22 abril, 2025

Arima | Eugénio de Andrade








ARIMA

Uma gaivota – dizes.

Sim, uma gaivota

passa distante e arde.

O teu rosto é azul,

e contudo está cheio

do oiro da tarde.



Uma gaivota.

Alma do mar e tua,

abandona-se à luz.



E na boca nem eu sei

se me nasce o coração

ou é a lua.




21 abril, 2025

Papa Francisco | 1927 - 2025

 



«Todos, todos, todos»


266.º Papa da Igreja Católica

Nascimento: Buenos Aires, Argentina · 16 de abril de 1927
Morte: Cidade do Vaticano · 7h35 -  21 de abril de 2025 (88 anos)

Nacionalidade: argentino

Nome de nascimento: Jorge Mario Bergoglio
Progenitores: Mãe: Regina Maria Sivori Gogna (1911-1981)
                    Pai: Mario Giuseppe Bergoglio Vasallo (1908-1959)

Funções exercidas: - Bispo auxiliar de Buenos Aires (1992-1997)
                             - Arcebispo coadjutor de Buenos Aires (1997-1998)
                             - Arcebispo de Buenos Aires (1998-2013)

Congregação: Companhia de Jesus
Diocese: Diocese de Roma
Eleição: 13 de Março de 2013 (12 anos e 39 dias) 
Entronização: 19 de março de 2013





16 abril, 2025

Devagar | Álvaro de Campos





Não: devagar.
Devagar, porque não sei
Onde quero ir.
Há entre mim e os meus passos
Uma divergência instintiva.
Há entre quem sou e estou
Uma diferença de verbo
Que corresponde à realidade.

Devagar...
Sim, devagar...
Quero pensar no que quer dizer
Este devagar...
Talvez o mundo exterior tenha pressa demais.
Talvez a alma vulgar queira chegar mais cedo.
TaIvez a impressão dos momentos seja muito próxima...
Talvez isso tudo...
Mas o que me preocupa é esta palavra devagar...
O que é que tem que ser devagar?
Se calhar é o universo...
A verdade manda Deus que se diga.
Mas ouviu alguém isso a Deus?


Álvaro de Campos

15 abril, 2025

Procuro-te

 



Procuro-te

nas palavras
nas entrelinhas 
de uma página, 
de outra 
e de outra... 
em vão

O tempo e os silêncios
impiedosos
apagam palavras,
esbatem gestos, olhares, sorrisos,
esvanecem sensibilidades

Nas noites insones
invento-te
palavras que não dirás
gestos, olhares, sorrisos que não repetirás
em vão

Sobejam-me
ilusões em ruína
silêncio 

GR



14 abril, 2025

Mario Vargas LLosa (1936 - 2025)

 





Morreu, aos 89 anos, em Lima, o escritor Mario Vargas Llosa. Prémio Nobel da Literatura em 2010 e "imortal" da Academia Francesa (2023), o autor peruano-espanhol confessou que gostaria de ser lembrado pela sua escrita.

Nascido em Arequipa, a 28 de março de 1936, Jorge Mario Pedro Vargas Llosa foi também político, jornalista, ensaísta e professor universitário.

Além do Nobel da Literatura, foi distinguido com vários outros prémios como o Rómulo Gallegos (1967), Princesa das Astúrias (1986), Planeta (1993), Miguel de Cervantes (1994), Jerusalém (1995), National Book Critics Circle Award (1997), PEN/Nabokov (2002) e Prémio Mundial Cino Del Duca (2008). Recebeu vários graus de doutor 'Honoris Causa'.

Em 2024, já depois de ter regressado ao país natal, publicou o seu último romance, Dedico-lhe o meu silêncio. 


12 abril, 2025

𝑻𝒓𝒊𝒍𝒐𝒈𝒊𝒂 𝒅𝒂 𝑪𝒊𝒅𝒂𝒅𝒆 𝒅𝒆 𝑲., de Agota Kristof

 


Autora: Agota Kristof
Título: Trilogia da Cidade de K. 
O Caderno Grande | A Prova | A Terceira Mentira
Tradutor: António Gonçalves
N.º de páginas: 393
Editora: Relógio D'Água
Edição: Março 2021
Classificação: Romance
N.º de Registo: (3283)




OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐


Agota Kristof escreveu O Caderno Grande, A Prova e A Terceira Mentira, entre 1986 e 1991. Em Portugal, estes três livros foram publicados num só volume intitulado Trilogia da cidade de K..
Kristof revela-nos uma história intensa e perturbadora. Há marcas de uma guerra que ocorre num país nunca nomeado, possivelmente na Hungria. No primeiro livro, também não temos indicação do nome das personagens, apenas sabemos que são dois meninos gémeos de nove anos. Com o desenvolvimento da narrativa, os gémeos vão entrando na adolescência e na vida adulta.

Num ambiente de guerra, há naturalmente privações, separações, exílio, sofrimento, mortes. E é pelo olhar inocente e cruel dos gémeos que vamos acompanhar muitas peripécias de luta pela sobrevivência que vão travar com a avó, conhecida na povoação pela “bruxa”, que os maltrata física e psicologicamente e os priva da escola e do conforto de um lar. Inteligentes, aprendem, com persistência, estratégias de enfrentar todas as crueldades a que são sujeitos. Acabam por criar situações absurdas e chocantes, não muito próprias para crianças.

A narração no primeiro livro, Caderno Grande, é feita integralmente na primeira pessoa do plural “nós”. Como se de uma única pessoa se tratasse, ou como se os dois funcionassem em uníssimo, em franca harmonia. Nesse caderno decidem escrever, apenas, as descrições dos objectos, dos seres humanos e deles próprios e evitar a utilização de palavras que definem sentimentos, palavras subjectivas.

No segundo livro, A Prova, há uma separação voluntária dos gémeos, Klaus e Lukas (aqui já nomeados), ou Lucas e Claus. Klaus, agora com 15 anos, decide separar-se do irmão e atravessar a fronteira para o país vizinho. Lukas, num período de pós-guerra, ainda com insurreições, narra-nos as suas vivências, os seus relacionamentos. Há momentos e relações ambíguos, surgem novas personagens, novas histórias encaixadas.

