27 janeiro, 2020

Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto




O DEVER DE LEMBRAR AUSCHWITZ


"Amanhã fico triste,
Amanhã.
Hoje não.
Hoje fico alegre.
E todos os dias,
por mais amargos que sejam,
Eu digo:
Amanhã fico triste,
Hoje não.
Para Hoje e todos os outros dias!!"
(Encontrado na parede de 1 dormitório de crianças do campo de extermínio nazista de Auschwitz.)

26 janeiro, 2020

A Noite em que o Verão Acabou, de João Tordo



OPINIÃO


Não sou apreciadora de Thrillers. Decidi ler este porque é do João Tordo e porque fiquei curiosa de perceber o que o distinguiria dos seus outros livros. Para mim, é mais um romance. O autor gosta de matar as suas personagens e de criar suspense. Em vários livros seus isso acontece e este é mais um. 

O enredo é narrado em vários tempos e espaços (João Tordo gosta de fazer viajar as suas personagens para vários destinos e volta e meia “regressa” a Nova Iorque) e contém várias histórias que no final se conjugam e todas as peças encaixam na perfeição (e nisto o autor é fabuloso). Temos a história da família Walsh, da família Taborda e, ainda, a história de Pedro Taborda que pretende ser escritor. Esta é para mim, a parte fulcral do enredo, um jovem apaixonado e ambicioso que procura encontrar-se e construir-se como escritor ao ponto de se candidatar, a “um lugar nas aulas de Gary List”, o seu escritor preferido que leccionava uma cadeira na New York University. A paixão que tem por Laura Walsh e o seu envolvimento na tentativa de resolução dos homicídios são os ingredientes certos para o seu crescimento como escritor. 
“Aquele caso (o que acontecera naquela noite de catorze de Setembro) era, na verdade, uma história de amor. Ou mais de uma.
E o amor é, será sempre, uma coisa inexplicável. É o lugar onde todas as coisas nascem e onde todas as coisas perecem (…) que é impossível metê-lo nas páginas de um livro, sobretudo porque o amor é também caos e dispersão, é também miséria, ódio, traição, sexo, ambição e inveja.” (p. 655). 

Todos estes ingredientes integram este livro que apesar da sua extensão, 667 páginas, se lê muito bem. A escrita clara e fluída e o enredo surpreendente agarram muito bem o leitor.



20 janeiro, 2020

Os que Sucumbem e os que se Salvam, de Primo Levi



OPINIÃO

Com este livro concluí a leitura da trilogia de Auschwitz. Quarenta anos depois de ter escrito Se Isto é um homem, Primo Levi aborda de novo a problemática do Holocausto. Desta vez, tenta dar resposta às muitas questões que se lhe colocam constantemente sobre o extermínio causado pelos nazis. 

“Teremos sido capazes, nós sobreviventes, de compreender e de fazer compreender a nossa experiência?” (p.41)

Temos uma análise muito lúcida e dolorosa sobre os acontecimentos no Lager, sobre as atrocidades praticadas, sobre a desumanização, a humilhação e a “violência inútil” exercidas sobre os prisioneiros. No último capítulo “Cartas de alemães”, e no seguimento da tradução e publicação do seu livro Se Isto é um homem, na Alemanha (1959), Primo Levi, aborda também a questão da culpa em relação à opressão nazi. Nas várias cartas que recebeu e nas que transcreveu verifica-se que foi sentida e assumida por alguns, ignorada e negada por outros. 
Como o autor tem receio que estes factos caiam no esquecimento quer por parte dos sobreviventes como forma de atenuar a dor, quer por parte dos opressores para se distanciarem dos factos e assim aliviarem a culpa e a vergonha (se é que alguma vez as sentiram), então lega-nos o seu testemunho, nos dois primeiros livros, e as suas reflexões neste último para que a “memória colectiva” permaneça viva e passe de geração em geração. 

“À distância de quarenta anos, a minha tatuagem tornou-se parte do meu corpo. Não me vanglorio nem me envergonho dela, não a exibo nem a escondo. Mostro-a de má vontade a quem mo pede por simples curiosidade; prontamente e com ira a quem se declara incrédulo. Os jovens muitas vezes perguntam-me porque é que não a mando apagar, e isto espanta-me: porque havia de fazê-lo? Não somos muito no mundo a trazer este testemunho.” (p.138)



11 janeiro, 2020

Al Berto - dia de aniversário



NOITE DE LISBOA COM AUTO-RETRATO E SOMBRA DE IAN CURTIS



filamentos de gelatinoso néon
invadem a catedral em celulóide do filme nocturno:
arquitectura de asas abóbadas de vento
pássaros de lixo
som
pálpebras de lodo sobre a boca do homem
que rasteja de engate em engate pelas avenidas da memória
e quando encontra a porta de um bar
mergulha no inferno
bebe furiosamente
o peito encostado ao zinco sujo
duma geração de subúrbio presentes
aqui os jovens, com a canga nos ombros
e o mundo poderia desabar dentro de 5 minutos
o copo estilhaça os vidros esfregados
nos ombros
no peito onde uma veia rebenta
para mostrar o radioso canto
depois dança contorce-se embriagado
sobre o rosto suado
com a ponta dos dedos espalha sangue e cuspo
construindo a derradeira máscara
cai para dentro do seu próprio labirinto
como se a verticalidade do corpo fosse um veneno
domina-o um estertor
uma corda invisível ata-lhe a voz
não se moverá mais
apesar de nunca ter avistado os órgãos profundos do corpo
sabe que também eles se calaram para sempre
a noite é imensa e já não tem ruídos
a morte vem dos pés sobe à cabeça
alastra ferozmente
mas a sua inquietante brancura só é perceptível
na súbita erecção do enforcado


Al Berto 


10 janeiro, 2020

A criança em ruínas, de José Luís Peixoto



OPINIÃO


Por questões de trabalho, volto a ler este pequeno livro de poesia. Faço-o sempre com muito prazer, pois gosto da escrita do JLP. É um livro pleno de sensibilidade, com resquícios de tristeza e de saudade muito presentes no seu primeiro livro Morreste-me. 
O autor partilha com o leitor a solidão e a dor causadas pela desintegração/separação da família: a perda do pai, a saída de casa das irmãs, o alheamento da mãe.

