30 dezembro, 2020

Balanço Final




Para preencher na totalidade os desafios, #desfiodeleituramantadehistorias20 #lêportuguês #escapadelaliterária e #lercomelas, propostos pelo Clube de Leitura Manta de Histórias, li 70 livros. 
Como o meu objectivo é não repetir livros nos vários desafios (apenas repeti um, mas li outro “pelo prazer de ler…” para compensar), só consegui ler 1 para o #hohohobooks. Ainda seleccionei outro, mas as novidades dos últimos dias, desviaram-me para outras tarefas, também muito interessantes…

Assim no total li 71 livros (tanta conversa para dizer isto):
- 32 de autores portugueses (16 Homens, 16 Mulheres);
- 6 de autores lusófonos (5 H, 1 M)
- 33 de autores estrangeiros (22 H, 11 M) este ano abusei de autores estrangeiros… 
destes autores, li 3 em língua francesa (é pouco)

Tentei diversificar os géneros literários, e para além dos específicos dos desafios, li poesia (vários), teatro e crónicas. Não li cartas/correspondência nem diários (talvez inclua no desfio de 2021)

Para além destes desafios, participo em tertúlias da minha escola e no Clube de Leitura do PNL, no GoodReads (estas duas atividades condicionam as leituras, já que indicam concretamente o livro a ler. Estas leituras integram também os desafios do CLMH. 
Finalmente, resta-me dizer que superei o número estabelecido de leituras no GoodReads. 
Agradeço o contributo de todos os que sugeriram livros e foram partilhando opiniões. 

Consultar a etiqueta Desafio de Leitura 2020 para aceder às opiniões dos livros lidos, carregar na imagem ou  aqui para aceder à página do Goodreads.



𝘈𝘴 𝘌𝘴𝘵𝘢çõ𝘦𝘴 𝘥𝘢 𝘝𝘪𝘥𝘢, de Agustina Bessa-Luís



OPINIÃO

Pequeno livro, pouco divulgado, penso eu, porém uma autêntica pérola dos usos e costumes da gente do norte. Estas Estações da Vida, são nada mais do que um elencar de “memórias de viagens de pequeno curso que, desde a infância, me transportam de um lugar ao outro.” (p.17). A autora na sua viagem “de comboio” à beira do Douro, transporta-nos para “antigas carruagens”; faz-nos descobrir pessoas, costumes e terriolas; desvenda-nos histórias narradas nos painéis de azulejos. 
Apesar de pequeno, a narrativa contém informação vasta sobre a época, Agustina narra com subtileza e uma ponta de ironia certos episódios que viveu ou observou da sua aldeia. “Desde a aldeia de Ariz, podíamos ver quem entrava no comboio, se usássemos um binóculo. Quem se tinha por ilustrado e ocioso elegante tinha um binóculo em casa.” (p.29)

Adoro este excerto que mostra a perspicácia e o sentido crítico de Agustina:

“(…)Ninguém levava farnel nas carruagens de primeira classe. (…) era tudo muito discreto, muito digno, não se tirava o chapéu nem as luvas nem se abanava o rosto com um papel pregueado. 
(…) Nas carruagens de segunda classe era tudo mais falado. Faziam-se amizades, trocavam-se merendas, conselhos, as mães diziam coisas dos filhos e como os criavam. (…) A alma sensata viajava em segunda classe, era opiniosa e moderada; escandalizava-se facilmente. (…) Enquanto na terceira classe era a festa, diziam-se larachas, derramava-se vinho, ouvia-se o piar dos frangos nas cestas de vime vermelho. (pp.21 a 23)

28 dezembro, 2020

𝓑𝓪𝓲𝓵𝓪𝓻𝓲𝓷𝓪𝓼 𝓭𝓮 𝓒𝓸𝓻𝓭𝓪, de Lília Tavares

 


OPINIÃO


“Que tumulto é este, que inquietude salta/ dos corações das mulheres que agitam as palavras?” (p.50). 
Assim, começa um dos poemas deste livro que enaltece e homenageia as mulheres. Todas as mulheres. A mulher-menina, a jovem mulher, mulher amada, mãe, esposa, marinheira, bordadeira, professora, abandonada, feliz, sonhadora, saudosa, perdida, conformada… 
“(…) abdicam de ser felizes/ ao largarem flores nos lugares onde choraram.” (p.31)

Todas bailarinas porque descritas com delicadeza, harmonia, elegância, mesmo quando “forçadas” a agir pela força da “corda”. 

