22 dezembro, 2024

𝑨 𝑩𝒓𝒆𝒗𝒆 𝑽𝒊𝒅𝒂 𝒅𝒂𝒔 𝑭𝒍𝒐𝒓𝒆𝒔, de Valérie Perrin


Autora: Valérie Perrin
Título: A Breve Vida das Flores
Tradutora: M.ª de Fátima Carmo
N.º de páginas: 444
Editora: Editorial Presença 
Edição: Fevereiro 2022
Classificação: Romance
N.º de Registo: (-)

OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐





15 dezembro, 2024

𝑶 𝑴𝒆𝒖 𝑷𝒂𝒊 𝑽𝒐𝒂𝒗𝒂, de Tânia Ganho



Autora: Tânia Ganho
Título: O Meu Pai Voava
N.º de páginas: 189
Editora: D. Quixote
Edição: Julho 2024
Classificação: Memórias
N.º de Registo: (3619)


OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐


Em O Meu Pai Voava, Tânia Ganho entretece pensamentos, memórias e desassossegos. Após a morte de seu pai, naturalmente, sentiu necessidade de manifestar os sentimentos e as dúvidas que a assolaram num momento de profunda tristeza. Foi na escrita que encontrou a forma de falar do luto e de glorificar o pai. Tânia Ganho, logo no início, informa o leitor que escreve este livro para se encontrar, para recalibrar a sua vida, para enfrentar a perda. “Não sei para quem escrevo estas palavras. Para ele, talvez. Para a minha mãe. É aqui que faço o luto. Desde que morreu, escrevo sem parar. Escrevo para recuperar o fulgor com que ele viveu, porque tudo se me afigura triste e ermo.” (p. 11)

Este pequeno livro é de uma sensibilidade extrema. Tânia Ganho cristaliza com imenso carinho episódios que viveram juntos. Recupera memórias, recordações; retrata o amor que os unia; narra episódios vividos em família, as conversas mantidas; fala da doença do pai, da perda de lucidez, da perda do sorriso do olhar, da perda das palavras, da sua “desmemória”; fala da morte, do velório; cita os livros que leu e os filmes que viu e que a ajudaram a ultrapassar a dor, mas não sabe a última palavra que o pai lhe disse. A última conversa que tiveram. A última vez que o pai a reconheceu.

Quem convive com doentes com Alzheimer sabe que é assim. Também eu deixei de saber o dia em que o meu pai deixou de me reconhecer, de falar comigo, de me dar um beijo. Por isso, este livro fez-me reviver o meu passado. Foi um submergir, de novo, à superfície. Foi um reabrir o que considerava há muito trancado. Pela mão da Tânia e pelas suas palavras recuperei momentos felizes da minha infância, da minha vida. Mais duro foi reacender passagens da doença, o fim de um tempo que acabou por arrastar a minha mãe.

Recomendo a leitura deste livro belo e corajoso. Há momentos que nos fazem sorrir, há outros mais dolorosos. A escrita, rigorosa no uso das palavras, revela, como já referi, uma tal sensibilidade que torna belos os momentos de tristeza. É, sem dúvida, uma bonita homenagem ao seu pai e um legado maravilhoso que partilha com o seu filho.
“A morte devolve-me o pai herói que, durante anos, a doença esbateu.”
(p. 147). É isto.

                           

11 dezembro, 2024

𝑮𝒐𝒐𝒅𝒃𝒚𝒆, 𝑪𝒐𝒍𝒖𝒎𝒃𝒖𝒔 𝒆 𝒄𝒊𝒏𝒄𝒐 𝒄𝒐𝒏𝒕𝒐𝒔, de Philip Roth

 


Autor: Philip Roth
Título: Goodbye, Columbus e cinco contos
Tradutor: Francisco Agarez
N.º de páginas: 293
Editora: D. Quixote
Edição(4.ª): Maio 2012
Classificação: Novela e contos
N.º de Registo: (3521)


OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐


O livro de Philip Roth é composto por uma novela e cinco contos. Todos incidem sobre aspectos da cultura, da religião e modos de vida dos judeus nos Estados Unidos. Neste seu livro de estreia, Roth já nos reverbera com o seu humor corrosivo tão presente em toda a sua obra.
Pelo viés da observação e com recurso a uma crítica humorada, Roth expõe de forma exímia os dogmas e os costumes do povo judaico.

Na novela Adeus, Columbus, Roth com uma escrita despojada entra no universo delicado de um primeiro amor entre Niel Klugman, um bibliotecário sem grandes recursos económicos, e Brenda Patimkin, uma rapariga de família riquíssima.
A narrativa, que se afasta da lamechice, do sentimentalismo barato, seduz de imediato o leitor que se deixa envolver pela subtileza da mensagem genuína e sensual da primeira experiência amorosa.

Os cinco contos que se seguem são uma sátira aos dogmas religiosos. Narram histórias intrigantes com consequências trágicas e finais absurdos. Roth recorre à ironia e à sátira para reflectir a respeito da fé e da tradição judaicas beliscadas pela civilização moderna.

Para quem conhece a obra de Roth e só agora lê este livro, percebe que o autor já no seu início dominava a arte da escrita. É um exercício interessante ler primeiro as obras de um autor consagrado e maduro e só depois descobrir a sua primeira obra. Não fiquei decepcionada. Philip Roth é um dos meus escritores de eleição.


08 dezembro, 2024

Notre-Dame de Paris

 

                                                    Foto: Bernat Armangue/AP Photo


Um dos maiores símbolos de Paris, a Catedral de Notre-Dame reabriu ao público, totalmente restaurada e ainda mais resplandecente, cinco anos após um incêndio devastador (15 de abril 2019). A cerimónia solene transmitida pela televisão francesa -France TV - mostrou ao mundo a nova imagem da Catedral. 

Tenho urgência em agendar uma visita à capital Francesa. 

___________

Não resisto em partilhar  uma das mais belas canções da música francesa dedicada à Catedral Notre-Dame .