No terceiro livro, A Terceira Mentira, passados trinta anos, reaparece Klaus com uma história construída com fragilidades e contradições, o que levanta muitas dúvidas ao leitor sobre a veracidade das histórias. As duas partes que o compõem são narradas por cada um dos gémeos e tudo muda, de novo. Afinal, é tudo mentira? A metáfora do jogo de espelhos encaixa na perfeição, a história vai alterando ao sabor do narrador.

À medida que avançamos na leitura dos três livros, intuímos que a autora baralha as informações. Tal como os nomes se confundem, (anagramas), as memórias de cada um também se revelam desfocadas e contraditórias. A ambiguidade vai num crescendo e duvidamos da existência de um dos gémeos. Ao intitular o último livro com A Terceira Mentira, a autora confirma, ou não, a realidade da história. Se, neste livro, estamos perante uma terceira mentira, significa que os dois anteriores também o são? Afinal, há dois gémeos? Há só um? E qual deles? Quem é o narrador? As personagens do primeiro livro existiram de facto como foi narrado ou desempenharam outros papéis? Podemos confiar num narrador infantil que viveu traumas de abandono? Estamos perante delírios de um idoso ou meros exercícios de escrita? Tantas dúvidas que nos assolam! Estas e outras tantas!

Penso que com esta questão, a autora pretende reflectir sobre a perda de identidade, a manipulação da verdade veiculada por regimes autoritários, a perda de memória marcada por circunstâncias de guerra, de sofrimento, de destruição, em suma na fragilidade da verdade.

Esta trilogia escrita numa linguagem simples, directa, seca e dura, com diálogos curtos, por vezes pincelados de humor negro, e muito objectivos, no início, vão ganhando subjectividade e emotividade, compõe uma obra fabulosa que muito deve à sua originalidade na criação de um imbróglio que baralha por completo o leitor. Esta abordagem, de frieza calculada, torna a narrativa ainda mais impactante. A eliminação de qualquer excesso emocional, transfere para o leitor a interpretação dos factos.
Realidade e Ficção mesclam-se na perfeição. A relação dos irmãos é um reflexo da dualidade (o tal jogo de espelhos) presente em toda a obra: realidade versus ficção, verdade versus mentira, identidade versus anonimato.
Agota Kristof que nasceu na Hungria tendo deixado o país na sequência da repressão soviética que se seguiu à Revolução Húngara de 1956, acaba por expor a sua própria experiência e constrói essa dinâmica de forma magistral, deixando o leitor imerso num universo de incertezas e emoções intensas.

Uma última questão que me surge enquanto finalizo este texto. No título Trilogia da Cidade de K., mantém-se a ambiguidade que já referi. Que pode significar K. ? São várias as possibilidades: Kristof?, Klaus?, Köszeg? a cidade onde a autora se encontra sepultada na Hungria? Outra possibilidade?

Convido-vos a embrenharem-se na leitura desta obra magnífica.


09 abril, 2025

𝑨 𝑪𝒆𝒈𝒖𝒆𝒊𝒓𝒂 𝒅𝒐 𝑹𝒊𝒐, de Mia Couto

 


Autor: Mia Couto
Título: A Cegueira do Rio
N.º de páginas: 325
Editora: Caminho
Edição: Outubro 2024
Classificação: Romance
N.º de Registo: (3628)



OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐⭐


A Cegueira do Rio é um romance que recupera um facto histórico em África, em 1914, no início da Primeira Guerra Mundial. Esse facto trata-se de um incidente que ocorreu numa aldeia na fronteira entre a Tanzânia e Niassa, em que centenas pessoas foram assassinadas pelo exército alemão que colonizava a África Oriental Alemã, a atual Tanzânia, após uma revolta que ficou conhecida como Maji-Maji.
A narrativa vai alternar entre um narrador principal e múltiplas vozes, na primeira pessoa, fixando, assim, a história de um país sem a amarrar a uma única perspectiva.

O livro estabelece uma relação de memória com a escrita, na medida em que é importante lutar contra o esquecimento (recordar para não esquecer); explora temas como a identidade e o colonialismo; mescla sagrado e profano. O carácter distópico presente na “agrafia que se convertera numa epidemia planetária” (p.281) e que impedia os brancos de escrever, cria uma atmosfera ilusória e permite atribuir às personagens femininas um poder e uma sensibilidade únicos.
“ Fomos nós, mulheres, que sustentámos as nossas aldeias. Os homens foram levados, a maior parte deles nunca mais regressou. (…) Queremos que vás [Aluzi Msafiri] ao palácio. E ensines esses brancos a escrever (…) se estiverem cansados que deixem por escrito uma única palavra. Essa palavra é «desculpa». Depois os portugueses que peguem nas coisas deles e se metam num barco.” (pp. 312 e 313)

O papel da mulher, centrado na profetiza Aluzi Msafiri, é simbólico e reflecte questões de identidade, resistência e opressão. Como guardiã da história e das tradições, ela representa a sabedoria ancestral e a resiliência perante as adversidades, questiona as estruturas de poder e revela as fragilidades do homem, marcadas pela violência e pela imposição da autoridade. É recorrente, na obra de Mia Couto, o protagonismo feminino como agente de resistência e de mudança.

A escrita de Mia Couto é poética e policromática com laivos de realismo mágico onde o passado e o presente se entretecem de forma fluida. O recurso a provérbios e a uma narrativa fragmentada, dita a várias vozes, traduz a sabedoria ancestral tão própria da filosofia africana e garante a pluralidade de opiniões e saberes.

Mia Couto é um dos meus escritores de eleição. Recomendo muito a leitura dos seus livros. Mia tem uma maneira muito própria de olhar o mundo. E a sua poesia, seja em verso ou em prosa, é uma ferramenta fabulosa e única para o descrever.