“Há mulheres que diariamente são flores.
Frescas, portadoras de gotas de orvalho matinal.
Perfumam quem as rodeia como se fossem óleo aromático
em lamparinas que teimam em manter a claridade
na negrura da indiferença das noites longas.
Cantam.
São água que na madrugada sacia a avidez de colo
e de ternura.”

Ao longo dos 65 poemas, a mulher é descrita em união com a natureza, em harmonia com a beleza das flores, das aves, da água, do mar, mas também do vento, do sol, da noite.
“As mulheres têm a força de uma cascata /e a suavidade das violetas que respiram na janela.” (p.25)

Numa escrita poética, simples, emotiva e sincera, a mulher-poeta deixa transparecer a admiração, a gratidão, o carinho e o amor que sente por todas estas mulheres, sejam elas bailarinas porque felizes, fortes e amadas, ou bailarinas de corda porque conformadas e passivas, que preencheram ou ainda preenchem a sua vida. Há, assim, uma mulher que “agita as palavras” e as transforma em emoções.

“Tocam, cegas pelas palavras, labirintos de sonhos
e chegam ao seu lugar, um vasto areal de afectos que se
conjugam em todos os tempos, Ali quase todas as mulheres
ardem em incêndios efémeros e nos barcos dormem
ao som da ladainha verde das ondas. A praia no outono
é um leito frágil de silêncios e limos. São bailarinas
delicadas que se aconchegam nos braços amados, na
intermitência…
da luz. No abraço da noite, em mão amantes, os seus olhos
ousam uma certa forma de errância. Para elas
há muito as estrelas foram reticências. Contemplam
o firmamento na busca do significado para a claridade 
em andrómeda, órion e cassiopeia.



27 dezembro, 2020

𝘔𝘢𝘵𝘢𝘪-𝘷𝘰𝘴 𝘶𝘯𝘴 𝘢𝘰𝘴 𝘰𝘶𝘵𝘳𝘰𝘴, de Jorge Reis

 


OPINIÃO

Matai-vos uns aos outros é considerado um dos melhores romances do neo-realismo e “talvez o melhor romance policial português” (Óscar Lopes). Escrito em 1958 e publicado em 1962, foi proibido e retirado do mercado pela Censura, tendo circulado de forma clandestina. 
A narrativa decorre na localidade de Vila Velha, em 1948. O agente António Santiago tinha 36 anos e fora incumbido de desvendar a morte de Manuel dos Santos. 

“Caíra na Polícia Judiciária, não por temperamento ou vocação para esteio da ordem, mas por necessidade – e ainda a conselho e pelas cunhas do padrinho, chefe da brigada de costumes”. (p.17)

Muito bem escrito, com pinceladas de ironia, relata factos, episódios (alguns caricatos) e costumes de uma terra do interior. Na tentativa de descobrir o presumível assassino de entre dez suspeitos, Santiago, durante sete dias (de quarta a terça-feira) convive com a dita elite da terra, intercepta a hipocrisia, o oportunismo e a corrupção, assiste à violência da praça (guardas) e às manifestações de descontentamento e de pobreza do povo trabalhador e oprimido. 
Jorge Reis escolhe Vila Velha, mas é Portugal que pretende retratar. Narrando os factos e descrevendo aquelas personagens, o autor desvenda magistralmente os meandros da cumplicidade, da arrogância, da opressão e da violência das gentes do poder, da época.

