27 novembro, 2021

𝑨 𝑺𝒆𝒄𝒓𝒆𝒕𝒂 𝑽𝒊𝒅𝒂 𝒅𝒂𝒔 𝑰𝒎𝒂𝒈𝒆𝒏𝒔, de Al Berto

 

Autor: Al Berto
Título: A Secreta Vida das Imagens
N.º de páginas: 33
Editora: Assírio & Alvim
Edição: Outubro 2000 (in O Medo)
Classificação: Poesia
N.º de Registo: (1396)


OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐⭐



A Secreta Vida das Imagens é uma colectânea de poemas inspirados num conjunto de obras de artistas clássicos e contemporâneos, nacionais e estrangeiros que o autor amava e que de certa forma o desassossegavam na medida em que contribuíram para o seu “modo de viver e de ver o mundo.”

Dividido em três partes, o livro apresenta os poemas por ordem cronológica dos autores das obras de arte e cada poema é acompanhado por uma imagem representativa de uma pintura, escultura, instalação, fotografia dos artistas plásticos em causa.

A primeira parte é constituída, apenas, por três poemas que aludem a três pintores (Giotto, Fra Angelico e Zurbarán) que viveram entre os séculos XIII e XVII (renascimento – barroco)

A segunda parte contém nove poemas e nove reproduções de obras, sendo oito pinturas e uma fotografia. São artistas (de Cézanne a Warhol) do século XIX e XX e que integram os movimentos do pós-impressionismo e modernismo (nos seus variadíssimos -ismos).

A terceira parte inclui catorze poemas e imagens de representações artísticas: oito pinturas, três esculturas, duas instalações e uma fotografia. Este conjunto integra exclusivamente trabalhos de autores portugueses nascidos a partir de 1914, iniciando com António Dacosta e terminando com Rui Chafes.

A interacção entre a escrita – a literatura - e as restantes artes enriquece e intensifica os significados entre a vida vivida do poeta escritor e a obra e a vida do artista em destaque no poema. A relação entre o EU e o Outro; Eu, poeta/Outro, artista, torna-se mais complexa e de difícil interpretação na medida em que nem sempre se descortina quem é quem. Mas é esta mescla de vivido (autor) e observado (artistas) em que todos verbalizam a sua experiência criadora que tornam estes textos singulares e pluralistas.

Também nesta colectânea, Al Berto assumiu a sua vivência, a sua personalidade e entrelaça-as com o Eu do poema, isto é, com a biografia do artista. E ao propor uma determinada cronologia e uma selecção dos artistas e das suas obras, Al Berto acaba por emitir uma opinião própria e oferecer ao leitor a sua preferência artística.

É sempre com um prazer renovado e com novas descobertas que releio os livros de Al Berto.

Falso retrato de Andy Warhol

não penso
transcrevo conversas telefónicas ou falo
com a noite de new York
ou não falo e gravo a voz dos outros filmo
obsessivamente a morte
ou não filmo e multiplico cadeiras eléctricas
excito-me
sou o centro do mundo dos outros e
não existo
ou é a vida que me atravessa o sexo
e finjo a morte ou cintilo
como o diamante


𝑨 𝑪𝒂𝒅𝒆𝒍𝒂, Pilar Quintana

 



Autor: Pilar Quintana
Título: A Cadela
N.º de páginas: 125
Editora: D, Quixote
Edição: Fevereiro 2021
Classificação: Romance
N.º de Registo: (3279)


OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐


Pequeno livro com uma extraordinária mensagem! Brilhante! História aparentemente simples tal é a economia da escrita. Puro engano! A narrativa escorreita, firme, sem artífices vai manipulando o leitor, envolvendo-o numa trama avassaladora e simultaneamente encantadora.
Adorei a forma como a autora nos descreve Damaris, a mulher que adoptou uma cadela. É uma mulher de garra, que luta para vencer as dificuldades da vida, os traumas, os desgostos, a solidão, o (des)amor, que tolera o desinteresse do marido, mas não suporta a traição da cadela.
Não é uma história fácil, quando pensamos que já ultrapassámos uma situação, que já tudo acalmou, a narradora volta à carga com mais intensidade, mais dureza. Tudo é construído de momentos de acalmia e tempestuosos quer nas atitudes de Damaris quer na natureza. Tão depressa cai “uma chuvada tremenda, com raios e trovões” como “ (…) seria um daqueles raros de céu azul intenso e calor abrasador.” Com mestria a autora vai aliando o carácter humano com o que tem de bom e de perverso à beleza e violência da natureza. E tal como numa tempestade, a narrativa vai-se adensando e dando lugar a um total desconcerto.