“na hora de pôr a mesa, somos cinco,
menos a minha irmã mais velha que está
na casa dela, menos a minha irmã mais
nova que está na casa dela, menos o meu
pai, menos a minha mãe viúva. cada um
deles é um lugar vazio nesta mesa onde
como sozinho. mas irão estar sempre aqui.
na hora de pôr a mesa, seremos sempre cinco.
enquanto um de nós estiver vivo, seremos
sempre cinco.” 

Para colmatar a saudade e a angústia dos lugares vazios, (“o teu sono anoiteceu mais que as mortes/que posso suportar e hei-de escrever-te/sempre e mais uma vez sozinho nesta noite”) o autor evoca a infância, relembra e (re)vive momentos de felicidade, de ternura e de amor. “recordas mãe a segurança /calada dos nossos abraços distantes?”

É impossível ficar indiferente a tanta melancolia e sensibilidade porque, afinal, em todos nós, há um pouco desta “criança em ruínas” que tenta sobreviver à tristeza e que acredita na existência da felicidade. 

“um dia, quando a ternura for a única regra da manhã, 
acordarei entre os teus braços. a tua pele será talvez demasiado bela. 
e a luz compreenderá a impossível compreensão do amor. 
um dia, quando a chuva secar na memória, quando o inverno for 
tão distante, quando o frio responder devagar com a voz arrastada 
de um velho, estarei contigo e cantarão pássaros no parapeito da 
nossa janela. sim, cantarão pássaros, haverá flores, mas nada disso 
será culpa minha, porque eu acordarei nos teus braços e não direi 
nem uma palavra, nem o princípio de uma palavra, para não estragar 
a perfeição da felicidade.”



07 janeiro, 2020

Karen, de Ana Teresa Pereira


OPINIÃO

Parti com grandes expectativas para a leitura deste livro porque as recomendações eram muitas e boas. Fiquei um pouco desapontada com o final, pois temo não o ter bem entendido. Ou será que o final fica em aberto para manter a ambiguidade existente na identidade da personagem? 

Quanto ao enredo até funcionou bem e gostei. Uma rapariga que cai numa cascata e perde a memória. É ela que nos conta a sua história vivida no presente, imaginada, recordada “ Imagining… no, remembering… estava a tornar-se difícil separar o que imaginava do que recordava”. Esta dificuldade passou bem para o leitor que se deixa envolver neste mistério e que permanece na dúvida em relação à identidade de Karen. É mesmo ela ou há uma outra?
Como gostei da escrita, vou ter de dar outra oportunidade à autora, mas com outro livro e talvez até volte a este. 



05 janeiro, 2020

Deste Mundo e do Outro, de José Saramago


OPINIÃO




Temos 60 crónicas publicadas em 1968 e 69 no jornal A Capital. Não podemos esquecer que nesta época tudo era dito com meias palavras, nas entrelinhas “E eu, rapazinho que vivia apertado na pele que lhe coubera, lançava o bafo às vidraças e traçava desenhos incompreensíveis, com a vaga inquietação de quem adivinha que há nas coisas sentidos ocultos que só ocultamente podem ser entendidos.” (p. 32).

Saramago, a certa altura, numa crónica intitulada Viagens na minha terra, revisita à obra de Almeida Garrett, apresenta a seguinte questão: “Crónicas, que são? Pretextos, ou testemunhos? São o que podem ser.” (p. 50). 

Considero que estes textos são precisamente testemunhos, reflexões, uns mais irónicos que outros, do autor sobre pessoas importantes da sua vida (avô e avó maternos), sobre escritores que o marcaram, sobre aspectos da sua infância (a casa onde viveu), factos do dia-a-dia (cidade, amola-tesouras, praia, férias, etc), acontecimentos importantes (a ida à lua). Os textos estão tão bem escritos que alguns são autênticos contos. Ele próprio refere “Amigos, esta história é verdadeira. Todas as minhas histórias são verdadeiras, só que às vezes me foge a mão e meto na trama seca da verdade um leve fio colorido que tem nome fantasia, imaginação ou visão dupla.” (p. 59.) 

Outro aspecto que me agradou bastante é a cumplicidade estabelecida entre autor e leitor, há uma constante interpelação ao leitor “perdoará o leitor que eu me deixe escorregar pelo declive das utopias” (p. 77); “Dê-me a sua mão, leitor. Sente-se aqui, a meu lado, e escute a história simples do coração dos homens.” (p. 109); “Deu-me para aqui hoje, leitor. Tenha paciência e vire a página.” (p. 129); e por aí adiante. São múltiplos os exemplos e dou por mim a sorrir, pois adoro esta cumplicidade é como se eu fosse personagem dos textos de Saramago e isso é um tremendo privilégio.