organização e introdução: Jose Luís Peixoto
N.º de páginas: 88
Editora: Edições Quasi
Edição: 3.ª edição - Fevereiro 2007
Classificação: Contos
N.º de Registo: 2978


OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐

É a primeira incursão que faço na prosa ficcional de Florbela Espanca. A Charneca ao Entardecer é uma pequena antologia de sete contos selecionados e organizados por José Luís Peixoto que nos diz na sua introdução que “os contos foram escolhidos de acordo com o meu gosto”.
Assim, parti desde logo do princípio de que também eu iria gostar. Não fiquei nada desiludida, mas, mesmo assim, confesso que prefiro a sua poesia.

A sua charneca alentejana está muito presente nos primeiros contos. Nestes, aprecio a sua escrita sensorial muito poética sobretudo quando descreve a paisagem.
“Em volta, o silêncio era tão profundo, tão religiosa e extática a paz dos campos, que os olhos do lavrador incrédulo se ergueram da terra numa instintiva acção de graças. (…) É que os sombrios olhos alentejanos precisam encher-se de infinito, precisam das amplas extensões onde o ar corre liberto, e o Sol, pelas tardinhas solitárias, adormece cansado, imperador aborrecido do seu trágico gozo de incendiar.” (pp.29 e 30).

É lindo! Só quem vive no Alentejo pode sentir e entender estas palavras, estas imagens, este enlevo, esta sensação de plenitude.

A outra temática abordada é a morte. Temos alguns contos dedicados ao seu irmão que perdeu a vida de forma prematura. Esta perda absurda vai deixar marcas físicas e psicológicas na autora. Em “Dedicatória”, o conto é dirigido ao seu “querido irmão Morto”, estamos então perante uma escrita intensa e profunda, carregada de melancolia, de sofrimento e de culpa.
“Aquele que traz no rosto as linhas do teu rosto, nos olhos a água clara dos teus olhos, o teu Amigo, o teu Irmão, será em breve apenas uma sombra na tua sombra, uma onda a mais no meio doutras ondas, menos que um punhado de cinzas no côncavo das tua mãos?!...” (p.47)

Gostei bastante desta selecção, mas preciso de ler mais contos para validar a minha opinião sobre a vertente contista da autora.

12 fevereiro, 2021

𝑶𝒔 𝑨𝒏𝒐𝒔, de Annie Ernaux

 


Autor: Annie Ernaux
Título: Os Anos
N.º de páginas: 196
Editora: Livros do Brasil /Porto Editora
Edição: 1.ª edição - Fevereiro 2020
Classificação: Autobiografia
N.º de Registo: 3265


OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐⭐

Os Anos. Os Anos, de Annie Ernaux são um autêntico mergulho no tempo e nas múltiplas gavetas da sua memória. Refiro "gavetas" com intenção porque tratando-se de um texto contínuo (sem capítulos), porém fragmentado como se a autora abrisse uma gaveta e dela retirasse uma fotografia, um filme, uma música, parece-me que a palavra espelha bem a estrutura e o conteúdo do livro.
Esta narrativa clara, objetiva e sem preconceitos desliza “num imperfeito contínuo, devorando o presente progressivamente até à última imagem de uma vida.” (p.194) Ao ritmo dessas memórias visuais, mentais e sentimentais, a autora relata a sua vida pessoal, familiar, profissional e social estabelecendo relações com a evolução de uma sociedade, a francesa em particular, desde 1941 até 2006. Partindo de uma retrospectiva imagética “Numa fotografia a preto e branco” (p.43), quase cronológica, como se de uma "Existência de papel" (título de um livro de Al Berto) se tratasse, a autora rememora o "eu/ela" inserido na história de um país, e de certa forma do mundo.
É este entrelaçamento entre o “eu” da enunciação, o “ela” da escrita e o “alguém” ou “nós” (p.194) de uma sociedade que tornam este livro fascinante.
“Gostaria de reunir múltiplas imagens dela própria, separadas, sem relação entre si, ligadas por um fio narrativo, o da sua existência, (…) como representar simultaneamente a passagem do tempo histórico, a transformação das coisas, das ideias, dos hábitos e o carácter íntimo dessa mulher. (…) A sua principal atenção incide na escolha entre “eu” e “ela”. Existe demasiada continuidade no “eu”, algo de limitado e sufocante, e no “ela” demasiada exterioridade e distanciamento.” (p.144)

Estamos perante um extraordinário manancial de referências sociais, políticas e culturais que marcaram toda uma geração.
Para mim, que vivi a minha adolescência neste ambiente (ou pelo menos uma parte), a leitura deste livro está a causar-me sensações contraditórias porque me traz à memória momentos muito bons e outros menos bons. Mas que é redentor, é! A anos de distância, sinto a melancolia, a adrenalina e a desilusão vividas na época e que a autora tão bem retrata.


04 fevereiro, 2021

𝘼 𝙄𝙣𝙫𝙚𝙣çã𝙤 𝙙𝙚 𝙈𝙤𝙧𝙚𝙡, de Adolfo Bioy Casares


Autor: Adolfo Bioy Casares
Título: A Invenção de Morel
N.º de páginas: 152
Editora: Antígona
Edição: 3.ª edição - Março 2020
Classificação: Romance/Diário
N.º de Registo: 3223


OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐⭐

Se Jorge Luís Borges, no prefácio, refere “não me parece uma imprecisão ou uma hipérbole classificá-lo como perfeito,” que poderei eu, simples leitora, acrescentar? Nada! Está absolutamente perfeito!

Estamos perante uma narrativa, em forma de diário, de um foragido da lei que se refugiou numa ilha deserta. “ Hoje, nesta ilha, aconteceu um milagre. (…) Escrevo estas linhas para deixar testemunho do milagre adverso.” (p.15). O leitor é, desde logo, informado das razões deste diário.
A ilha, considerada amaldiçoada e inóspita tem, no entanto, três construções (um museu, uma capela e uma piscina). Aquando da sua expedição ao interior dos edifícios, descobre uma máquina, que saberá mais tarde, que foi inventada por Morel. Uma das várias personagens que aparecem na ilha.
“Estou na posse de um dado que pode servir aos leitores deste relato para conhecerem a data da segunda aparição dos intrusos…” (p.75)

O relato é vincadamente marcado pela luta de sobrevivência e pelo medo de ser descoberto por estes intrusos. Ele observa-os à distância, ouve as suas conversas e apaixona-se por uma das mulheres, Faustine.
“ A mulher do lenço tornou-se-me agora imprescindível. Talvez toda a minha higiene de nada esperar seja um pouco ridícula. Nada esperar da vida, para nada arriscar; dar-me por morto para não morrer. (…) Voltei duas tardes mais: a mulher lá estava; comecei a achar que esse era o único milagre…” (pp. 37 e 38)
Mas será esta uma realidade? É que para sobreviver à fome, o nosso fugitivo ingere plantas e raízes que provocam delírios, alucinações, pesadelos.

É nesta multiplicação de imagens que a escrita de Casares se torna mágica, ou citando Borges, perfeita. A realidade e a fantasia misturam-se, o presente e o futuro são constantemente indagados e este questionamento e consequente reflexão levam-nos, a nós leitores, a pensar sobre a fragilidade da vida e as fronteiras do real.

Narrativa muito actual, já que a explicação do funcionamento da invenção de Morel, bem como o desfecho da narrativa, nos remetem, inequivocamente par o mundo em que vivemos numa mescla de real e virtual.