Copyright belongs to owners)




Letra da canção:

Belle
C'est un mot qu'on dirait inventé pour elle
Quand elle danse et qu'elle met son corps à jour, tel
Un oiseau qui étend ses ailes pour s'envoler
Alors je sens l'enfer s'ouvrir sous mes pieds
J'ai posé mes yeux sous sa robe de gitane
À quoi me sert encore de prier Notre-Dame?
Quel
Est celui qui lui jettera la première pierre?
Celui-là ne mérite pas d'être sur terre
Ô Lucifer
Oh laisse-moi rien qu'une fois
Glisser mes doigts dans les cheveux d'Esméralda

Belle
Est-ce le diable qui s'est incarné en elle
Pour détourner mes yeux du Dieu éternel?
Qui a mis dans mon être ce désir charnel
Pour m'empêcher de regarder vers le Ciel?
Elle porte en elle le péché originel
La désirer fait-il de moi un criminel?
Celle
Qu'on prenait pour une fille de joie, une fille de rien
Semble soudain porter la croix du genre humain
Ô Notre-Dame
Oh laisse-moi rien qu'une fois
Pousser la porte du jardin d'Esméralda

Belle
Malgré ses grands yeux noirs qui vous ensorcellent
La demoiselle serait-elle encore pucelle?
Quand ses mouvements me font voir monts et merveilles
Sous son jupon aux couleurs de l'arc-en-ciel
Ma dulcinée laissez-moi vous être infidèle
Avant de vous avoir mené jusqu'à l'autel
Quel
Est l'homme qui détournerait son regard d'elle
Sous peine d'être changé en statue de sel
Ô Fleur-de-Lys
Je ne suis pas homme de foi
J'irai cueillir la fleur d'amour d'Esméralda

J'ai posé mes yeux sous sa robe de gitane
À quoi me sert encore de prier Notre-Dame?
Quel
Est celui qui lui jettera la première pierre
Celui-là ne mérite pas d'être sur terre
Ô Lucifer
Oh laisse-moi rien qu'une fois
Glisser mes doigts dans les cheveux d'Esméralda

Esméralda



06 dezembro, 2024

𝑴𝒐𝒖𝒔𝒄𝒉𝒊, 𝑶 𝑮𝒂𝒕𝒐 𝒅𝒆 𝑨𝒏𝒏𝒆 𝑭𝒓𝒂𝒏𝒌, de José Jorge Letria com ilustrações de Danuta Wojciechowska

 



Autor: José Jorge Letria
Título: Mouschi, O Gato de Anne Frank
Ilustradora: Danuta Wojciechowska
N.º de páginas: 36
Editora: Edições ASA
Edição (2.ª): Setembro 2002
Classificação: Infantil/Juvenil
N.º de Registo: (BE)


OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐



José Jorge Letria dá voz a um personagem muito especial, o gato Mouschi, para nos revelar a história angustiante da família de Anne Frank que se refugiou num anexo, de um sótão, durante dois anos.

A história narrada pelo gato, que esteve sempre com a família no anexo, centra-se, sobretudo na sua relação com a menina Anne Frank. É pelo seu sentir que acompanhamos o crescimento de Anne, ao longo destes dias: as suas angústias, a sua paixão pela escrita, registada no seu diário, o seu amor por Peter, os desentendimentos com a mãe, os seus sonhos, a sua crescente tristeza, e a sua captura por “cinco homens, um com a farda da polícia alemã”. É ainda pela sua voz que tomamos conhecimento que só o pai de Anne, sobrevive.

Quem conhece O Diário, de Anne Frank, já não é surpreendido pelo trágico final da família. Contudo, este pequeno livro, tão bem ilustrado pela Danuta Wojciechowska, é uma excelente abordagem, para iniciar os mais jovens aos horrores do holocausto, à perseguição dos judeus, ao extermínio nos campos de concentração.

Mouschi é um gato sensível, muito curioso e carinhoso que tudo faz para tornar os dias de Anne menos tristes, mas acaba por confessar que não compreende certas situações:
“Eu, como era gato, e ainda por cima um gato jovem, tinha dificuldade em compreender que aquela menina tinha perdido tudo o que contara para ela - os amigos, a escola, o sonho, a liberdade - e que aquele diário era um postigo que se abria para o exterior e a iluminava por dentro como uma vela que o vento não conseguia apagar ou uma estrela distante mas infinitamente amiga” (p. 12)

No final do livro, Mouschi fala-nos um pouco de si, da libertação de Amsterdão e termina a história com uma mensagem muito linda, carregada de simbolismo e actualíssima.

“Uma coisa é certa. Passaram tantos anos e eu, no pequeno céu dos gatos mortos de tristeza e solidão, nunca mais me esqueci da minha querida Anne Frank, nem nunca mais cheguei a perceber o que pode levar seres humanos a serem por vezes tão cruéis e tão violentos.
Se eu soubesse chorar, mesmo transformado em personagem deste livrinho de memórias, teria sempre duas lágrimas guardadas: uma para Anne e outra para o meu amor por ela. Quem matou esta menina merece ser castigado eternamente por todas as estrelas que há no céu.” (p. 36)

Recomendo este e outros livros que tratem esta temática. É importante que a memória permaneça viva. Não podemos ignorar o passado e permitir que seres humanos cruéis comandem a vida de pessoas inocentes. Infelizmente, o passado está, de novo, bem presente e, o céu continua a receber “estrelas”.



28 novembro, 2024

Canção da Plenitude



Não tenho mais os olhos de menina
nem corpo adolescente, e a pele
translúcida há muito se manchou.
Há rugas onde havia sedas, sou uma estrutura
agrandada pelos anos e o peso dos fardos
bons ou ruins.
(Carreguei muitos com gosto e alguns com rebeldia.)
O que te posso dar é mais que tudo
o que perdi: dou-te os meus ganhos.
A maturidade que consegue rir
quando em outros tempos choraria,
busca te agradar
quando antigamente quereria
apenas ser amada.
Posso dar-te muito mais do que beleza
e juventude agora: esses dourados anos
me ensinaram a amar melhor, com mais paciência
e não menos ardor, a entender-te
se precisas, a aguardar-te quando vais,
a dar-te regaço de amante e colo de amiga,
e sobretudo força - que vem do aprendizado.
Isso posso te dar: um mar antigo e confiável
cujas marés - mesmo se fogem - retornam,
cujas correntes ocultas não levam destroços
mas o sonho interminável das sereias.