06 abril, 2025

𝑭𝒍𝒐𝒓𝒃𝒆𝒍𝒂 𝑬𝒔𝒑𝒂𝒏𝒄𝒂, de Agustina Bessa Luís



Autora: Agustina Bessa Luís
Título: Florbela Espanca
N.º de páginas: 231
Editora: Guimarães Editores
Edição: Dezembro 1984
Classificação: Biografia
N.º de Registo: (3661)
Contém: Álbum de Retratos e uma Antologia com 6 cartas (pp. 187-203),  35 sonetos (pp. 204-227) e uma Cronologia (pp. 229-231)


OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐⭐




Na biografia de Florbela Espanca (1894-1930) Agustina Bessa-Luís combina elementos biográficos e ficcionais para criar múltiplas interpretações de Florbela, rompendo com a lógica convencional do género biográfico. Numa abordagem criativa e inovadora que mescla romance e biografia, a autora desmistifica a figura da poetisa, inserindo-a no contexto social da época.

Sabemos que a escrita de Agustina é rica e densa, singular e introspectiva, na medida em que entretece a análise psicológica, a reflexão filosófica e a vivência social. O recurso a um vocabulário erudito e a metáforas complexas que evocam emoções intensas e conferem imagens poderosas, obriga o leitor a uma redobrada atenção.

Com estas ferramentas, que habilmente domina, Agustina capta a essência da sua biografada, pondo em relevo a sua feminilidade e explorando temas como a sua identidade, a inquietação existencial, o erotismo, os dilemas morais. Sabiamente, transforma pequenos episódios familiares, culturais e sociais em reflexões sobre a humanidade, a cultura, a sociedade.

Ao longo do seu texto, dividido em três partes, Agustina não se limita a narrar factos cronologicamente, ela baralha-os, repete-os com novas interpretações e novos significados históricos, sociais e literários. Quem conhece a obra de Agustina já se habituou ao percurso labiríntico das suas narrativas. E, nesta obra, o carácter labiríntico e circular, porque repetitivo, está bem patente.

Ela insere a poesia de Florbela como parte integrante da narrativa biográfica e oferece-nos, assim, uma visão dupla, a da mulher e a da poetisa. “Primitiva, Florbela tenta obter, por intermédio do elemento mágico da poesia, protecção contra o mundo exterior.” (p. 20). Um mundo ainda marcado por preconceitos sociais e de interdições impostas às mulheres.

É uma leitura aprazível e enriquecedora que nos revela uma poetisa genial e ousada e uma mulher melancólica, triste, narcísica, insubmissa, frágil e muito depressiva, sucessivamente “marcada pela decepção parental, a decepção social e a decepção literária.” (p. 142)

Recomendo a descoberta desta nossa poetisa sob o olhar muito particular e astuto de Agustina Bessa Luís.
Esta edição, de 1984, contém, ainda, um Álbum de Retratos e uma Antologia com 6 cartas (pp. 187-203), 35 sonetos (pp. 204-227) e uma Cronologia (pp. 229-231).



31 março, 2025

Galveias - nos trilhos de José Luís Peixoto

 No dia 29 de Março, o grupo de leitores de Uma Casa Sem Livros rumou em direcção a Galveias para visitar o Centro Interpretativo José Luís Peixoto e visitar alguns dos pontos principais da obra Galveias. 
Foi um dia agradável de convívio e de aquisição de conhecimentos literários e culturais. 



        

                        

                  

                  

       
 
                  

         




28 março, 2025

𝑴𝒂𝒏𝒅í𝒃𝒖𝒍𝒂, de Mónica Ojeda

 



Autora: Mónica Ojeda
Título: Mandíbula
Tradutor: Rui Elias
N.º de páginas:298
Editora: D. Quixote
Edição: Março 2024
Classificação: Romance Thriller
N.º de Registo: (3631)



OPINIÃO ⭐⭐⭐


Conheci Mónica Ojeda no F(o)lio, em Óbidos. Gostei muito de a ouvir e como não conhecia a sua obra, decidi comprar um livro e optei por Mandíbula.
Reconheço que o enredo é intenso e perturbador, escrito numa linguagem crua, envolvente e fascinante, porém, o ambiente de paranoia e de horror presente não é de todo do meu agrado.

O livro explora temas interessantes como a relação entre professoras e alunas, relações familiares, sexualidade e violência. A narrativa foca-se num grupo de adolescentes de classe social alta, numa escola para raparigas e começa com o sequestro de uma aluna, Fernanda, pela professora de literatura, Miss Clara, e, ao longo dos capítulos, mergulhamos nas memórias e nos passados complexos e assombrados das personagens. Estamos perante um grupo de mulheres feroz e implacável.

Mónica Ojeda, neste livro, explora o lado mais sombrio das relações humanas. E fá-lo de forma exímia.
Ojeda alterna tempos, vozes e pontos de vista para explorar o impacto dessas relações em várias camadas permitindo ao leitor entrar na mente das personagens e vivenciar os seus traumas e conflitos internos. Ela constrói uma trama fragmentada e imersiva que espelha o modo como a memória e o trauma funcionam nas personagens. O recurso a elementos de terror psicológico, de suspense e de desconforto intensifica a tensão existente e os medos implícitos. A referenciação de obras literárias, mitologias e teorias psicanalíticas atribui maior profundidade à análise das tensões. E, finalmente, a combinação de descrições de acções reais, do quotidiano com imagens aterradoras, causa desconforto, angústia e medo.

Assim, Mandíbula mostra-nos o lado mais perverso do ser humano. A monstruosidade entre adolescentes, a disfunção relacional entre colegas que exploram os seus corpos com jogos e desafios perigosos e inusitados.