“Triste época a nossa – ia dizendo D. Virgínia – Vivemos no reino dos cascas-grossas e dos brutos a arrotar a broa!... Antigamente, o homem era respeitado pelo seu valor pessoal!... Hoje!...” (p.76) 

“Enfim, um povo em estado de falência crónica”. (p.133) 

“(…) Pior: vivem no medo! Não o medo que, ante um perigo preciso, todo o homem cobra normalmente – senão esse pavor difuso, incerto, acabrunhador, medíocre que leva o vizinho a arrecear-se do vizinho, o irmão a denunciar o irmão! O medo filho da má consciência, do pão que sabe ao pó da mentira e dos caminhos do futuro vedados em todas as encruzilhadas!... “ (p. 149)


25 dezembro, 2020

Meia-Noite ou o Princípio do Mundo, de Richard Zimler

 



OPINIÃO

Este livro narra a história de John Zarco Stewart, filho de mãe judia e pai escocês, que nasceu no Porto em 1791. A acção vai decorrer sobretudo no início do século XIX (já John tem 9 anos) e relata vários episódios históricos como a perseguição aos judeus e cristãos-novos, as invasões francesas, a ascensão da Companhia das Vinhas, a escravatura no Estados-Unidos, sobretudo na Carolina do Sul. 


Para além destas referências históricas penso que é a história de John que verdadeiramente interessa. Sempre se revelou uma criança curiosa, afectuosa e traquinas. John foi crescendo rodeado de amor (pais e vizinhos e mais tarde a mulher e as filhas) e de amizade (Daniel e Violeta), mas também de traição. Contudo, é Meia-Noite, o curandeiro africano, trazido de África para o Porto pelo pai para o salvar, que lhe vai incutir valores e princípios que o sustentarão ao longo da sua vida, é ele que lhe forja uma personalidade forte e que lhe ensina a superar os seus próprios medos. 

Ao longo da narrativa vamos conhecendo as aventuras de John, os ensinamentos que vai adquirindo, as revelações do seu passado, as perdas e as conquistas, mas vamos sobretudo acompanhando o seu crescimento interior, a forma como (sobre)viveu à sombra do amor, mas também da culpa, da perda, da morte, causando-lhe ódios, revoltas, remorsos, dúvidas. 
Foram estas dúvidas que o levaram a uma busca incessante da verdade e a vencer a "hiena" que frequentemente o assaltava. 

É um romance fabuloso. É um romance que põe em evidência o carácter das pessoas, independentemente da sua cor de pele, de raça ou religião. É um romance sobre a perseguição, a opressão, a escravidão e a traição, mas também sobre o amor incondicional e sobre a fé e a crença e a esperança.


22 dezembro, 2020

Poema de Natal

Ilustração de Eva Montanari


Natal cada Natal

Quando na mais sublime dor,
A mulher dá à luz,
Há sempre um Anjo Anunciador
A murmurar-lhe ao coração — Jesus!

Cada criança é o Céu que vem
Pra nos remir do pecado
E as palhas d’oiro de Belém
Espalham-se no berço, como um Sol espelhado

Por sobre o lar presepial , o brilho
Da estrela abre o convite dos portais:
— Vinde adorar a floração do filho
No alvoroço da raiz dos pais.

António Manuel Couto Viana, in Mínimos

13 dezembro, 2020

𝗢 𝗔𝘀𝘀𝗼𝗯𝗶𝗮𝗱𝗼𝗿, de Ondjaki

 


OPINIÃO


Trata-se de uma novela composta por cinco partes com episódios curtos e insólitos. A escrita, como habitualmente em Ondjaki, é poética e “encantadora”. A acção decorre numa aldeia, em Angola, apenas habitada por velhos e burros e um padre onde, um dia, em Outubro, chegam duas personagens. A primeira é o Assobiador, que tinha um “assobiar harmonioso e cativador”; a segunda, é um caixeiro-viajante, “vendedor de bugigangas, de objectos para distrair ou encantar”. 
Foi, porém, o assobiador que veio perturbar a pacatez da aldeia. “A música, em assobio simples, recriava um novo universo dentro da paróquia e todos os corações da assistência – padre, pombos, andorinhas, o mundo!” (p.18). 
Ao longo da história, a música, a melodia do assobiador vai resgatar a alma e libertar o sonho dos habitantes, vai alterar o comportamento das pessoas e dos animais, vai despertar desejos e sentimentos, vai causar magia.

“A magia completou-se e todos agora, incluindo a árvore, podiam partilhar o momento assobiado. (…) Era evidente, para olhos e corações, que o mundo assim tão colorido destilava imagens brutalmente simples – de ternura.” (pp. 99 e 109).