Lya Luft, in Secreta Mirada

27 novembro, 2024

𝑴𝒂𝒕𝒂𝒓á𝒔 𝑼𝒎 𝑪𝒖𝒍𝒑𝒂𝒅𝒐 𝒆 𝑫𝒐𝒊𝒔 𝑰𝒏𝒐𝒄𝒆𝒏𝒕𝒆𝒔, Rodrigo Guedes de Carvalho

 

Autor: Rodrigo Guedes de Carvalho
Título: Matarás Um Culpado e Dois Inocentes
N.º de páginas: 350
Editora: D. Quixote
Edição: Outubro 2024
Classificação: Romance
N.º de Registo: (3627)



OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐



Quando terminei As Cinco Mães de Serafim, escrevi que o facto de o autor não ter desvendado alguns mistérios não era relevante para o propósito do livro porque o importante estava lá, dito directamente ou nas entrelinhas. Agora que li a sequela, considero que este livro tinha mesmo de ser escrito. A revelação dos segredos que ficaram em aberto, no anterior, torna a história da família Temeroso bem mais empolgante e emotiva. A narração do mistério que envolveu o desaparecimento de uma irmã do protagonista, Miguel Temeroso, e a morte de outras três, levanta questões profundas sobre noções de culpa, inocência, redenção. A tragédia ocorrida há 50 anos, na noite de 24 de Abril de 1974 acabou por passar quase despercebida, na pequena localidade de Gondarém, devido ao “acto revolucionário que fez cair o regime” e que ocorreu na mesma noite. Só o irmão, Miguel Serafim, permanece emotivamente perturbado (“Morri no dia em que morreram as minhas três irmãs. A única diferença é que continuei a respirar”), num estado de dúvida e de incompreensão, até ao dia em que lhe é revelado um segredo.

RGC mantém a escrita límpida e inteligente do romance anterior e já citado. Aprecio sobremaneira o entrelaçar dos tempos e das histórias que mantém o leitor suspenso. A atmosfera, neste livro, é bem mais densa e envolvente. Há uma aura de mistério, de sobrenatural, que engrandece a narrativa. Sem pressa e envoltas em suspense, as respostas vão surgindo, oscilando entre momentos de dúvidas e de confissões, de violência e de ternura, de desesperança e de aceitação, de encontros, de revelações e de libertação emocional.

Concluo, mantendo a convicção de que “a amizade talvez seja um outro nome para família”.
É esta a mensagem tão bem explorada nos dois livros do RGC e que, neste, eleva a narrativa a um patamar superior, que merece ser lido. No fundo, o importante não é saber quem e como matou. O importante é, mesmo, saber que há alguém, por perto e atento, para apoiar e erguer os que sobrevivem à dor, ao sofrimento.
Recomendo a leitura dos dois livros, contudo este, que pode ser lido de forma autónoma, é, para mim, muito mais impactante.


26 novembro, 2024

Escrevo para...

 



Tal como Al Berto, eu também não escrevo para seduzir...

Escrevo para me aquietar do desassossego que, de quando em vez, me invade, tal uma planta sugadora e me mergulha numa solidão devastadora.

Mas como a larva que se transforma em borboleta, procuro o mar para nele recuperar o fôlego necessário à transformação. 

É na longa contemplação do azul intenso que resgato dúvidas, fortaleço certezas e adquiro a plenitude que me permite, no silêncio de uma folha branca, escrever as palavras certas que resvalam na noite insone.

GR

21 novembro, 2024

Que nenhuma estrela queime o teu perfil, Sophia de Mello Breyner Andresen

 

                                                    Foto GR


Que nenhuma estrela queime o teu perfil
Que nenhum deus se lembre do teu nome
Que nem o vento passe onde tu passas.

Para ti eu criarei um dia puro
Livre como o vento e repetido
Como o florir das ondas ordenadas.


Sophia de Mello Breyner Andresen



20 novembro, 2024

𝑵ã𝒐 𝑺𝒐𝒎𝒐𝒔 𝑨𝒃𝒐𝒓𝒓𝒆𝒄𝒆𝒏𝒕𝒆𝒔: 𝑺ó 𝑷𝒓𝒆𝒄𝒊𝒔𝒂𝒎𝒐𝒔 𝒒𝒖𝒆 𝑨𝒍𝒈𝒖é𝒎 𝒏𝒐𝒔 𝑬𝒏𝒕𝒆𝒏𝒅𝒂, de Diana Borges

 Autora: Diana Borges
Título: Não somos Aborrecentes: Só Precisamos
que Alguém nos Entenda
N.º de páginas: 67
Editora: (independente)
Edição: Setembro 2024
Classificação: Testemunhos
N.º de Registo: (--)




OPINIÃO ⭐⭐⭐


Diana Borges é uma jovem estudante que ama as palavras. Conhecia-lhe o gosto pela leitura, a voz melodiosa e emotiva, mas desconhecia-lhe o hábito de registar as suas reflexões, angústias e emoções num diário muito pessoal e que, com incentivos de ordem vária, em boa hora, se transformou no seu primeiro livro.

Senti um enorme orgulho quando ela, com um brilhozinho nos olhos e um largo sorriso, me revelou que tinha editado um livro. Quis lê-lo imediatamente. Foi uma agradável surpresa, porque sendo a Diana ainda tão jovem, conquistou-me com uma escrita que evidencia uma responsabilidade e uma maturidade pouco comuns nos dias que correm. Convivo, diariamente, com jovens, por isso, refiro-o com segurança e conhecimento de causa.