“«Não finjam que não sabem que gostam disto», disse Annelise uma tarde em que se assustou muito porque Fernanda desmaiou durante o jogo do estrangulamento. «Só faz sentido se for perigoso».” (p.97)

Mónica Ojeda conduz a sua narrativa para zonas sombrias da mente humana. À instabilidade psicológica das principais personagens alia a simbologia do medo, construindo uma atmosfera de horror encantatória. Para mim, foi uma leitura difícil, não gosto da temática do horror, mas fiquei presa pela escrita e pela curiosidade em perceber a causa da perturbação obsessiva da professora e ainda bem que fui até ao fim porque considero sublime o ensaio que a aluna Annelise escreveu à professora Clara Valverde. São cerca de trinta páginas que respondem a um “exercício” solicitado pela professora e que consistia em comentar um dos contos de Edgar Allan Poe, analisado na aula.


26 março, 2025

Núcleo Museológico Grândola Vila Morena

 

Foi uma visita muito interessante e enriquecedora. As três pequenas salas que integram o núcleo, em Grândola, está muito bem pensado e a informação é relevante.  Esta actividade cultural integra a ordem de trabalhos das reuniões da equipa que ocorrem uma vez por mês.
Para mim, foi a última reunião como professora bibliotecária. 


          


           


        


        

25 março, 2025

Dias emotivos e solarengos

 



Há dias em que a vida nos bafeja com abraços, sorrisos, carinho, miminhos. Podia ter resumido tudo com a palavra afectos, mas não era a mesma coisa. 

Hoje, foi um dia desses. Emotivo e solarengo! Mais um! Sou uma sortuda!
Ora vejam se não tenho razão!
Em mais um, dos muitos, encontros das professoras bibliotecárias do Alentejo Litoral, fomos principescamente recebidas pela Senhora Diretora e pela nossa colega Paula Gomes, anfitriãs da Escola Profissional de Desenvolvimento Agrícola de Grândola. Na visita à biblioteca requalificada ouvimos poemas lidos pelos alunos e, na sala de trabalho, os mesmos alunos e seus professores presentearam-nos com um buffet vistoso e apetitoso. Estão de parabéns!

Após uma manhã de trabalho (confesso que desta vez não registei nada) sempre enriquecedora e muito bem orientada pela nossa querida coordenadora Lucinda Simões, fui surpreendida , ou talvez não porque conheço muito bem este grupo maravilhoso, mas, como dizia, fui surpreendida pelas palavras gratificantes, carinhosas e emotivas das minhas (ex)colegas de labuta livrólica e pelos miminhos encantadores que me ofereceram. Conhecem-me muito bem. De mim, receberam em troca abraços (não chorei, contive-me) e um pequeno caderno com uma singela mensagem, mas muito sentida. Elas sabem que sim.
Depois destas emoções e dos respectivos registos fotográficos para memória futura, continuámos a celebração da minha saída, não despedida, do grupo de trabalho, no restaurante "Villa Mariscos". A boa disposição foi crescendo à medida que o repasto avançava. Até tive direito a um poema dedicado e lido pela minha amiga Fátima Nunes. Adorei. 

Só um aparte: se não conhecem, convido-vos a degustar o arroz de lingueirão ou as migas.
Para finalizar o dia, não podia faltar a já habitual visita cultural e, assim, fomos visitar o Núcleo Museológico Grândola Vila Morena. Pequeno mas muito interessante. Não percam quando forem almoçar ao tal restaurante que vos indiquei.

Partilho algumas fotos que confirmam a minha narrativa (palavra em moda) e que evidenciam o dia maravilhoso que vivi, vivemos.
Sou eternamente grata às minhas queridas colegas com quem tenho partilhado momentos inesquecíveis de aprendizagem, convívio e carinho.
Alda, Ana, Antónia, Bina, Catarina, Deolinda, Fátima, Lucinda, Maria José, Mariana, Noélia, Rosa, Rosinda, Rute estão no meu coração. Sabem disso!!! 





23 março, 2025

O Meu Rumo!

 



A casa da Rosa dos Ventos mapeia oito pontas e nela nunca perdemos o rumo.
Seja qual for o trilho escolhido será sempre com sentido e tino.

_____________


A casa da Rosa dos ventos é o abraço da orientação, o guia das almas sonhadoras.
Com os seus oito braços estendidos, norteia destinos e sussurra segredos do vento, do sol e dos deuses.
Em perfeita harmonia sobre o azul intenso do mar, ela é a bússola do coração humano.
O meu rumo! 


Nota: escrita criativa a partir do livro as casas das coisas, de João Pedro Mésseder (texto) e Rachel Caiano (ilustração)

21 março, 2025

Dia Mundial da Poesia

 



Amar 

Eu quero amar, amar perdidamente!
Amar só por amar: Aqui… além…
Mais Este e Aquele, o Outro e toda a gente…
Amar! Amar! E não amar ninguém!

Recordar? Esquecer? Indiferente!…
Prender ou desprender? É mal? É bem?
Quem disser que se pode amar alguém
Durante a vida inteira é porque mente!

Há uma Primavera em cada vida:
É preciso cantá-la assim florida,
Pois se Deus nos deu voz, foi pra cantar!

E se um dia hei de ser pó, cinza e nada
Que seja a minha noite uma alvorada,
Que me saiba perder… pra me encontrar…

Florbela Espanca

19 março, 2025

𝑫𝒆𝒗𝒐çã𝒐 (𝑫𝒆𝒗𝒐𝒕𝒊𝒐𝒏), de Patti Smith

 


Autora: Patti Smith
Título: Devoção (Devotion)
Tradutor: Helder Moura Pereira
N.º de páginas: 125
Editora: Quetzal
Edição: Abril 2019
Classificação: Ensaio e Conto
N.º de Registo: (3640)



OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐



Devoção é um misto de ensaio, memórias e ficção que nos conduz à reflexão sobre a escrita, mais concretamente sobre o que nos impele a escrever.

"Porque escrevo?" é a pergunta que surge no final. E a resposta é belíssima e elucidativa: "O meu dedo, como um estilete, desenha no ar um ponto de interrogação. Uma obsessão familiar de que me lembro desde criança quando me retirava das brincadeiras e do convívio com os amigos e me afastava das eventuais delícias do amor para ficar cercada por palavras e dominada por uma pulsação que me era externa." E conclui, referindo que escrevemos "Porque não nos podemos limitar a viver."

