24 fevereiro, 2024

Anatomia de uma Queda, de Justine Triet

 


com Sandra Hüller, Swann Arlaud, Milo Machado-Graner

Drama; Thriller  | 151 min | M/12  | França | 2023

estreia 01-02-2024


Sinopse:

Sandra, uma escritora alemã, o seu marido francês Samuel e o filho Daniel, de onze anos, vivem um ano de forma isolada numa cidade remota dos Alpes franceses. Quando Samuel é encontrado morto na neve, caído do chalé, a polícia questiona se terá cometido suicídio ou se foi assassinado. Perante a tese de homicídio, Sandra torna-se a principal suspeita. Pouco a pouco, o julgamento irá revelar- se não apenas uma investigação das circunstâncias da morte de Samuel, mas uma inquietante viagem psicológica às profundezas da relação conflituosa do casal.

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17 fevereiro, 2024

𝑶 𝑨𝒏𝒊𝒃𝒂𝒍𝒆𝒊𝒕𝒐𝒓, de Rui Zink

 



Autor: Rui Zink
Título: O Anibaleitor
N.º de páginas:135
Editora: Teodolito
Edição: Outubro 2014
Classificação: Novela
N.º de Registo: (BE)



OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐⭐

Que leitura agradável, divertida, plena de humor. Adorei conhecer o Anibaleitor, uma figura mítica, quiçá, o Adamastor dos Lusíadas ou o Mostrengo de A Mensagem, ou o King Kong, das telas de cinema, bem como adorei acompanhar as aventuras do jovem protagonista que não gosta nada de ler.

A forma como se conheceram não vou narrar, pois anularia o encanto desta narrativa. Contudo, no primeiro parágrafo, já deixei algumas pistas…

É na ilha, onde decorre uma parte da acção que estes dois improváveis comparsas se vão conhecer e tornar amigos. O jovem que, de início, teme ser devorado pelo monstro, e para fugir a tão ingrato destino aceita, à semelhança “de uma tal Xerazade” das Mil e uma noites, ler durante o dia os livros indicados pelo seu “descomunal interlocutor” para à tardinha tecerem juntos comentários sobre os livros lidos.
“Sabes, fiquei a tarde toda a magicar naquela dos livros de que não gosto. (…) O texto é um tecido e o tecido é um texto. O entrelaçar de fios diferentes – ritmo, sentido, letras – para fazer um tapete de palavras, um tapete com um desenho que pode ser mais ou menos laborioso, intrincado, estimulante, misterioso. Ou seja, uma coisa que se leia. Topas?” (pp. 89 -91)

A partir das leituras e das conversas surgem grandes reflexões sobre a importância da leitura, sobre a escolha de determinados livros, sobre a mensagem emanada dos mesmos.
A narrativa funciona como uma manta de retalhos (é o próprio autor que o refere) tal é a intertextualidade com poemas, autores, obras, imagens, personagens, letras de canções. Uns citados directamente, outros revelados nas entrelinhas e outros mais subtis que apelam, ou não, ao conhecimento, à memória do leitor. Não é importante para a compreensão da narrativa descobrir todas as referências literárias, culturais, mas torna-se um desafio.
Apesar de ser um livro de fácil leitura, a mensagem não é tão linear como aparenta. O próprio autor, no final, alerta para a possibilidade de este “texto poder esconder outro”. E eu concordo. Fiquei com a ideia de que nos quis narrar a sua própria caminhada na descoberta dos livros, da leitura, do prazer de ler e, mais tarde, do acto de escrever.

“Como castigo obrigaram-me a ser escritor, uma sina que não desejo nem ao meu maior inimigo. É pior que prisão perpétua! Passamos o dia sentados a uma mesa, frente ao papel em branco ou ao computador em cinzento; o rabo amolece de tanto estarmos sentados, e ficamos a escrevinhar, a escrevinhar, sujeitos a artroses, a escrevinhar, a escrevinhar – histórias que, ainda por cima, quase ninguém lê, a menos que sejam adaptadas para cinema ou televisão.” (p. 124)


O Anibaleitor é uma autêntica diversão que através de um humor inteligente e de uma escrita simples e sarcástica convida jovens e menos jovens a “devorar” livros e a descobrir a importância da leitura num mundo cada vez mais votado à tecnologia.

Convido-vos a participar neste banquete, a devorar livros, mas sobretudo a degustar as palavras servidas pelo autor.
O livro que li é da minha biblioteca escolar, mas vou comprar um só para mim, pois há muitas passagens que quero sublinhar, seguindo o conselho de Anibaleitor, e, também, porque considero que é um livro que deve permanecer na minha mesa-de-cabeceira para, de vez em quando, me alimentar os sonhos.