Não Somos Aborrescentes, Só Precisamos que Alguém Nos Entenda assenta, essencialmente, em depoimentos de adolescentes que se centram em vivências muito íntimas como, o amor e o sexo na adolescência; os relacionamentos; o ambiente escolar; o bullying; os vícios; a depressão e a ansiedade.

Todos os testemunhos incidem sobre estes temas delicados, todos muito sensíveis, vividos por jovens (rapazes e raparigas). As reflexões da Diana, no final de cada temática, conduzidas com subtileza, mergulham na complexidade da vida destes jovens, nas suas inquietações que vão muito para além do problema das borbulhas ou do aspecto visual e expõem o que, também, ela viveu e sentiu, sobretudo quando teve de se ambientar e integrar numa cultura e mentalidade tão diferentes da sua.

O apelo que ecoa ao longo de várias páginas “EU NÃO QUERO ME MATAR”, bem como a repetição de verbos como “precisamos” e necessitamos” na reflexão final, demonstram que estes jovens não são “aborrecentes", apenas, e só, procuram a compreensão dos pares, dos pais, dos professores, dos educadores, da sociedade.

As sessenta e sete páginas deste livro são preciosíssimas para quem pretende entender e acompanhar os jovens. Recomendo. 




19 novembro, 2024

Galardoados com o Prémio Literário José Saramago




1999 - Natureza Morta, Paulo José Miranda - Portugal
2001 - Nenhum Olhar, José Luís Peixoto - Portugal
2003 - Sinfonia em Branco, Adriana Lisboa - Brasil
2005 - Jerusalém, Gonçalo M. Tavares - Portugal
2007- O Remorso de Baltazar Serapião, Valter Hugo Mãe - Portugal
2009 - As Três Vidas, João Tordo - Portugal
2011 - Os Malaquias, Andréa del Fuego - Brasil
2013 - Os Transparentes, Ondjaki - Angola
2015 - As Primeiras Coisas, Bruno Vieira Amaral - Portugal
2017 - A Resistência, Julián Fuks - Brasil
2019 - Pão de Açúcar, Afonso Reis Cabral - Portugal
2022 - Dor Fantasma, Rafael Gallo - Brasil
2024 - Morramos ao menos no porto, Francisco Mota Saraiva - Portugal



Francisco Mota Saraiva vence Prémio José Saramago 2024

 


O escritor Francisco Mota Saraiva, natural de Coimbra (1988), é o vencedor do Prémio Literário José Saramago pelo romance Morramos ao menos no porto.

O júri desta edição, destacou o facto de o livro possuir "uma qualidade quase musical" e "um estilo muito próprio, quase um idioma particular", que constroem "um romance impiedoso" e "corajoso".

A edição deste ano teve como jurados os escritores e anteriores premiados Adriana Lisboa e Paulo José Miranda, além de Pilar del Rio, presidente da Fundação José Saramago, Guilhermina Gomes, em representação da Fundação Círculo de Leitores e presidente do júri, e a escritora Lídia Jorge, membro honorário.

O escritor com o seu primeiro romance - Aqui onde canto e ardo - venceu o Prémio Literário Revelação Agustina Bessa-Luís 2023


15 novembro, 2024

𝑽𝒆𝒓𝒎𝒆𝒍𝒉𝒐 𝒅𝒆𝒍𝒊𝒄𝒂𝒅𝒐, de Teresa Veiga

 

Autora: Teresa Veiga
Título: vermelho delicado
N.º de páginas: 130
Editora: Tinta-da-China
Edição: Setembro 2024
Classificação: Contos
N.º de Registo: (3636)



OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐


É o primeiro livro que leio de Teresa Veiga e, como tinha boas referências, iniciei a leitura de Vermelho Delicado com grandes expectativas. Segundo várias opiniões, Teresa Veiga é mestre na narrativa curta e revela uma capacidade singular de criar personagens, sobretudo, femininas envoltas em mistério.

Assumo que fiquei rendida à beleza e à qualidade da sua escrita expressa neste conjunto de sete contos. Num estilo muito próprio e sedutor, a autora tece os seus enredos e dá protagonismo às mulheres, à excepção de um conto, e todas revelam desvarios mentais, vestígios de loucura que num universo de aparente normalidade, as transporta para situações da ordem do fantástico.

Teresa Veiga expõe os seus enredos como uma espécie de enigma, por exemplo, uma história só é validada se for narrada, de forma diferente, por duas pessoas. Como se de um jogo de espelhos se tratasse, ou então, parte de uma acção do quotidiano, de uma pista ínfima para nos conduzir, através de detalhes e de descrições sublimes, a um final incómodo que nem sempre é deslindado. A inquietação provocada pelo mistério não esclarecido advém de frases dúbias, de sentimentos contraditórios ou ambivalentes, de um final não revelado ou, apenas, sugerido.

No final de cada conto, o leitor permanece na dúvida se assimilou a mensagem, mas é aí que reside o encanto da leitura. O carácter de inacabado permite-nos imaginar, terminar a narrativa como nos apraz. Como se o leitor também existisse no enlace que imagina.

Fiquei seduzida pela escrita de Teresa Veiga. Uma escrita rigorosa e sóbria que abre possibilidades subtis, que usa a ironia e o humor para confundir. Uma escrita perturbante.




06 novembro, 2024

𝑨𝒖𝒈𝒖𝒔𝒕𝒂 𝑩. 𝑶𝒖 𝑨𝒔 𝑱𝒐𝒗𝒆𝒏𝒔 𝑰𝒏𝒔𝒕𝒓𝒖í𝒅𝒂𝒔 80 𝑨𝒏𝒐𝒔 𝑫𝒆𝒑𝒐𝒊𝒔, de Joana Bértholo

 

Autora: Joana Bértholo
Título: Augusta B. 
N.º de páginas: 99
Editora: Caminho
Edição: Maio 2024
Classificação: Novela
N.º de Registo: (3587)



OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐


Augusta B. ou as Jovens Instruídas 80 anos Depois, desvenda as peripécias de duas jovens de 22 anos que tentam publicar um anúncio igual ao de Agustina Bessa-Luís (ABL).
A novela de cerca de 100 páginas transporta-nos para dois universos bem distintos ou talvez não: o universo das aplicações de encontros, das redes sociais e o universo dos anúncios de jornais.