Anotar, registar é o gatilho. Para a autora, escrever é bem mais do que viver. Patti Smith divide este livro em três partes. Na primeira – Como funciona a mente – revela-nos o processo de criação, a exploração da inspiração, isto é, a partir de uma ideia que lhe atravessa a mente, e das pistas que foi registando, procura escrever; na segunda – Devoção – que dá o título ao livro, apresenta-nos o conto, a escrita ficcionada que resultou dessa ideia que lhe ficou e que consiste na obsessão de uma jovem patinadora que vive para a sua arte tal como a autora vive para a sua; na terceira – Um sonho não é um sonho – oferece-nos a explanação da razão pela qual escrevemos. Trata-se de uma reflexão fascinante sobre o sentido da escrita. No final do livro, surge ainda – Escrito num comboio – uma selecção de fotografias do seu caderno manuscrito que sustentam a escrita do seu conto durante a viagem de comboio a Paris, e de espaços, já referidos, que se revelaram importantes para o processo criativo.

Escrever não é fácil, o caderno mantem-se branco. Patti Smith encontra pistas em lugares e objectos desconexos, como num livro sobre a vida de Simone Weil, num trailer de um filme, nas ruas e cafés de Paris frequentados pelos seus ídolos literários, no jardim da editora Gallimard, na casa de Albert Camus, no sul de França, no túmulo de Simone Weil em Ashford em Londres, entre outros.

É durante a viagem de comboio a Sète, no sul de França, com o seu editor, que ela escreve febrilmente o seu conto que intitulou Devoção (Devouement) palavra que descobriu numa lápide no cemitério de Sète.
“Eu andava à procura de uma coisa e encontrei outra muito diferente” escreve a autora na página 42 e revela-nos os motivos que a levaram a afastar-se da sua trajectória inicial.

É um livro pequeno, mas fascinante que apresenta uma importante reflexão sobre o acto de escrever. Patti Smith mostra-nos que a escrita não pode ser dissociada da vida, do quotidiano, das memórias, das leituras. Para além da técnica de escrita e de revisão, escrever é o resultado do que somos e do que vivemos.


Dia do Pai

 

                                                  O meu pai, o meu sobrinho e eu 



A voz do meu pai

Abro os olhos.
Não vejo mais meu pai.
Não ouço mais a voz de meu pai.
Estou só. Estou simples.
Não como essa poderosa
voz da terra
com que me estás chamando, pai —
porque as cores se misturam
em teu filho ainda
e a nudez e o despojamento
não se fizeram em seu canto;
mas, simples por só acreditar
que com meus passos incertos
eu governo a manhã
feito os bandos de andorinha
nas frondes do ingazeiro.

Manoel de Barros

16 março, 2025

𝑹𝒆𝒈𝒓𝒆𝒔𝒔𝒐 𝒂 𝑪𝒂𝒔𝒂, de José Luís Peixoto

 


Autor: José Luís Peixoto
Título: Regresso a Casa
N.º de páginas: 110
Editora: Quetzal
Edição: Agosto 2020
Classificação: Poesia
N.º de Registo: (3255)


OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐



José Luís Peixoto (JLP) abre este livro de poesia com um belíssimo apelo. “Repara na manhã que nos rodeia”, repara na vida, nas palavras, na poesia. É um Regresso a Casa, às “suas casas”, lugares de afecto, às suas memórias, aos seus livros, às suas viagens.
Este regresso à poesia, em tempos de confinamento, é um mergulho emotivo e sincero na realidade e na sua intimidade, mas também uma fuga ao isolamento (quase claustrofóbico), ao receio de um futuro incerto. 
JLP encontra no poema e nas palavras uma janela propícia à reflexão, às lembranças, à saudade, mas também à confirmação de uma identidade. A sua.
“O poema é como uma casa, tem paredes
e janelas, é habitado pelo presente.”

JLP transforma a escrita, a poesia em terapia, como uma protecção e um escape à realidade. Para quem viaja regularmente, torna-se necessariamente difícil ficar “preso” em casa. Nos seus poemas captamos os afectos pelas pessoas, pelos lugares; as emoções; o amor; os instantes que preenchem “quarenta e cinco anos”.

Hoje, ao lê-lo, e ao partilhar o seu diálogo introspectivo, revejo-me na “minha casa” fechada entre quatro paredes, nas aulas aos quadradinhos, de volta dos livros e focada nas múltiplas partilhas de solidariedade que, espontaneamente, surgiam na internet; assaltam-me certas memórias que também recuperei e rememoro as dúvidas e os receios, então, vividos diariamente. Porém, a leitura deste livro proporciona-me, sobretudo, um melhor conhecimento de JLP, quer através da dimensão intimista que nos lega em diversos poemas, quer através da revisitação de algumas das suas obras publicadas até então. Como exemplo, o poema intitulado “Morreste-me” é enternecedor. Não ficamos indiferentes às palavras sentidas e sensíveis, tal como não ficámos aquando da leitura do livro homónimo.

Recomendo muito este Regresso a Casa. Lê-se lindamente e “carrega ecos” de um tempo e de um autor que muito aprecio. E termino como iniciei. “Repara” na vida, na poesia! Lê poesia! Lê JLP.
“(…)
Estamos vivos, repara. Um livro
de poesia, como uma trégua secreta,
uma janela, como os teus olhos
a verem-me em silêncio, ou os meus
olhos a verem-te. Um livro de poesia, como um regresso a casa.”




15 março, 2025

A menina pequenina

 

 




Exercício de Escrita Criativa proposto por Carolina palminha no âmbito do grupo de leitoras da biblioteca municipal de Sines - Uma Casa sem Livros.

Premissas: 
 A partir de um início de texto (em itálico) desenvolver uma história criativa; ter em conta que uma página, ou página e meia seria suficiente. 


