21 setembro, 2019

A maior flor do mundo, de José Saramago


SINOPSE

E se as histórias para crianças passassem a ser de leitura obrigatória para os adultos?
Seriam eles capazes de aprender realmente o que há tanto tempo têm andado a ensinar?

OPINIÃO

A maior flor do mundo é uma linda história para crianças e adultos. Neste primeiro conto infantil, Saramago integra a história como personagem, interagindo com o leitor, colocando questões sobre a sua capacidade de escrever histórias para crianças e propondo mesmo que sejam estas a reescrever a história.

Claro que nesta simples e curta história há um ensinamento. Outra coisa não se esperaria do autor. Através de uma coisa muito simples como regar uma flor que, no entanto, exigiu esforço por parte da criança, se demonstram valores como a esperança, a perseverança e o amor.


17 setembro, 2019

Os Fios, de Sandra Catarino


SINOPSE

Numa noite de lobos em que todos rezam a Santa Bárbara e os mais velhos recordam uma tragédia antiga, chega misteriosamente à aldeia um estrangeiro e a sua filha Madalena, de três anos, cujos olhos cinzentos tão depressa atraem como assustam.

Nessa mesma noite, a criada do solar vem chamar Violeta para que acuda à sua senhora - pois a hora do parto chegou intempestiva - e Celeste nascerá pouco depois, ignorando que a solidão rodeará grande parte da sua vida. No Fundo do Lugar, onde a água da chuva irrompe em ondas pelas casas mais pobres, é a vez de Samuel - o que desenha bichos no chão dos quintais e imita o canto das aves - temer, como sempre, pela vida da mãe.

Madalena, Celeste e Samuel são os lados desiguais do triângulo donde brotam os fios desta história, contada por três mulheres que se assemelham a fiandeiras do tempo: Antónia, a viúva que tricota camisolas e mantas, acrescentando dias à vida de cada um; Violeta, a que apara nas mãos os filhos da terra e guarda segredos tristes numa gaveta; e Emília, a que ouve em sonhos o afiar de facas e calcula os caminhos que a morte escolhe percorrer.

Os Fios - romance de estreia que revela uma surpreendente maturidade literária - combina de forma magistral a crueza do meio rural com um lirismo inesperado e bem-vindo que torna esta narrativa mágica e poderosamente empática.

OPINIÃO

Adorei este romance. A narrativa de Sandra Catarina revela uma profunda sensibilidade. Com capítulos curtos, alguns de uma só página, numa escrita poética e ilusoriamente simples, a autora descreve um meio rural onde todos se conhecem e partilham as memórias, as crenças, as doenças, o sofrimento e também a coscuvilhice. 

“Poucos viram, mas toda a aldeia sabe.” (p. 83) 

Os Fios tricotados por Antónia representam a metáfora da vida, a passagem do tempo. 

“Em casa, ponho-me a tricotar-lhe uma camisola, como no início. Talvez para me convencer de que volta. Vou precisar de vários novelos, tantos fios quantos os caminhos que ele fará na floresta até encontrar o seu destino. Escolho uma lã verde da cor dos caules, a condizer com a sua alma.” (p. 149) 

“Este é o tempo de rasgar outro será o de coser” (p. 117). 

Antónia, Violeta e Emília são as três mulheres que (cada uma com uma missão muito particular) contam a vida da aldeia, que vão desbravando o caminho, que estabelecem a ligação entre as personagens e os acontecimentos. Uns tristes, outros mágicos. Prefiro os últimos: o som do violino, os dedos a deslizar nas teclas, o perfume das flores, o voo dos pássaros de papel, os desenhos de animais… 

“ Levo-os para a mesa e espalho-os sobre o tampo. Não são suficientes para conceder desejos, o professor sempre nos falou em bandos de mil, provavelmente foram por isso que nunca cheguei a ver o mar. (…) Abro um dos pássaros, para me lembrar de como se fazem, e volto a dobrá-lo por tentativas, acertando os vincos. (…) Lá do alto, o Francesco lança os pássaros. Olho para o céu e avisto-lhes as plumagens brancas, pardas, cinzentas, feitas dos papéis que recolhi durante meses…

 “Aos poucos, tudo se fazia constelação” (p.196)




11 setembro, 2019

A Sibila, de Agustina Bessa Luís





SINOPSE

O norte de Portugal, em finais do século xix, na propriedade da Vessada, há já muito tempo que são as mulheres que, perante a indolência e os sonhos de evasão que os homens alimentam, asseguram como podem a gestão da propriedade. Quina era uma adolescente franzina e inculta, que desde cedo participava nos trabalhos do campo ao lado dos trabalhadores. Com a morte do pai, com a propriedade quase em abandono, Quina passa a ter que ter uma ainda maior responsabilidade na administração da mesma. Graças ao seu esforço a todos os níveis, começa a acumular de novo a riqueza que seu pai desperdiçara, o que lhe vale a admiração da sociedade. Quina era uma pessoa lúcida, astuta e sempre em demandas, o que faz com que esta se torne conhecida por Sibila…

O romance A Sibila foi concluído no dia 16 de Janeiro de 1953 e logo depois apresentado ao Prémio de romance Delfim Guimarães, instituído pela Guimarães Editores, que lhe foi atribuído. Foi publicado pela primeira vez, logo depois, em 1954, há 55 anos. Esta edição fixa o texto definitivo da obra. É o livro mais famoso da autora, traduzido em várias línguas.