Joana Bértholo de forma inteligente e criativa explora o famoso anúncio publicado no primeiro de Janeiro, há 80 anos, por Agustina Bessa-Luís, uma jovem instruída, à procura de correspondência “inteligente e culta”.
Tendo, assim, Agustina e o anúncio como fio condutor, a autora cria uma novela que estabelece a ponte com a actualidade ao envolver as duas amigas, Raquel e Augusta, paralelamente, em encontros por via das aplicações e na replicação do famoso anúncio no jornal O Público. Todo o enredo gira à volta das tramas amorosas, das reflexões e interpelações das duas jovens e da narrativa sobre as dificuldades que enfrentam em publicar o anúncio “dado que o conteúdo não se enquadra com a linha editorial do jornal.”

O anúncio acabou por ser publicado, no entanto, não vou revelar de que forma para que não anule o prazer da descoberta. Posso afirmar que o paralelismo estabelecido entre o antes (1944) e o presente está muito bem conseguido. O que hoje é banal, era inconcebível há 80 anos, sobretudo por uma mulher. Neste simples gesto, fica claro como Agustina era uma mulher ousada, muito à frente do seu tempo.

Outro aspecto que me agradou imenso nesta novela é a intertextualidade com a obra de Agustina. A jovem Raquel, leitora ávida, vai despertando na sua amiga Augusta, mais vocacionada para as aplicações digitais na procura incessante da relação certa, um interesse cada vez maior ao ponto de se “estabelecer um diálogo interno” entre ela e Agustina.
“A Agustina-interior primava pela clarividência e segurança; sabia o que queria e não duvidava do seu valor nem enquanto scritora, nem enquanto mulher. Tudo aquilo que Augusta sentia que lhe faltava. Completavam-se.” (p. 77)

Recomendo muito este pequeno livro. Joana Bértholo tem a capacidade de nos agarrar às suas histórias. Esta é bem cativante e tem, para mim como professora bibliotecária, não um, mas dois finais felizes.

03 novembro, 2024

𝑼𝒎 𝑺𝒐𝒑𝒓𝒐 𝒅𝒆 𝑽𝒊𝒅𝒂 (𝑷𝒖𝒍𝒔𝒂çõ𝒆𝒔), de Clarice Lispector

 


Autora: Clarice Lispector
Título: Um Sopro de Vida (Pulsações)
N.º de páginas: 141
Editora: Relógio d' Água
Edição: Dezembro 2012
Classificação: Romance (inclassificável)
N.º de Registo: (3433)


OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐⭐


Um sopro de vida (Pulsações) foi publicado postumamente (1978). O livro, dividido em três partes: 1) O Sonho Acordado É Que É a Realidade, 2) Como Tornar Tudo Um Sonho Acordado? e 3) Livro de Ângela, foi escrito quando Clarice Lispector se encontrava gravemente doente.

Nele, Clarice Lispector traça um diálogo contínuo que se/nos submete, simultaneamente, a uma forte introspecção. Toda a narrativa é alicerçada em fragmentos dialogais, em vislumbres, em “instantâneos fotográficos das sensações – pensadas”, em trechos existenciais de auto reconhecimento, de auto questionamento, de auto negação. Ela constrói uma personagem e ao longo do livro mantém uma interação introspectiva fortíssima entre o narrador-criador (um autor) e a personagem criada (Angela Pralini).
“ (…) o que escrevo e Ângela escreve são trechos por assim dizer soltos, embora dentro de um contexto de… (…) são restos de uma demolição de alma, são cortes laterias de uma realidade que se me foge continuamente. Esses fragmentos de livro querem dizer que eu trabalho em ruínas.” (p. 17)

A interacção expõe as (in)capacidades, as (in)decisões, as invenções, os desejos (in)alcançados os sonhos e, desta forma, a personagem criada funciona como um espelho e cria uma dualidade, no sentido em que balança entre o que pensa e o que sente, entre a racionalidade e o instinto, entre a liberdade e a loucura, entre o vazio e a pungência da escrita..
“Tive um sonho nítido inexplicável; sonhei que brincava com o meu reflexo: Mas meu reflexo não estava num espelho, mas refletia uma outra pessoa que não eu.
Por causa desse sonho é que inventei Ângela como meu reflexo? (…) Será que criei Ângela para ter um diálogo comigo mesmo? Eu inventei Ângela porque preciso me inventar:” (pp. 23-26)

Este último livro impõe-se pelas reflexões e pela capacidade de Clarice Lispector dissecar as complexidades da existência humana. É magistral a forma como recorre à espiritualidade para se encontrar, para se absolver, para se aceitar. Numa prosa poética e imagética a autora explora temas como a criação literária, a identidade, a solidão, o silêncio, a liberdade, a loucura e a finitude.
“Escrever pode tornar a pessoa louca… Eu sei criar silêncio …Tenho medo de minha liberdade… o silêncio não é o vazio, é a plenitude”. (p. 48)

Quando terminamos a leitura, permanecemos em silêncio (de plenitude) e, calmamente, regressamos às quatro epígrafes citadas na abertura. Nesta fase, entendemo-las na perfeição. Contudo, extasio-me perante a segunda, “ A alegria absurda por excelência é a criação,” (de Nietzsche), que tão bem espelha a escrita de Clarice Lispector. E é de facto, também para o leitor, uma alegria quando nos deparamos com uma criação deste calibre.




Os versos que te fiz | Florbela Espanca

 


Deixa dizer-te os lindos versos raros
Que a minha boca tem pra te dizer !
São talhados em mármore de Paros
Cinzelados por mim pra te oferecer.

Têm dolência de veludos caros,
São como sedas pálidas a arder…
Deixa dizer-te os lindos versos raros
Que foram feitos pra te endoidecer !