Sentei-me.
O comboio pôs-se em movimento.
Pelas janelas a paisagem deslizava em tonalidades de verdes, dourados, amarelos das azedas, vermelhos de papoilas e de quando em quando, o casario de um pequeno povoado mostrava-nos, pelo fumegar que saía das chaminés, que ali havia gente, havia vida, gargalhadas ou tristezas, calor ou frio…
No interior da carruagem o alegre riso de crianças e o tagarelar dos adultos.
Alguns farnéis foram retirados das cestas e um cheiro de fritos e frutos inundou-nos.
Tentei abstrair-me, abri o livro e recomecei a leitura.
Daí a instantes,
                  uma das crianças aproximou-se de mim, lentamente, com receio de me incomodar e estendeu a sua mãozinha com uma maçã bem vermelha e apetitosa.
- Toma - disse ela - também tens fome? Mal tive tempo de agradecer, saltou para o meu lado e metralhou-me com perguntas sobre o livro que estava a ler, de que falava, se tinha desenhos e, de seguida, com um sorriso maroto, pediu-me para lhe ler a história.
Quando, finalmente, me foi concedido um tempinho para falar, perguntei-lhe como se chamava e quantos aninhos tinha.
- Sou a Beatriz, mas todos me chamam Bia e tenho quatro anos, respondeu a despachar-me com os olhos bem abertos. E a história? Insistiu ela.
Expliquei-lhe que o livro que estava a ler não era para a idade dela e que não iria compreender a história, já que tratava de guerra. Li-lhe o título do livro – O Sangue dos Outros, indiquei-lhe o nome da autora (Simone de Beauvoir) e fiz-lhe um pequeno resumo para que ela percebesse que não era má vontade minha. Ela baixou tristemente a cabeça e pediu que lhe lesse então só um bocadinho que não falasse de guerra. É que eu gosto muito de histórias e não tenho livros em casa…
Pedi-lhe, então, que fechasse os olhos e que só os abrisse quando eu lhe dissesse.
Abri a mochila que levava comigo e retirei um livro. Como ia visitar a família e os sobrinhos, tinha uma vasta gama para lhes oferecer. Sabem, é que faço parte do clube das tias que só oferecem livros. Que falta de criatividade! Oferecer sempre o mesmo! Dir-me-ão.
Como dizia, retirei da mochila um livro. Um livro maravilhoso que sabia de antemão que iria agradar a esta menina ternurenta e carinhosa. E comecei a ler:
        Era uma vez uma menina muito, muito pequenina…
Assim, que ouviu a primeira frase, os seus olhos cresceram e o sorriso iluminou-se. Aquietou-se bem ao meu lado para acompanhar as páginas e observar as ilustrações.
No final da história com os olhinhos marejados de lágrimas, lançou os seus bracinhos ao meu pescoço e disse que tinha gostado muito da história da menina que não sabia chorar.
- Olha, não me disseste como se chama o livro, nem quem o escreveu – comentou ela, feliz a desenhar com os dedinhos o contorno dos desenhos.
- Tens razão, respondi. Chama-se “Os olhos GRANDES da menina pequenina”, foi escrito por Ondjaki, um escritor angolano, inventor de histórias bonitas, e foi ilustrado por Carla Dias.
Estávamos felizes, ela com o livro nas mãos, ainda a saborear a história, e eu por ter contentado uma criança com uma simples leitura.
De repente, o encanto termina. Somos sacudidas com o berro “Bia, anda já pr’aqui” de uma mãe insensível.
Bia olhou para mim, encolheu os ombros, e deixou-se ficar virando e revirando o livro. Disse-lhe que devia obedecer à mãe. Mas ela fingiu não me ouvir e acariciou a imagem da menina da capa do livro.
Do outro lado, a mãe insistia no pedido e nos berros. A Bia olhou-me, levantou-se, entregou-me o livro e fechou o sorriso.
Devolvi-lhe o olhar e o livro – Podes ficar com ele. É uma prenda minha. Em retorno, recebi o sorriso de uns olhos grandes.
Afinal, há no mundo muitas meninas pequeninas com olhos grandes. Ondjaki quando escreveu este livro, sabia que ia encontrar muitas. E eu, hoje, nesta viagem, encontrei a Bia. Uma menina pequenina, de olhos grandes que adora histórias.

GR



13 março, 2025

𝑶 𝑺𝒂𝒏𝒈𝒖𝒆 𝒅𝒐𝒔 𝑶𝒖𝒕𝒓𝒐𝒔, de Simone de Beauvoir

 


Autora: Simone de Beauvoir
Título: O Sangue dos Outros
Tradutor: Miguel Serras Pereira
N.º de páginas: 255
Editora: Colecção Mil Folhas - Público
Edição: Janeiro 2003
Classificação: Romance
N.º de Registo: (1466)




OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐


Em O Sangue dos Outros, Simone de Beauvoir explora as complexidades morais e existencialistas enfrentadas pelas personagens durante a ocupação alemã em Paris, na Segunda Guerra Mundial. Nestes tempos de conflito, o leitor encontra-se dividido perante as decisões de Jean e Hélène; perante a angústia de viver e de ser ou não necessário para o outro; perante a verdade e a mentira; perante a aceitação de amar.
“ (…) E a angústia explode, sozinha no vazio, para além de todas as coisas desvanecidas. Estou sozinho. Eu sou esta angústia que existe por si só, apesar de mim; confundo-me com esta existência cega. Apesar de mim, e contudo não jorrando senão de mim. Recuso-me a existir: existo. Decido existir: existo. Recuso. Decido. Existo. Haverá uma alvorada.” (p. 140)

O mote do romance é-nos facultado pela brilhante epígrafe "Todos somos responsáveis por tudo perante todos", de Dostoievski. Desde logo, somos confrontados com a responsabilidade de existir, de tomar decisões. A angústia da escolha entre a liberdade individual e a colectiva manifesta-se ao longo da narrativa e Jean Blomart questiona-se e interroga os outros sobre o significado de liberdade, sobre os limites dessa mesma liberdade, sobretudo quando milita num movimento de resistência.