09 dezembro, 2020

𝘒𝘢𝘭𝘭𝘰𝘤𝘢í𝘯𝘢, de karin Boye

 


OPINIÃO



Em Kallocaína, narrativa distópica, o indivíduo é completamente anulado e a sociedade é completamente controlada por um regime totalitarista. O Estado Mundial é o grande manipulador e opressor. 
Leo Kall, o protagonista, trabalha como químico, na Cidade Química número 4, e desenvolveu uma substância, Kallocaína, que depois de injectada nos indivíduos, os levará a revelar todos os segredos, medos, pensamentos, sentimentos, atitudes,… “– Uma coisa, pelo menos, é certa: o último resquício da nossa vida privada desaparecerá para sempre.” (p. 62)
Este método deverá ser aprovado pelo Estado Mundial e implementado como substituto de todos os demais métodos de investigação. 

Muito à semelhança de 1984, de George Orwell, tudo é vigiado, há olhos e ouvidos em todos os lares e a assistente doméstica “estava encarregadas de apresentar um relatório sobre a família no fim de semana.” (p.11). Nesta cidade não há lugar ao amor, à intimidade, ao convívio, ao sonho, à liberdade. Há sim, lugar ao medo, ao pesadelo, à denúncia, à desconfiança e à opressão.
 
Para quem goste de distopias, é um livro a ler



02 dezembro, 2020

Havia, de Joana Bértholo

  



OPINIÃO

Havia é um livro muito original com ilustrações de Daniel Melim que também escreveu o posfácio. 
O livro é composto por pequenos textos, sempre iniciados pela palavra Havia, (verbo impessoal). Cada texto é seguido de um outro pequeno texto, numa outra página, em jeito de conclusão, que serve para confirmar ou contrariar a tese do que foi lido antes. Os desenhos surgem logo depois, sempre dois iguais mas invertidos também em páginas diferentes e seguidas. 
Ora estamos perante um livro com histórias absurdas, desconcertantes, desconexas, divertidas, mas sempre com um propósito. Parece-me que através do nonsense, tal como As Aventures de Alice no País das Maravilhas (livro exemplar em relação à utilização do nonsense na literatura) e dos jogos de palavras e de ideias, a autora vai expondo o seu ponto de vista, quase sempre irónico, em relação a muitos aspetos do nosso quotidiano quer em termos sociais e ambientais quer em termos académicos. Aliás, a forma verbal “havia” tantas vezes atropelada na nossa língua, é, na minha opinião, esclarecedora da intenção da autora. Eis alguns exemplos: 

“Havia uma ilha rodeada de terra por todos os lados. Suponho que nem lagos existissem. (…) Mesmo assim, esta ilha sem água era um afamado destino turístico. As suas praias eram bastante concorridas. “ (p. 20) 

“Havia, uma, vírgula, com, uma, gritante, necessidade, de, protagonismo, Tal , não, era, a, sua, ânsia, de, aparecer, que, não, tolerava, qualquer, outro, tipo, de, pontuação, “ (p.36)

“Havia aquela via onde o homem que já não via fingia que via as miúdas passar. Na verdade não as via, mas deixem-no estar sossegado. É só um velho a lutar contra o Parkinson.” (p.111)

Concluindo, é um livro de leitura rápida e agradável que acaba, por vezes, por nos fazer reflectir e quase sempre sorrir. Havia e há muitas histórias estranhas, mas se ainda restassem dúvidas, na página 106, lê-se “Eu bem te avisei – este livro está cheio de histórias absurdas.”


01 dezembro, 2020

Eduardo Lourenço (23 de maio de 1923 - 1 de dezembro de 2020)

 


                                 
Com o livro "Pessoa Revisitado". © José Carlos Carvalho / Global Imagens


O ensaísta Eduardo Lourenço, de 97 anos, morreu hoje, dia 1 de dezembro, em Lisboa. Professor, filósofo, escritor, crítico literário, ensaísta, interventor cívico, várias vezes galardoado e distinguido, Eduardo Lourenço foi um dos pensadores mais proeminentes da cultura portuguesa.

Notícia completa em DN.pt