Mas, meu Amor, eu não tos digo ainda…
Que a boca da mulher é sempre linda
Se dentro guarda um verso que não diz !

Amo-te tanto ! E nunca te beijei…
E nesse beijo, Amor, que eu te não dei
Guardo os versos mais lindos que te fiz!


Florbela Espanca



28 outubro, 2024

A face por trás da máscara

                                                      Foto retirada da Internet, do filme Joker: 
https://disparada.com.br/coringa-otimo-filme-mediano/
 



Desilusão.
Enorme desilusão.

Levo muito tempo a assumir que o relacionamento que tenho com uma pessoa se possa tornar numa verdadeira e sincera amizade. Dou-me bem com a maioria das pessoas com quem privo, quer pessoal quer profissionalmente. Mas quando se coloca a possibilidade de ter um/a amigo/a, fico ali num limbo e não avanço com confiança porque temo a desilusão de não ser correspondida. Torno-me exigente, crio parâmetros elevados e fico atenta aos mínimos pormenores. Este meu carácter vai-se agravando com a idade, no sentido em que vou afunilando as características que exijo para aceitar e retribuir a amizade de alguém.

Esta minha maneira de ser implica que tenha poucos amigos. Mas os que tenho, posso garantir que o são mesmo.

Apesar de todo o meu cuidado (exagerado, dir-me-ão), vou tendo algumas decepções. E, recentemente, esbarrei numa enorme.
No início, parece que adivinhava, foi um percurso difícil de aproximação, de aceitação da amizade. Não foi uma “amizade “ à primeira vista. Como quase sempre, criei as minhas barreiras e duvidei de algumas palavras, de algumas atitudes. Porque, como diz Saramago, “Dentro de nós há uma coisa que não tem nome, essa coisa é o que somos.” E, quando o que somos, é nutrido por algum aparente fingimento, a dúvida instala-se.
Hoje, entendo que essas minhas hesitações iniciais eram óbvias e que devia ter seguido a minha intuição. Ainda me pergunto como, com tanto cuidado que tenho, me deixei envolver e intuí que podia ser uma amizade sincera e recíproca.
Eu, fui ingénua, mas sincera. Acreditei nas palavras, não cudei nos sinais que ia detectando em pequenas acções, em algumas atitudes e que me lembro de ter questionado.
Fui considerada amiga enquanto deu jeito, enquanto havia proveito.
Lamento a desonestidade. Repugno a hipocrisia. Vivi tempos de inquietação, de incompreensão. Perguntar-me-ão se, por perder um/a amigo/a, vale a pena tanto desassossego. Sim, vale, porque, como já o referi, quando escolho ser “amiga” é porque acredito que é um ganho. Mas, desta vez, enganei-me e, recorro a uma citação de Bukowski que, talvez, clarifique o meu falhanço: “Para você, eu era um capítulo. Para mim, você era o livro”. Valorizei em demasia a relação de amizade. 

Passado cerca de um ano, o tempo curou a revolta, amansou a inquietação, mas a tristeza do engano ainda permanece.

Eu sei que “Uma andorinha não faz a Primavera”, mas a vida ensina-me a não colocar as expectativas muito elevadas, a duvidar, a agir com precaução. As pessoas desiludem-me cada vez mais e, isto, é tão válido nas amizades, como nas relações profissionais. As virtudes e os valores humanos estão em défice. 

GR


27 outubro, 2024

𝒄𝒐𝒎𝒑ê𝒏𝒅𝒊𝒐 𝒑𝒂𝒓𝒂 𝒅𝒆𝒔𝒆𝒏𝒕𝒆𝒓𝒓𝒂𝒓 𝒏𝒖𝒗𝒆𝒏𝒔, de Mia Couto

 


Autor: Mia Couto
Título: compêndio para desenterrar nuvens
N.º de páginas: 142
Editora: Caminho
Edição: Outubro 2023
Classificação: Contos
N.º de Registo: (3509)

OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐


Em compêndio para desenterrar nuvens, Mia Couto presenteia-nos com vinte e dois contos que testemunham fragmentos de vida de uma realidade moçambicana actual. Estas estórias entretecem o real e o imaginário, exploram cenários de um quotidiano difícil onde, ainda prevalece a guerra, a miséria, a violência, o analfabetismo.
“A vizinha fazia o luto, tal como fizera o viver: sem que ninguém se apercebesse de que existia.
Sabia-se dela quando, para além das paredes, escutávamos o marido que a espancava e nunca ninguém no bairro se deu ao incómodo de intervir. (…) Acudir, seria, além disso, um imperdoável desrespeito para com o dono da casa.” (p. 23)

Ao longo do livro e nos diversos textos, o autor de forma irónica relata factos e denuncia situações de violência, de alcoolismo, de “raivas milenares”, de “vozes subversivas”, de maleitas próprias da velhice, de “modernices” como as redes sociais e as tecnologias. Denota-se a preocupação do autor com a sociedade, com a guerra, com as pessoas que ainda se encontram enraizadas numa cultura “de um país sem chão”.

Mia Couto usa um estilo poético que lhe é bem particular, contudo, nestes textos distancia-se dos usuais neologismos, que tanto aprecio, e apropria-se de alguns provérbios (“Mais vale ter o tempo como doença do que o futuro como inimigo”) e do uso da oralidade tão característica das estórias africanas.

“Nessa noite, ninguém dormiu na aldeia, as pestanas palpitando como descontrolados ponteiros de um enlouquecido relógio.” (p. 35). É com imagens deliciosas como esta que Mia Couto convida o leitor a mergulhar nas emoções de um povo sofredor, apesar da sua riqueza cultural. Recomendo muito. 


