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16 abril, 2022

𝑨𝒔 𝑷𝒆𝒒𝒖𝒆𝒏𝒂𝒔 𝑽𝒊𝒓𝒕𝒖𝒅𝒆𝒔, de Natalia Ginzburg

 


Autora: Natalia Ginzburg
Título: As Pequenas Virtudes
Tradutor: Miguel Serras Pereira
N.º de páginas: 143
Editora: Relógio D'Água
Edição: Junho 2021
Classificação: Ensaios
N.º de Registo: (3356)


OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐⭐




Livro fabuloso. A beleza e a leveza da escrita, a clareza das palavras elevam-nos e encantam-nos e o que é dito obriga-nos a reflectir, a mergulhar no nosso imo. Nenhum leitor permanecerá indiferente e certamente que jamais será o mesmo, após a leitura destes breves textos.
Este é um livro que não pode ficar arrumado na estante dos livros comuns. É um livro que deve juntar-se aos grandes escritores, na estante da boa literatura, à qual podemos sempre voltar.

Em As Pequenas Virtudes, livro de 11 breves ensaios escritos entre 1944 e 1966, em momentos diferentes e de forma independente, a autora aborda vários temas, muito autobiográficos numa perfeita mescla de memórias, de vivido, de sentido e de observado. Com extrema sensibilidade e sinceridade, mas também com tristeza e nostalgia, ela detém-se nos detalhes do quotidiano, na sua vida, nas relações humanas, no seu relacionamento com os próximos, no seu “ofício” e de forma direta, clara, crua, por vezes, ela entremeia a memória, a reflexão, a fantasia e oferece-nos estes ensaios de uma grande lucidez e sobriedade.

O livro está dividido em duas partes, na primeira, temos, sob um olhar próprio e subtil, textos sobre lugares de desterro (Itália) e exílio (Inglaterra), sobre pessoas que conheceu nesses momentos de sofrimento e sobre figuras importantes na sua vida, os dois maridos e o poeta Cesare Pavese. A segunda parte debruça-se sobre temas mais gerais que permitem uma autoanálise profunda e reflexões sobre a sua formação, a sua escrita, sobre valores, vocações e afectos, amizades e sobre a educação. O último texto, que dá título ao livro, é sublime.
"No que se refere à educação dos filhos, penso que lhes devem ensinadas não as pequenas virtudes, mas as grandes. Não a poupança, mas a generosidade e a indiferença pelo dinheiro; não a prudência, mas a coragem e o desprezo do perigo; não a astúcia, mas a franqueza e o amor da verdade; não a diplomacia, mas o amor ao próximo e a abnegação; não o desejo de sucesso, mas o desejo de ser e de conhecer." (p. 129)

Poderia continuar a opinar e a citar sobre cada um dos ensaios de tão belos e cativantes que são. Não vou fazê-lo. Prefiro que o leiam, lentamente, e que, tal como eu, o descubram e desfrutem da sua beleza e intensidade. Porém, termino com uma citação de um dos textos que mais me arrebatou.

“Há um perigo na dor, do mesmo modo que há um perigo na felicidade, no que se refere às coisas que escrevemos. Porque a beleza poética é um conjunto de crueldade, de soberba, de ironia, de afecto carnal, de fantasia e de memória, de claridade e de obscuridade, e, se não conseguirmos alcançar todo esse conjunto, o nosso resultado será pobre, precário e pouco vital. (…) Há o perigo de sermos astuciosos e de fazermos batota. È um ofício bastante difícil, como se pode ver, mas o mais belo ofício do mundo.” (pp. 95 e 97)

09 abril, 2021

𝑳é𝒙𝒊𝒄𝒐 𝑭𝒂𝒎𝒊𝒍𝒊𝒂𝒓, de Natalia Ginzburg

 


Autor: Natalia Ginzburg
Título: Léxico Familiar
N.º de páginas: 191
Editora: Relógio d'Água
Edição: 1.ª- Janeiro 2019
Classificação: Romance 
N.º de Registo: 3277



OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐



Natalia Ginzburg conta a história da sua família integrada numa Itália de Mussolini. Esta suposta, digo suposta porque a autora refere na advertência que “não se trata da minha história, mas antes, embora com vazios e lacunas, da história da minha família”), autobiografia romanceada está bem escrita, e os acontecimentos familiares e históricos são narrados de forma sincera, íntima, elegante e divertida.

Tratando-se de histórias banais do dia-a-dia, por vezes sem importância, a autora, apesar de também narrar momentos de detenção, de perseguição e de morte, opta por resgatar a sua memória familiar dando ênfase ao “léxico”, às frases proferidas por cada elemento da família. O mais marcante e peculiar é sobretudo o do pai. Este, bastante severo nos seus juízos, dirigia-se aos filhos e à esposa de forma insultuosa e preconceituosa. Todos eram estúpidos e tratava-os de “cafres” e “asnos”.

“Qualquer ato ou gesto nosso que considerasse inapropriado, definia-o como «uma cafrealidade». – Não sejam cafres! Não façam cafrealidades! – gritava-nos a todo o momento.” (p. 9)

A trama avança, assim, transportada pelos gritos do pai, pelos desabafos da mãe, pela poesia de uns, pelas expressões de outros, pelas frases vezes sem conta repetidas e que atribuem identidade e ritmo à história.

“Somos cinco irmãos. Vivemos em cidades diferentes, alguns de nós no exterior, e não nos escrevemos com frequência. Quando nos encontramos, podemos ser, uns para os outros, indiferentes ou distraídos. Mas basta, entre nós, uma palavra. Basta uma palavra, uma frase: uma daquelas frases antigas, ouvidas e repetidas infinitas vezes, no tempo da nossa infância. (…), para redescobrirmos no mesmo instante as nossas relações de outrora, e a nossa infância e a nossa juventude, indissoluvelmente ligadas a essas frases , a essas palavras. Uma dessas frases ou palavras faria que nos reconhecêssemos mutuamente, como os irmãos que somos, na escuridão de uma gruta, entre milhões de pessoas. Essas frases são o nosso latim, o vocabulário dos nossos dias idos, (…) o testemunho de um núcleo vital que deixou de existir, mas que sobrevive nos seus textos, salvos da fúria das águas, da corrosão do tempo. Essas frases são o fundamento da nossa unidade familiar,…(pp. 25 e 26)

O leitor abanca nesta família judia, intelectual e activista, convive com os amigos e familiares, diverte-se com as piadas, toma partido nas brigas entre irmãos, acompanha as lutas de resistência antifascista, de prisão, de fuga e de morte, aceita a forma subtil e por vezes ingénua da autora em relação à intolerância e à perseguição dos antifascistas e dos judeus porque fica claro que a autora não pretende explorar os seus sentimentos, mas sim em revisitar os momentos vividos em família e com os amigos.

Gostei e recomendo este livro porque está muitíssimo bem escrito e porque nos transporta para uma época importante da história e da cultura de Itália.