“Para o Anibaleitor, um livro era um encontro entre duas vozes: a nossa e a do livro. E sublinhar um livro, não tinha mal nenhum, era quase como que ler a dobrar; era sinal de que encontráramos uma passagem, uma frase, um parágrafo, que nos tocava no texto e isso, segundo ele, valia ouro. Era quase como ganhar, de borla, um segundo livro.” (p. 73)






15 fevereiro, 2024

Vieste como um barco carregado de vento

 

                                                                        Foto GR



Vieste como um barco carregado de vento, abrindo
feridas de espuma pelas ondas. Chegaste tão depressa
que nem pude aguardar-te ou prevenir-me; e só ficaste
o tempo de iludires a arquitectura fria do estaleiro

onde hoje me sentei a perguntar como foi que partiste,
se partiste,
que dentro de mim se acanham as certezas e
tu vais sempre ardendo, embora como um lume
de cera, lento e brando, que já não derrama calor.

Tenho os olhos azuis de tanto os ter lançado ao mar
o dia inteiro, como os pescadores fazem com as redes;
e não existe no mundo cegueira pior do que a minha:
o fio do horizonte começou ainda agora a oscilar,
exausto de me ver entre as mulheres que se passeiam
no cais como se transportassem no corpo o vaivém
dos barcos. Dizem-me os seus passos

que vale a pena esperar, porque as ondas acabam
sempre por quebrar-se junto das margens. Mas eu sei
que o meu mar está cercado de litorais, que é tarde
para quase tudo. Por isso, vou para casa

e aguardo os sonhos, pontuais como a noite.



Maria do Rosário Pedreira, in O Canto do Vento nos Ciprestes



14 fevereiro, 2024

𝑶 𝑨𝒎𝒂𝒏𝒕𝒆 𝒅𝒆 𝑳𝒂𝒅𝒚 𝑪𝒉𝒂𝒕𝒕𝒆𝒓𝒍𝒆𝒚, de D. H. Lawrence

 


Autor: D. H. Lawrence
Título: O Amante de Lady Chatterley
Tradutora: Maria Teresa Pinto Pereira
N.º de páginas:350
Editora: Colecção Mil Folhas
Edição: Dezembro 2002
Classificação: Romance (clássico)
N.º de Registo: (1418)



OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐⭐



Escrito em 1928. É importante referir a data para melhor entendermos a polémica causada na época. Foi censurado e proibido de ser publicado durante anos por conter descrições de cenas explícitas de sexo, mas sobretudo porque se foca no adultério e no prazer feminino.
Considero que, para além do erotismo presente na narrativa que lhe confere uma força literária arrebatadora, a obra é extraordinariamente enriquecedora no que diz respeito à condição da mulher inserida na sociedade inglesa muito tradicional e conservadora.
Gosto sobremaneira da personagem feminina. Oriunda de uma família burguesa, educada pelo pai fora da convencionalidade da época, Constance (Lady Chatterley) culta e liberal vai evoluindo ao longo da narrativa. De esposa passiva e aquiescente, desempenhando um papel de cuidadora de Clifford, o marido que regressou mutilado da guerra, vai gradualmente libertar-se desta função ao conseguir que o marido contrate uma enfermeira e, assim, fugir da monotonia diária e caseira.
Sobra-lhe, então, tempo para passeios no bosque e contemplação da natureza.
É nesse encantamento que descobre Mellors, empregado do marido. A deferência, inicialmente imposta por Mellors, vai transformar-se num relacionamento amoroso que só é possível porque ambos obtêm uma plena satisfação sexual nos encontros que mantêm clandestinamente.
Cedo percebemos que a relação de duas pessoas de classes sociais diferentes vai levantar dúvidas entre elas, mas vai sobretudo romper com as convenções sociais e os preconceitos estabelecidos.
A narrativa flui ao ritmo da dependência cada vez maior de Clifford que com a sua inteligência e o seu poder económico vai-se impondo em Wragby, cidade mineira onde residem e nas suas relações da sociedade inglesa, em alternância com as descrições minuciosas dos encontros de Constance e Mellors.
O autor confere às duas personagens, o atributo de subverterem a submissão e a passividade femininas no acto sexual e coloca-as numa relação sincera, sem falsidade, já que ambos se desnudam e com ternura exploram mutuamente o corpo de cada um até ao prazer simultâneo.
Penso que sejam estas descrições que chocaram os puritanos de então. E será que hoje, ainda, chocam alguns?
Não vou revelar mais nada. Convido-vos à leitura. Mas posso concluir que o livro não se foca só em sexo. Aborda também, e muito bem, questões sobre a exploração do homem assalariado, o conservadorismo, o snobismo, o tédio nos divertimentos, os valores sociais e familiares de uma época pós-vitoriana (entre as duas guerras) e, por que não, a libertação feminina e o amor.