25 outubro, 2024

F(o)lio 2024 | Festival Literário de Óbidos | Inquietação

 


18, 19 e 20 de Outubro de 2024. Três dias de Inquietação. Três dias de mergulho literário em boa companhia. 
Conversas feitas de palavras... de inquietação... de questionamento... Medo... Luto... Filosofia... Arte.... Humor... de sorrisos... de aplausos... de abraços...  de descobertas... Encontros...
Conversas feitas de música... de histórias contadas e cantadas com chapéus...
Convívio feito de brindes... degustação... chocalate...  palavras... sorrisos... abraços...
Autógrafos... Fotografias... Exposições... Ilustrações... Cartoons... Ecomercado... Tapetes... Beleza... 

Livrarias. Muitas livrarias. Livros. Muitos livros. Palavras leves, belas, pesadas... Muitas palavras...


  

. Madalena Sá Fernandes

. Mónica Ojeda
. Isabel Lucas

. José Luís Peixoto

. Max Potter
. Tiago Ferro
. José Mário Silva

. Orquestra Juvenil da SMRO 
. Inês Fouto

. António Castro Caeiro
. Valério Romão

. Sérgio Godinho
. Luís Afonso
. Cláudia Marques Santos

:Rui Couceiro
. Rafael Gallo

. Luisa Sobral
. Paula Cusati

. José Eduardo Agualusa
. Marta Lança
. Isabel Lucas

. Mia Couto
. Zeferino Coelho

. Juan gabriel Vásquez
. Karina Sainz Borgo
. Luís Ricardo Duarte

. Alberto Manguel
. Irene Vallejo
. António Costa Santos

. Melanie Russo 

. André Carrilho
. João Fazenda
.Pedro Piedade Marques









23 outubro, 2024

Morre lentamente...


  

Morre lentamente quem não viaja,
quem não lê, quem não ouve música,
quem não encontra graça em si mesmo.

Morre lentamente quem destrói o seu amor-próprio,
quem não se deixa ajudar.

Morre lentamente quem se transforma em escravo do
hábito,
repetindo todos os dias os mesmos trajetos,
quem não muda de marca,
não se arrisca a vestir uma nova cor
ou não conversa com quem não conhece.

Morre lentamente quem faz da televisão o seu guru.

Morre lentamente quem evita uma paixão,
quem prefere o negro sobre o branco
e os pontos sobre os "is" em detrimento de um
redemoinho de emoções justamente as que resgatam o brilho dos olhos, sorrisos dos bocejos, corações aos tropeços e sentimentos.

Morre lentamente quem não vira a mesa quando está infeliz,
quem não arrisca o certo pelo incerto para ir atrás de um
sonho, quem não se permite pelo menos uma vez na vida
fugir dos conselhos sensatos.

Morre lentamente, quem passa os dias queixando-se da
sua má sorte ou da chuva incessante.

Morre lentamente, quem abandona um projeto antes de
iniciá-lo, não pergunta sobre um assunto que desconhece
ou não responde quando lhe indagam sobre algo que sabe.

Morre lentamente...


Pablo Neruda

21 outubro, 2024

𝑶𝒍𝒉𝒂𝒓 𝒑𝒂𝒓𝒂 𝒕𝒓á𝒔, Juan Gabriel Vásquez


Autor: Juan Gabriel Vásquez
Título: Olhar para trás
Tradutor: Vasco Gato
N.º de páginas: 490
Editora: Alfaguara
Edição: Setembro 2021
Classificação: Romance
N.º de Registo: (3342)

OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐⭐


Olhar para trás entrelaça uma história de vida, a de Sergio Cabrera, realizador colombiano, e a trajetória política da Colômbia e da China do século XX.
Juan Gabriel Vásquez (JGV) mesclando realidade e ficção, de forma sublime, oferece-nos um relato avassalador. Pela voz do protagonista, Sergio Cabrera, percorremos caminhos complexos da Guerra Civil de Espanha, do exílio na América Latina (vários países), da Revolução Cultural da China de Mao e da guerrilha na selva colombiana.

A morte de Fausto Cabrera, pai de Sergio, com 92 anos surge no início da narrativa e é o pretexto para a rememoração de uma vida fascinante repleta de lutas, de convicções, de mágoas, de silêncios, mas também de amor pela família, pela causa política, pelo cinema.
Sergio Cabrera e a sua família (avô, pais e irmã) viveram de forma activa e determinada os ideais de esquerda. Viveram na China para um melhor entendimento da ideologia de Mao e regressaram à Colômbia com o intuito de replicarem os seus conhecimentos, integrando os grupos de guerrilha durante alguns anos.
Decepcionados e desencantados pelas acções do partido comunista, acabam por abandonar a guerrilha e fugir do país. “ A decepção de Luz Elena (a mãe) foi dilacerante. Sentia-se traída pelo partido ao qual entregara os últimos anos da sua vida.” (p. 420). O pai que “era uma figura de renome, da qual a gente do teatro (mas também a da televisão e do cinema) falava com o respeito suscitado pelos pioneiros, ainda que as controvérsias sempre o tivessem rodeado e tivesse tantos amigos como inimigos.” (p. 16).
A morte do pai marca, para o filho, o fim de um ciclo. Sérgio, então em Lisboa, com uma restrospectiva dos seus filmes agendada para Barcelona, decide que não viajará para assistir ao funeral do seu pai, na Colômbia. O seu “lugar é com os vivos, não com os mortos.” (p. 24)

Este livro, Olhar para trás, resgata a memória de um passado doloroso da história colombiana. A partir das conversas que JGV manteve com Sergio Cabrera e a sua irmã Marianella, ao longo de sete anos, e da recolha de testemunhos, o autor constrói a narrativa de uma família devastada e decepcionada pelo fanatismo comunista. A partir dos factos vividos, nas contradições e nas emoções reveladas por Sergio, o autor acrescenta-lhe a sua subjectividade e interpretação e lega-nos um romance brutal que tem tanto de histórico como de vida privada e intima.