Recomendo!



22 novembro, 2021

𝑼𝒎 𝑯𝒐𝒎𝒆𝒎 𝑷𝒂𝒓𝒂𝒅𝒐 𝒏𝒐 𝑰𝒏𝒗𝒆𝒓𝒏𝒐, de Baptista-Bastos



Autor: Baptista-Bastos
Título: Um Homem Parado no Inverno
N.º de páginas: 167
Editora: Círculo de Leitores
Edição: Agosto 1995
Classificação: Romance
N.º de Registo: (558)


OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐⭐


Numa escrita fragmentária, Baptista-Bastos guia-nos numa introspeção profunda sobre o Portugal de então e numa viagem ao passado em busca de redenção. Manuel, o protagonista, viúvo, decidiu ir até à aldeia, onde deseja permanecer vários meses, à procura de “respostas vitais”, de reviver momentos esquecidos, momentos de amor, momentos dolorosos. Sozinho, refugia-se na bebida e nas recordações, traído pelas memórias serve-se da imaginação para criar equívocos, sonhos, ilusões.
“As sombras e as opacidades da memória adensam-se quando procura estabelecer relações entre os episódios de que fora protagonista e os desafectos que os marcaram. Porém, tinha a consciência subtil da total vacuidade desse exercício estafante: a memória, como defesa, desmemoria-se.” (pp.29 e 30)

O narrador vai entrelaçando episódios do presente com relatos do passado, episódios pessoais com relatos e descrições de um Portugal decadente, pequenino, ignorante e medíocre. Há uma similitude entre este país em ruina e ele próprio, um homem só, perdido, desintegrado no tempo e que se desconhece.
“ (…) vivia na contradição de desejar esquecer e no desejo de conservar e de preservar tudo: mágoas, desgostos, deslealdades: a fuligem da vida, persistia em não apagar a consciência infeliz; essas ofensas, reavivadas no tempo em imagens, sons e palavras, constituíam o seu pesadelo e a sua desordem.” (p. 102)

Recomendo muito este livro quer pela beleza da escrita quer pela forma como retrata a passagem do tempo, a solidão de um homem, o confronto consigo próprio e, simultaneamente, a decrepitude de um país e a intolerância pela condição humana.


16 novembro, 2021

𝑼𝒎 𝑭𝒊𝒐 𝒅𝒆 𝑺𝒂𝒏𝒈𝒖𝒆, de Ann Yeti


Autor: Ann Yeti
Título: Um Fio de Sangue
N.º de páginas: 112
Editora: Emporium
 Edição: Dezembro 2018
Classificação: Novela
N.º de Registo: (BE)


OPINIÃO ⭐⭐⭐

Este é o tipo de livro ao qual se aplica o provérbio “Quem vê caras, não vê corações”. Pois é, eu não o compraria só pela capa e pelo título. Porém, e é com agrado que revelo que contém uma história de sedução, de entrega e de amor, que poderia acabar em final feliz, não fosse a estupidez humana que tende a complicar o que é belo e simples. Mas já lá vamos.
Perguntar-me-ão, então, como tive acesso ao livro se era uma compra improvável? Pois, recebi-o num pacote muito simpático e com a seguinte mensagem: “Doar livros pode ser doloroso… quando nos cortamos no papel ao fazer o embrulho! Por isso, não se admire se encontrar um fio de sangue por aí…”
Claro que fiquei, de imediato seduzida (já percebi que a Ann sabe usar as palavras para seduzir…) e decidi lê-lo o quanto antes. E em boa hora o fiz!

O livro é pequeno e lê-se muito bem. Como já referi no início, temos um enredo empolgante que agarra o leitor que se mantém atento aos detalhes e curioso em desvendar o desfecho da relação entre a Joana e o Tomás.
A escrita é cuidada e intensa, clara e directa com laivos de subtileza, quando necessário, que muito apreciei e a composição gráfica é interessante. Um fio de sangue presente em todas as páginas, metáfora da vida, da dor, do sofrimento, indicia algo e arrefece-nos o ímpeto e retrai-nos perante a felicidade intensa vivida pelas personagens.

