Autor: Albert Camus
Título: O Mito de Sísifo
Tradutor: urbano Tavares Rodrigues
Tradutor: urbano Tavares Rodrigues
N.º de páginas: 129
Editora: Livros do Brasil
Edição: Setembro 2016
Classificação: Ensaio
N.º de Registo: (3547)
OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐⭐
Imaginar Sísifo feliz - uma leitura de Camus
Entre o absurdo e a revolta, uma filosofia que se torna experiência de vida.
“Só há um problema filosófico verdadeiramente sério: é o suicídio.” Com esta frase inaugural, escrita em 1942, Albert Camus abre uma fenda no silêncio da existência. O Mito de Sísifo não é apenas um marco do existencialismo, é o mapa de um território onde o homem se descobre absurdo, suspenso entre o desejo de sentido e o vazio que o recusa.
A obra, dividida em quatro partes e um apêndice, desenha um percurso: do raciocínio ao homem, da criação ao mito, até à esperança que se insinua na obra de Kafka. Cada etapa é uma aproximação ao coração do absurdo, esse lugar onde “Viver é fazer viver o absurdo. Fazê-lo viver é, antes de mais, olhá-lo.” (p.54). Camus retira três frutos dessa contemplação: a revolta, a liberdade e a paixão. E para lhes dar corpo, convoca figuras que vivem em confronto com o absurdo — Dom Juan, Kirilov, Sísifo.
É em Sísifo que a metáfora se cristaliza. O operário que repete o gesto quotidiano, o homem que empurra a pedra sem fim, torna-se espelho de nós. “Esse destino não é menos absurdo. Mas só é trágico nos raros momentos em que ele se torna consciente.” (p.112). Camus devolve-lhe dignidade: não como vítima, mas como símbolo de coragem. “A própria luta para atingir os píncaros basta para encher um coração do homem. É preciso imaginar Sísifo feliz.” (p.114). A aceitação do fardo transforma-se em liberdade; o peso da pedra converte-se em fidelidade à vida.
Nem sempre o caminho é linear — a filosofia exige paciência, escuta, demora. Mas há uma beleza inesperada na revolta que Camus propõe: viver e criar, não apesar do absurdo, mas através dele. A revolta é gesto de liberdade, é invenção, é resistência contra o vazio.
Mesmo fora da disciplina filosófica, este ensaio abre-se como uma janela. Torna o absurdo compreensível, quase luminoso, e oferece ao leitor comum a possibilidade de se reconhecer na luta de Sísifo.

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