Neste livro fica claro que, apesar de sermos livres de escolher, quando o somos (veja-se a situação do povo judaico), a consciência de que temos essa liberdade, pode tornar-se num grande sofrimento. Blomart desafia-nos a reflectir sobre o impacto que cada decisão pode ter na vida de outrem. 
"Contar as vidas humanas, comparar o peso de uma lágrima com o peso de uma gota de sangue, era uma tarefa impossível, mas ele já não tinha que fazer contas, e toda a moeda era boa, mesmo essa: o sangue dos outros. O preço nunca seria caro de mais. (…) Tudo é melhor que o fascismo.” (pp. 201 e 202)

Acompanhamos todas as suas dúvidas e com ele vivemos o tormento da culpa e da responsabilidade. Recorrentemente, somos confrontados com questões como "Até que ponto somos responsáveis pelo sangue dos outros?", "Onde estava a culpa?", "Que podemos nós fazer?", "O que é o amor?".

O Sangue dos Outros é um romance poderoso e provocador, publicado em 1945. Numa escrita despretensiosa e natural, arrasta o leitor para a essência do existencialismo, da condição humana, explorando a culpa, o remorso ("por todo o lado, em todas as encruzilhadas, o remorso rondava: eu trazia-o colado à minha pele, íntimo e tenaz), a vergonha (“a nova imagem do remorso"), a responsabilidade da escolha, a angústia, a solidão, a busca da liberdade num mundo absurdo, em guerra. Nele, cada personagem luta por si, e é forçado a encontrar os seus valores morais.
"As pessoas são livres – disse eu [Jean] -, mas apenas cada uma por si própria; não podemos tocar na liberdade dos outros, em prevê-la, nem exigi-la. É exactamente isso que me é tão penoso; o que faz o valor de um homem não existe senão para si próprio, não para mim…" (p. 113)

Em 1983, O Sangue dos Outros foi adaptado ao cinema por Claude Chabrol, com Jodie Foster e Sam Neill nos papéis principais.



05 março, 2025

𝑵𝒂𝒔 𝑻𝒖𝒂𝒔 𝑴ã𝒐𝒔, de Inês Pedrosa

 


Autora: Inês Pedrosa
Título: Nas Tuas Mãos
N.º de páginas: 227
Editora: D. Quixote
Edição (7.ª): Março 2003
Classificação: Romance
N.º de Registo: (1664)



OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐



Nas Tuas Mãos integra três partes, com dez textos cada, que nos confrontam com três vidas, três mulheres, três gerações. Três perspectivas autobiográficas – Jenny, a aristocrata; Camila, a fotojornalista e Natália, a arquitecta - que começam na década de trinta sob o regime conservador, opressivo, patriarcal e bafiento de Salazar e findam nos anos noventa.

Cada uma das partes é introduzida por uma epígrafe que exalta a força da amizade, do amor. Contudo, na minha opinião, é a terceira, de Vergílio Ferreira “Não sei fingir que amo pouco quando em mim ama tudo” que melhor colige os sentimentos e os comportamentos das três mulheres.

Jenny, mãe e avó, num diário intimista e confessional, em diálogo com o falecido marido, lega-nos os seus segredos de um casamento de fachada, a sua força para combater as traições do homem que ama, decepções de amizade, mudanças sociais. Camila selecciona dez fotografias para, a partir delas, recordar e nos descrever uma época turbulenta de desencontros e perdas, de perseguição e tortura da ditadura, de dedicação às lutas revolucionárias, de envolvimento, como repórter, na guerra colonial de Moçambique, na busca de uma terapia para a solidão e o luto. Mas é no ato obsessivo de fotografar que ela resgata a verdade, a sua verdade. Natália, concebida em Moçambique, personifica a actualidade e é nas cartas que escreveu à avó Jenny, que a vamos descobrir. Nelas, ela revela o seu sucesso profissional, o seu distanciamento com a mãe, a procura da sua história, do seu pai, o (des)encontro com o amor e, sobretudo, a sua admiração pela avó. Natália descobre-se e define-se através das vidas misteriosas e independentes das suas antecessoras. E acaba por concluir que, apesar de tudo, constituem três gerações de solidão que se continuam.

Numa escrita muito poética e comovente, a autora apresenta-nos três vozes que vagueiam desiludidas num mundo agitado e perdidas no campo amoroso; que partilham a extravagância da classe alta em Lisboa; o idealismo das lutas dos anos sessenta e a impaciência e o desalento da década de oitenta/noventa.

Gosto sobremaneira da voz de Jenny. É um discurso intimista que revela uma mulher de olhar triste e doce, que assiste à paixão do marido por Pedro; que apaixonada vive louca e dolorosamente só numa casa enorme. É a voz que silencia a homossexualidade do marido, inaceitável na época; que denuncia a sua intimidade, que reflecte sobre a sua longa vida que acaba melancolicamente num reconhecimento de desistência, de “desaparecimento dos sonhos.”

Para concluir, Nas Tuas Mãos é uma obra sobre o íntimo de três mulheres, mas também sobre a transformação de uma sociedade. Através do olhar de cada uma são-nos apresentados fragmentos de um país que vive uma crise de identidade cultural, social e política.




03 março, 2025

Vencedores dos Óscares 2025

 




A cerimónia de entrega dos Óscares decorreu no dia 3 de Março, no Dolby Theatre, em Hollywood, Los Angeles e foi conduzida pelo apresentador Conan O'Brien.

Anora, de Sean S. Baker foi o grande vencedor, arrecadando cinco estatuetas: Melhor Filme. Melhor Realizador (Sean Baker) e Melhor Atriz (Mikey Madison), Melhor Argumento Original e Melhor Montagem. 
O Brutalista, vencedor nas nomeações, ficou com três troféus. 