13 fevereiro, 2024

Carnaval, de Cecília Meireles

 


Patrick Collins | "The Clown" | 1960 
Centro de Arte Moderna Gulbenkian



Com os teus dedos feitos de tempo silencioso,
Modela a minha mascara, modela-a…
E veste-me essas roupas encantadas
Com que tu mesmo te escondes, ó oculto!

Põe nos meus lábios essa voz
Que só constrói perguntas,
E, à aparência com que me encobrires,
Dá um nome rápido, que se possa logo esquecer…

Eu irei pelas tuas ruas,
Cantando e dançando…
E lá, onde ninguém se reconhece,
Ninguém saberá quem sou,
À luz do teu Carnaval…

Modela a minha mascara!
Veste-me essas roupas!

Mas deixa na minha voz a eternidade
Dos teus dedos de silencioso tempo…
Mas deixa nas minhas roupas a saudade da tua forma…
E põe na minha dança o teu ritmo,
Para me conduzir…


Cecília Meireles

12 fevereiro, 2024

A Sala de Professores, de Ilker Çatak

 

com Leonie Benesch, Leonard Stettnisch

Longa-metragem | 1h 34min | M/12 | Alemanha | 2023 |

estreia 22.02.2024 | Medeia Filmes

Sinopse 

Carla Nowak, uma professora dedicada de Educação Física e Matemática, inicia o seu primeiro emprego numa escola secundária. Destaca-se dos outros docentes graças ao seu idealismo. Quando há uma série de roubos na escola e se suspeita de um dos seus alunos, ela decide investigar o caso. Carla tenta mediar entre pais indignados, colegas obstinados e alunos agressivos, mas vê-se implacavelmente confrontada com as estruturas do sistema escolar. Quanto mais desesperadamente tenta agir de forma correcta, mais a jovem professora se aproxima do seu limite.


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04 fevereiro, 2024

𝑶𝒔 𝑺𝒐𝒏𝒉𝒂𝒅𝒐𝒓𝒆𝒔, António Mota

 


Autor: António Mota
Título: Os Sonhadores
N.º de páginas:237
Editora: Gailivro
Edição (7.ª): Julho 2005
Classificação: Juvenil
N.º de Registo: (BE)


OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐



Ao ler este maravilhoso livro de António Mota, lembrei-me de imediato dos famosíssimos versos de Sebastião da Gama 𝑷𝒆𝒍𝒐 𝒔𝒐𝒏𝒉𝒐 é 𝒒𝒖𝒆 𝒗𝒂𝒎𝒐𝒔, / 𝒄𝒐𝒎𝒐𝒗𝒊𝒅𝒐𝒔 𝒆 𝒎𝒖𝒅𝒐𝒔./ 𝑪𝒉𝒆𝒈𝒂𝒎𝒐𝒔? 𝑵ã𝒐 𝒄𝒉𝒆𝒈𝒂𝒎𝒐𝒔? / 𝑯𝒂𝒋𝒂 𝒐𝒖 𝒏ã𝒐 𝒉𝒂𝒋𝒂 𝒇𝒓𝒖𝒕𝒐𝒔, / 𝒑𝒆𝒍𝒐 𝒔𝒐𝒏𝒉𝒐 é 𝒒𝒖𝒆 𝒗𝒂𝒎𝒐𝒔.

Em 𝑶𝒔 𝑺𝒐𝒏𝒉𝒂𝒅𝒐𝒓𝒆𝒔, a história narrada mostra que é pelos sonhos que vamos e que estes podem permanecer ao longo de uma vida. Na infância, os dois amigos, Hermenegildo Sousa e Armando Rosas, (Gildo e Rosas) viviam num lugarejo com grandes dificuldades, mas como todas as crianças tinham um sonho e correram atrás dele. Se houve ou não frutos, não o vou referir porque anularia o prazer da descoberta da narrativa.

É um livro dirigido aos mais jovens, aos sonhadores, a todos os que lutam e têm objectivos que gostariam de um dia ver realizados.


03 fevereiro, 2024

Não digas nada




NÃO DIGAS NADA!

Não digas nada!
Não, nem a verdade!
Há tanta suavidade
Em nada se dizer
E tudo se entender —
Tudo metade
De sentir e de ver...
Não digas nada!
Deixa esquecer.

Talvez que amanhã
Em outra paisagem
Digas que foi vã
Toda esta viagem
Até onde quis
Ser quem me agrada...
Mas ali fui feliz...
Não digas nada.

Fernando Pessoa, Poesias Inéditas (1930-1935)