No F(o)lio, em Óbidos, JGV referiu que “um romancista não vale nada se não for um historiador de emoções”. Penso que neste romance o conseguiu muito bem porque a sua narração vai muito para além da mera descrição dos factos vividos por Sergio Cabrera. Esta afirmação, também referida por outras palavras, na Nota do autor, clarifica a epígrafe de abertura deste livro:
“Pois, segundo a nossa visão das coisas, um romance deveria ser a biografia de um homem ou de um caso, e toda a biografia de um homem ou de um caso deveria ser um romance” (FORD MADOX FORD)

Recomendo. Li, apenas, dois dos vários livros publicados em Portugal, mas fica a promessa de outras leituras.


13 outubro, 2024

Desafio de escrita criativa lançado por João Pinto Coelho

 


Querem um desafio a sério? Então leiam até ao fim:

Há uns dias, vi esta mulher numa praia às moscas. Chegou cedo ao areal, não se despiu, sentou-se, olhou para o mar e começou a escrever.
Para um romancista, o voyeurismo é tão irresistível como as leituras vorazes, por isso, expondo-me aos vosso insulto, fotografei-a às escondidas.
Usei zoom para os pormenores, preservo-lhe o anonimato.
Vejam a sequência das imagens, uma sequência que se repetiu pela manhã fora:
1 - escreve,
2 - olha demoradamente sei lá para onde,
3 - volta a escrever, olha em frente. (o que a detém? Será sintaxe? Será paixão?)
... e por aí adiante.

Quem é ela?
Para quem escreve?
O que escreve?
Uma carta de amor? de despedida? Com o que sei desta mulher, pode não passar de uma lista do supermercado.
Mas não vos apetece propor outra coisa? Não vos apetece escrever um conto?
Se não vos parecer irresistível, por favor, nem tentem. Será sempre coisa pequena, 1500 palavras, no máximo.
Não sei se precisam de detalhes para a vossa história, mas ela escreve a lápis numa folha azul. E pousa-a num romance…  ou será num livro de poemas?
E se for num livro de poemas, será provável que um deles, se calhar o de abertura, lhe seja dirigido?
Já adivinharam até onde podem ir com quatro fotografias?

Escrevam, partilhem com quem goste de escrever, mandem-me o que fizeram e, se quiserem, publico-o na minha página.

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O resultado:


O mar. Sempre o mar

Era cedo. O sol ainda se escondia para além das nuvens. O mar, no seu vai e vem, cortava o silêncio de uma praia ainda vazia, ou quase.

A mulher chegou num passo decidido, estendeu a toalha, descalçou as sandálias e sentou-se. Repentinamente, tirou do saco um livro e abriu-o para retirar as folhas azuis que lá se encontravam. Com um lápis escreveu, riscou o que escrevera, olhou para o horizonte como se ensaiasse as palavras que ia escrever, respirou profundamente, debruçou-se sobre as folhas e escreveu. Escreveu durante uns longos minutos. Riscou, mirou de novo o mar, e voltou a escrever. Pressentia-se a urgência da escrita.

Maria já antes tinha tentado resgatar no papel as emoções de um longo fim-de-semana passado a dois. O sorriso de M. veio quebrar a monotonia de uma vida arrumada, há muito sem surpresas. Foram três dias de companheirismo, de risadas, de sol, de mar, de desejos saciados. Três dias que passaram num ápice e, provavelmente, sem repetição. M. habitava noutro lugar.

Sentia necessidade de transpor para o papel tudo o que viveu. Pareceu-lhe a única maneira fiável de manter viva essa memória e, quem sabe, um dia, talvez ousasse enviar uma cópia a M.

Em casa, no pouco tempo livre que dispunha, tentou fazê-lo mas faltava-lhe a concentração, achava ela. Desculpou-se com o barulho do autoclismo do vizinho ao lado, com a música do adolescente do piso inferior, com a agitação da rua, com o cansaço do dia de trabalho. O papel permanecia virgem, não era capaz de expressar o que sentira, o que vivera.

Certo dia, levantou-se cedo, não tinha obrigações definidas. Procurou o livro que andava a ler, Mãe, Doce Mar. Há vários dias que não lhe pegava. A cabeça andava desarrumada, as palavras que aí se emaranhavam eram outras. Olhou de novo para a capa do livro e esboçou um sorriso. Pegou nele, colocou no interior as folhas azuis e saiu apressada e convictamente. Como não pensara nisso antes.

Sentada na praia ainda pouco movimentada, as frases que em casa lhe faltaram, surgiram, primeiro, impetuosas e atabalhoadas. Depois, as palavras alinharam-se com as emoções e foi construindo uma história, a sua, que espelhava os momentos vividos e partilhados naquele engate de verão.

Quando pensou ter concluído, satisfeita e orgulhosa, olhou em redor, calmamente e avistou um casal deitado lado a lado. Pensou em M. e gostaria que fossem eles, ali, a saborear o sol ainda fraco àquela hora da manhã. Retirou o olhar e o pensamento e viu, mais atrás, um homem sentado numa toalha com uma máquina fotográfica na mão. Se tivesse olhado mais atentamente, talvez, reconhecesse o autor do livro que tinha no colo e que lhe insinuou o caminho. Um homem hábil nas palavras e caçador de instantes, que lhe captou alguns gestos que mais, tarde, serviriam para uma proposta de desafio de escrita ou, quem sabe, para um novo romance.

Desviou o olhar para o areal e para as ondas que aí se desfaziam suavemente. Respirou a tranquilidade do mar e regressou ao seu texto. Escreveu mais umas linhas, melhorou algumas frases, substituiu algumas palavras. Sorriu aliviada. Perdeu-se nas memórias ainda vivas e alimentou-as com novos ingredientes. Os sonhos eram seus. Ninguém lhos poderia roubar nem mesmo condenar. A sua vida, a partir de agora, alimentar-se-ia de uma nova vitamina. O amor.

Levantou-se e passeou no areal, mesmo junto ao mar, como se acariciasse a espuma das ondas desfeitas, num agradecimento. Demorou-se na sua quietude.

Quando regressou à toalha, pegou no saco, calçou as sandálias e retornou a casa. Tomou um banho, escolheu um vestido alegre e saiu.
Na rua, o sol, agora brilhante, acariciou-lhe o rosto.


30 de Agosto de 2024
GR