Destaque para o filme brasileiro Ainda Estou Aqui de Walter Salles, que conquistou a estatueta de Melhor Filme Internacional. Fernanda Torres desempenhou um excelente papel como actriz principal. Muitos tinham-lhe prognosticado o prémio de Melhor Actriz. 


Premiados:


Melhor Filme — Anora, de Sean S. Baker

Melhor Realização — Sean S. Baker (Anora)

Melhor Atriz — Mikey Madison (Anora)

Melhor Ator — Adrien Brody (O Brutalista)

Melhor Atriz Secundária — Zoë Saldaña (Emilia Pérez)

Melhor Ator Secundário — Kieran Culkin (A Verdadeira Dor)

Melhor Filme Internacional — Ainda Estou Aqui, de Walter Moreira Salles Jr

Melhor Curta Metragem em Live-Action — I'm Not a Robot, de Victoria Warmerdam, 

Melhor Filme de Animação — Flow - À Deriva, de Gints Zilbalodis, Matīss Kaža, Ron Dyens,

Melhor Curta-Metragem de Animação — In the Shadow of the Cypress, de Shirin Sohani, Hossein Molayemi

Melhor Documentário — No Other Land, de Yuval Abraham, Basel Adra, Rachel Szor, ...

Melhor Curta-Metragem Documental — The Only Girl in the Orchestra, de Lisa Remington, Molly O'Brien

Melhor Argumento Original — Anora, de Sean S. Baker

Melhor Argumento Adaptado — Conclave, de Peter Straughan

Melhor Banda Sonora Original — O Brutalista, Daniel Blumberg

Melhor Canção Original — El Mal, de Jacques Audiard, Camille Dalmais, Clément Ducal

Melhor Design de Produção — Wicked, de Nathan Crowley, Lee Sandales

Melhor Montagem — Anora, de Sean S. Baker

Melhor Fotografia — O Brutalista, de Lol Crawley 

Melhores Efeitos Visuais — Dune Duna: Parte Dois, de Gerd Nefzer, Stephen James, Rhys Salcombe

Melhor Som — Dune Duna: Parte Dois, de Richard King, Ron Bartlett, Doug Hemphill

Melhor Caracterização — A Substância, de Pierre Olivier Persin, Stéphanie Guillon 

Melhor Guarda-Roupa —Wicked, de Paul Tazewell



28 fevereiro, 2025

𝑷𝒐𝒅𝒆 𝑼𝒎 𝑫𝒆𝒔𝒆𝒋𝒐 𝑰𝒎𝒆𝒏𝒔𝒐, de Frederico Lourenço

 


Autor: Frederico Lourenço
Título: Pode um Desejo Imenso
N.º de páginas: 504
Editora: Quetzal Editora
Edição: Abril 2022
Classificação: Romance
N.º de Registo: (BE)




OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐


Pode um Desejo Imenso publicado na Quetzal em Abril de 2022, foi, primeiramente, publicado como trilogia pela Cotovia. Ou seja, a este título publicado em 2002, seguiram-se O Curso das Estrelas, também em 2002, e À beira do mundo, em 2003.
Nesta nova edição, com uma capa belíssima, foi atribuído o mesmo título a cada uma das três partes que o constituem e pela mesma ordem de escrita.

Não sendo um romance autobiográfico, como já foi referido pelo autor, em entrevistas, acaba por revelar aprendizagens conquistadas quer pessoal quer profissionalmente.
Poder-se-á intuir, certamente, que o protagonista, Nuno Galvão, professor universitário especialista de literatura e da obra de Camões, é o alter-ego de Frederico Lourenço, na sua paixão pelos clássicos, sobretudo por Camões, que tanto cita ao longo da narrativa. Aliás o verso camoniano, que deu o título ao livro, será o elo agregador das três partes.
Na primeira parte, Nuno Galvão professor universitário, camoniano de paixão, desenvolve uma tese sobre Camões e foca-se no possível amor que o poeta sentiu por D. António de Noronha de quem foi preceptor. O livro constrói-se no paralelismo existente entre este possível amor e a paixão platónica do professor universitário por um dos seus alunos.

Na segunda parte, há um retorno ao tempo em que Nuno Galvão é estudante universitário e com ele mergulhamos nas dúvidas existências, sexuais e na lírica de Camões, entre outros aspectos que não vou desvendar. Na terceira, é o regresso ao presente, a alguns reencontros e a possíveis reconciliações. O final da história, em aberto, é quase cinematográfico e abre um caminho à esperança, “em direção à outra margem”. Talvez seja a parte mais ficcional.

Assim, ao longo da obra – das três partes - acompanhamos o crescimento do homem e do intelectual, Nuno Galvão. Reencontramos o amor e a sexualidade expostos sem tabus. Conhecemos um homem que vive, de forma intensa e controlada, um amor platónico, que descobre a sua inclinação homossexual, que explora o homoerotismo, que se aceita com lucidez. Emocionamo-nos com o sofrimento e com as perdas. Admiramos a sua dedicação à profissão e a Camões.

A escrita de Frederico Lourenço é erudita, por vezes complexa, mas fluente, acabando por conduzir o leitor a uma leitura ávida. Há inúmeras referências a autores clássicos, a versos da lírica camoniana que tanto me agradam. Contudo, aquando da leitura da primeira parte que integra a comunicação "Camões e D. António de Noronha. Ecos Homoeróticos nas Rimas" que Nuno Galvão irá proferir num colóquio camoniano, interroguei-me se, quem não tiver um conhecimento mais vasto do nosso maior poeta, poderá, da mesma forma, fruir completamente deste livro. Talvez não. Mas poderá servir de motivação para a descoberta ou aprofundamento da sua lírica. O romance, em si, acompanha-se perfeitamente.

Pode um desejo imenso
Arder no peito tanto
Que à branda e a viva alma o fogo intenso
Lhe gaste as nódoas do terreno manto,
E purifique em tanta alteza o espírito
Com olhos imortais
Que faz que leia mais do que vê escrito.

(…)

Ode VI, de Luís Vaz de Camões