Há, contudo, um senão na minha opinião, que está relacionado com a estrutura, isto é, o facto de os capítulos terem títulos antecipa alguma informação sobretudo nos capítulos da Joana e do Tomás. Eu, pessoalmente, gosto de maior complexidade, acho que o leitor deve descobrir quem é quem, o que faz e o que pensa sem que essa informação esteja segmentada. Mas, esta é uma mera opinião, vale o que vale. Outros leitores apreciarão, certamente, esta apresentação.

Recomendo a leitura, gostei da Joana, jovem inteligente, moderna, sedutora, desafiadora e corajosa.
Quanto à Ann Yeti tem um futuro promissor na escrita. Basta escrever e seduzir o leitor para novos caminhos, novas sensações…   


13 novembro, 2021

𝑨 𝑴ã𝒆, de Pearl S. Buck


Autor: Pearl S. Buck
Tradutor: Isabel Risques
Título: A Mãe
N.º de páginas: 255
Editora: D. Quixote
2.ª Edição: Março 2021
Classificação: Romance
N.º de Registo: (3285)


OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐⭐


A Mãe, de Pearl S. Buck transporta-nos para a China rural e pobre, onde os habitantes da aldeia vivem da terra arrendada a um proprietário a quem entregam a maior parte dos bens que produzem.
Como facilmente se depreende do título, a Mãe, personagem-tipo, é a protagonista da narrativa. Casada, com três filhos, dois rapazes e uma rapariga. Cuida exemplarmente da sua família e da sogra que também vive lá em casa. Toma conta da casa e acompanha o marido na lavoura das terras e na colheita dos produtos. Dá-se bem com a vizinhança e é respeitada por todos. É feliz, ama a sua família apesar da vida miserável e de trabalho que leva.
Até que um dia tudo muda, e esta mãe vai passar por grandes dificuldades. Para não ser desconsiderada pelos outros, e manter a sua honra, forja artimanhas para dar entender que o marido não a abandonou, mas que partiu à procura de trabalho. A partir de então, a Mãe tudo faz para manter a família unida e dedica-se ao trabalho árduo do campo para sobreviverem. Com os filhos pequenos, um ainda de peito, e uma sogra incapacitada, é sobre ela que tudo recai, é ela que tudo gere sem um queixume, sem uma renúncia. Com dignidade e muita coragem vai ultrapassando algumas das dificuldades, mas a sua vida vai-se complicando e vai passar por várias provações.
Neste romance, percebemos o papel secundário da mulher na China sendo por isso o filho homem o mais desejado.
“Há muitas raparigas naquela aldeia, porque ali nunca as matam, como fazem em algumas cidades quando nascem raparigas.” (p. 169)
É a ela que cabe a educação dos filhos, a manutenção da casa, da roupa, o cuidar dos sogros (no casamento é a mulher que sai de casa para ir viver com a família do marido) e, ainda, acompanhar o marido no trabalho da terra.

Gostei da escrita simples e direta, subtil, por vezes, e esclarecedora quanto às tradições do povo chinês.
Apesar de a personagem ter uma vida miserável, de sacrifício, de trabalho, fustigada pela dor, pela injustiça, pela maldição, é uma história comovente porque nela predomina o amor de uma mãe e no final, há um grito de esperança.




10 novembro, 2021

𝑵𝒆𝒎 𝒎𝒊𝒏𝒉𝒂 𝒄𝒂𝒔𝒂 é 𝒋á 𝒎𝒊𝒏𝒉𝒂 𝒄𝒂𝒔𝒂, de Eva Guimarães



Autor: Eva Guimarães
Título: Nem minha casa é já minha casa
N.º de páginas: 142
Editora: Narrativa
Edição: Abril 2018
Classificação: Testemunhos
N.º de Registo: (3201)


OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐

Mais um testemunho de violência doméstica. Mais um testemunho de humilhação. Mas também e sobretudo um testemunho de superação.
Nada nos surpreende, neste relato. Infelizmente, é cada vez mais recorrente, os sonhos tornarem-se pesadelos e o amor transformar-se em ódio e em violência.
Ficamos chocados, sim, chocados com a violência física e sobretudo psicológica cometida pela “pessoa amada”, ficamos indignados perante a inoperância da justiça (portuguesa e espanhola) e de todos aqueles que deveriam proteger a vítima. Sentimos a dor, a solidão, a humilhação.
“Ao denunciar o seu agressor sem primeiro se pôr a salvo, tinha feito prova de uma ingenuidade suicida.
Tinha-se lançado aos lobos.
Era descobrir o caminho terrorífico que há-de percorrer a vítima que não conta com recursos, a vítima pobre.
O longo encadeamento do sofrimento, indiferença, humilhação, desídia.” (p. 58)