OPINIÃO

Li A Sibila em 82 ou 83 (comprei o livro em Fevereiro de 1982). Lembro-me que não gostei muito porque achei a escrita difícil e densa. Bem mais tarde, tentei reconciliar-me com a escrita da autora e li outros livros. Porém, nunca mais peguei neste até que li (este ano) O Poço e a Estrada – Biografia de Agustina Bessa-Luís, de Isabel Rio Novo. Nesta biografia, para além de várias referências à obra que trouxe reconhecimento à autora, há um capítulo dedicado a A Sibila. Decidi dar-lhe uma segunda oportunidade, pois conhecendo melhor Agustina, certamente estaria mais apta a compreender a sua obra. E assim foi. A idade altera a forma como entendemos um livro. Por vezes, podemos “matar” um escritor porque fomos obrigados a lê-lo ou porque ainda não temos maturidade para o entendermos. 

Quina, a sibila, é uma personagem fabulosa. “Estava perfeita no seu cargo de sibila, pois conhecia a alma humana de dentro para fora, o que é talvez prever sempre nela o imprevisível, sem, porém, chegar a compreendê-la.” (p. 135) 

A figura feminina é o ponto fulcral desta narrativa. São as mulheres da família Teixeira que suportam a decadência e o ressurgimento da casa da Vessada. Na obra, paralelamente à vida humilde, de luta e de trabalho levada por Quina, existe uma vida burguesa de luxo e de futilidade. Quina com a sua sabedoria manteve-se sempre fiel aos seus valores e desprezou os da burguesia embora se tenha servido dela para reerguer o seu património. 

“Essa fidelidade ao sangue era lei em toda a família, e Quina sempre a cumprira” (p. 224) 

Vale a pena (re)ler Agustina Bessa-Luís. Este ou outros livros.



01 setembro, 2019

mi Buenos Aires querido de Ernesto Schoo



SINOPSE

«Frente ao desafio de escrever sobre a complexa cidade de hoje, e a impossibilidade de abarcar Buenos Aires na sua densa malha urbana [...], vislumbrei uma única escolha possível: referir-me à "minha" cidade [...], o espaço delimitado onde decorreu a minha já longa vida. Haverá leitores que me critiquem pelo facto de não me ocupar do tango, do bairro de La Boca, da vida nocturna ou da calle Corrientes. Preferi deixar esses lugares- comuns no sítio próprio, as páginas dos inúmeros guias turísticos que existem sobre o tema. [...] Ao reler-me, no final desta deambulação totalmente subjectiva pelas ruas, pelos lugares e pelos edifícios que me são familiares, deixo o alerta para os limites, talvez estreitos, das minhas andanças portenhas: o bairro Norte, a Recoleta, Palermo, um pouco do centro, um pouco dos bairros de prestígio, como Belgrano ou Flores. Pouco mais: há zonas inteiras da cidade que me são estranhas, e lamento-o. Mas quero ser fiel aos cenários que conheço em vez de fingir uma cidadania ecuménica, essa espécie de condição absoluta de portenho a que aspiram imaginariamente alguns vates antiquados.»


OPINIÃO

Ernesto Schoo, jornalista argentino, apresenta-nos neste livro a sua Buenos Aires, a sua cidade, como ele próprio o refere “vislumbrei uma única escolha possível, referir-me à ”minha” cidade, o espaço delimitado onde decorreu a minha já longa vida”. Ele não pretende que o seu livro seja um guia turístico, mas sim a descrição do vivido, do observado e do recordado. 

Assim, numa prosa clara, elegante e sentimental, temos um relato que inclui, naturalmente, momentos da vida do autor. Como se deambulasse pela “sua” cidade, o autor descreve-nos os recantos frequentados, as ruas percorridas, as caminhadas silenciosas, os bairros e as várias influências arquitectónicas, os cemitérios, os jardins, as árvores, os teatros, e claro, a reconciliação dos portenhos com o rio “indolente e cor de terra”. 

“O Jardim Botânico é um daqueles lugares, bastante raros em Buenos Aires, onde o tempo se detém, a vertigem da grande cidade se anula e surge, misteriosamente, um espaço de sossego”.