Ela (não é nunca referido o nome da personagem) que veio de Espanha para o Alentejo para viver a sua história de amor, vai ter de fugir para o seu país natal e tentar “recuperar a sua dignidade” e mais tarde a sua liberdade.
“Mas não era o Alentejo que Ela abandonava, os seus mares de oliveiras e de chaparros, os seus verões escaldando as searas louras, os invernos cheirando à lenha queimada nas lareiras. Isso, Ela levá-lo-ia sempre no seu coração.
O que Ela devia deixar para trás, aquilo de que fugia, era daquele casamento nefasto, daquele marido depravado e agressor.” (pp. 14 e 15)

Temos textos avulsos, sem ordem cronológica, muito bem escritos que revelam “um gesto de coragem, determinação e resiliência perante uma sucessão de factos tremendamente violentos.” (p. 141) e que pretendem servir de inspiração a outras mulheres que vivam uma situação semelhante.


07 novembro, 2021

𝑨𝒔𝒕é𝒓𝒊𝒙 𝒆𝒕 𝒍𝒆 𝑮𝒓𝒊𝒇𝒇𝒐𝒏, de Jean-Yves Ferri et Didier Conrad

 



Autor: Jean-Yves Ferri
Ilustrador: Didier Conrad
Título: Astérix et le Griffon
N.º de páginas: 48
Editora: Les Éditions Albert René
Edição: Outubro 2021
Classificação: Banda Desenhada
N.º de Registo: (----)


OPINIÃO ⭐⭐⭐



Astérix et le Griffon (em francês) é o 39.º álbum desta dupla imparável. Esta aventura vai levar Astérix, Obélix, Idéfix e o druida Panoramix ao mundo dos Samartas, tribo comandada por mulheres enquanto os homens ficam em casa a cuidar dos filhos. Esta é uma das várias novidades inseridas neste álbum. Outras há a destacar como a poção mágica que desta vez congela, o herói que acaba por ser Idéfix e não os habituais Obélix e Astérix, os jogos de palavras que nos remetem para a actualidade virtual e pandémica. Algumas destas referências são muito subtis.
Esta talvez tenha sido a alteração mais divertida. Dei por mim à procura das palavras escondidas: “Kalachnikova” “Trodéxès de collagène!”, “scythes attaqués”, “Critiques sur les FORUMS”,”T’as raison FAKENIUS”, “On respecte les distances”, entre muitas outras.
Diverti-me, mas não me entusiasmei. Falta o toque satírico e paródico tão característico da dupla genial (na minha opinião) da nona arte. Faltam as lutas dos irredutíveis gauleses com os romanos. Faltam os javalis. Falta a alegria do povo gaulês.

É evidente que a nova dupla tenta integrar a actualidade nas novas aventuras, mas fará sentido se a essência das personagens se perder?



06 novembro, 2021

𝑼𝒎𝒂 𝑺𝒐𝒍𝒊𝒅ã𝒐 𝑫𝒆𝒎𝒂𝒔𝒊𝒂𝒅𝒐 𝑹𝒖𝒊𝒅𝒐𝒔𝒂, de Bohumil Hrabal

 


Autor: Bohumil Hrabal
Tradutora (do checo): Ludmila Dismanová
Título: Uma Solidão Demasiado Ruidosa
N.º de páginas: 143
Editora: Antígona
Edição: Setembro 2019
Classificação: Romance
N.º de Registo: (3260)


OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐



Há 35 anos que Hanta vive numa solidão partilhada com a ruidosa prensa hidráulica. Na Praga de Kafka, assolada pela guerra, acompanhamos a vida absurda deste homem que passa os dias, os anos a prensar papel e livros numa cave suja, a recolher e a ler relíquias que lhe passam pelas mãos, a beber canecas e canecas de cerveja e a dormir numa casa velha repleta de livros. Hanta, apesar do ambiente miserável onde trabalha, é um homem feliz e culto, um pensador e um contador de memórias.

Narrado na primeira pessoa, Hanta relata-nos a sua “love story”. É um homem de contrastes, é um homem que se suja de sangue dos ratos prensados, mas também das letras dos livros.
“… há trinta e cinco anos que me sujo de letras, a tal ponto, que com o passar do tempo, me pareço com uma das pelo menos três toneladas de enciclopédias que terei prensado; sou um cântaro cheio de água viva e de água morta, basta inclinar-me um pouquinho e jorram de mim ideias lindas; sou culto independentemente da minha vontade e, assim nem sei bem que ideias são minhas, saídas da minha cabeça, e quais delas li.” (p.7)

É assim que Hanta se apresenta logo no início. E ao longo deste monólogo, temos uma imensidão de referências a livros, a bons livros. Temos metáforas, imagens lindíssimas. Temos histórias vividas, sonhadas, irreais.
“ …afinal não leio, apenas debico uma bela frase e chupo-a como um rebuçado, como se bebericasse lentamente um cálice de licor, até a ideia se dissolver em mim como álcool, tão devagar que não só penetre no meu cérebro e no meu coração, mas pulse também nas minhas veias até às raízes dos capilares.” (p.7).
Ninguém resiste a um texto destes. É lindo. É intenso. É poético.

Durante trinta e cinco anos, Hanta é o guardião dos livros, do conhecimento, das suas memórias, das suas histórias. Numa profunda solidão, ao ritmo de dois botões, o vermelho e o verde, Hanta cumpre a sua função com devoção, não com total zelo já que muitas vezes pára para ler uma raridade que lhe cai do “céu”, do buraco do tecto.
“…o disco da prensa avançava e recuava conforme eu premia o botão verde ou o botão vermelho e, nos intervalos, eu bebia cerveja e lia a Teoria do Céu, de Immanuel Kant,…” (p. 78) Porém, no final, Hanta é surpreendido pelo progresso (“iniciava-se uma nova era, com novos homens e mulheres e novos métodos de trabalho.” p. 99) +e vai ser substituído por dois jovens, que só bebem leite, mais qualificados, mas indiferentes aos livros e ao seu conteúdo e a sua prensa por uma maior, mais moderna e mais eficaz. Hanta indigna-se e toma uma decisão que não vou desvendar.

É um livro magnífico. Um hino aos livros, à literatura

02 novembro, 2021

𝑨 𝒎𝒖𝒍𝒉𝒆𝒓 𝒒𝒖𝒆 𝒄𝒐𝒓𝒓𝒆𝒖 𝒂𝒕𝒓á𝒔 𝒅𝒐 𝒗𝒆𝒏𝒕𝒐, de João Tordo

 

Autor: João Tordo
Título: A mulher que correu atrás do vento
N.º de páginas: 456
Editora: Companhia das Letras
Edição: Março 2019
Classificação: Romance
N.º de Registo: (3146)


OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐


A Mulher que Correu Atrás do Vento é constituído por oito partes, algumas datadas no tempo e no espaço, numa estrutura complexa, mas que no final se encaixam como um puzzle. É um romance no feminino, sobre a vida de 4 mulheres (Beatriz, Lisbeth, Graça e Lia) e com inúmeras referências a livros, músicas, filmes, peças de teatro, pinturas, …. São histórias dentro de uma grande história. Um romance dentro de um romance. Será isto possível?
Como já é habitual no autor, a sua narrativa transborda de emoções. As suas personagens correm “atrás do vento” numa luta contra o abandono, a solidão, o medo, o remorso, a clausura interior. É um livro sobre as memórias, a redenção.
“Que aquilo que imaginamos é tão verdadeiro como a realidade, porque tem o poder de nos salvar, de redimir uma vida tantas vezes brutal, sempre efémera, desgostosamente solitária.” (p. 446)

Ao longo dos capítulos, as histórias das 4 mulheres vão-se entrelaçando e criando uma maior densidade. É este cruzamento que dificulta a leitura, por vezes, é necessário voltar atrás, reler algumas passagens, deixar o vento amainar. Mas é por isso que aprecio a escrita do autor, o ritmo, o jogo, a forma como subverte a arte de narrar, e até o final é surpreendente e esclarecedor, ou talvez não…

“As coisas começam num lugar distante no tempo e na geografia e, depois, parecem repetir-se infindavelmente, tal qual um relógio cujos ponteiros atravessam a mesma hora todos os dias. Assim é a vida humana: a repetição dos mesmos erros, dos mesmos atalhos, das mesmas esperanças.” (p. 439)