Autor: Rodrigo Vieira Dias
Título: Augusta
N.º de páginas: 167
Editora: Amazon
Edição: 2023
Classificação: Romance
N.º de Registo: (3753)
OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐
Em Augusta, Rodrigo Vieira Dias expõe a fragilidade da adolescência e o peso da memória familiar através de uma escrita fragmentada e alternada, que recusa linearidade e obriga o leitor a uma escuta atenta. A fragmentação é sustentada pela alternância entre duas vozes principais. De um lado, a narradora, na terceira pessoa, que descreve Augusta e o mundo exterior, apresentando figuras como a avó, verdadeiro pilar da sua vida, presença que lhe dá alguma estabilidade num universo marcado pela ausência e desinteresse dos pais. De outro, a leoa, na primeira pessoa, voz visceral que irrompe como consciência subterrânea e instinto vital.
“- Posso ficar um bocadinho aqui contigo, Vô Chiquinha?
(…)
- Claro, meu bem – respondeu Francisca
A moça atravessou o quarto e sentou-se no chão aos pés da avó. Francisca buscou-lhe a mão e envolveu-a nas suas, um pequeno pássaro envolto por dois ramos de um velho carvalho. (…) Francisca não precisava de palavras, conhecia-lhe os jeitos e os silêncios. Aguardaria o tempo que fosse necessário.” (p. 31)
É na voz da leoa que surgem a força da natureza e os fantasmas, presenças espectrais que convivem com ela e representam fragmentos da psique de Augusta. Esses fantasmas não são mediadores da narradora, mas companheiros da leoa, dramatizando a luta interior; forças que arrastam Augusta para o abismo, que a mantêm “presa num mundo sem esperança”, em contraste com o rugido que afirma a sobrevivência.
O episódio em que Augusta descobre o corpo nu de um jovem suicidado (João) é um marco simbólico: a morte surge como espelho e ameaça, insinuando-se como possibilidade de fuga ao desassossego. Mas é precisamente aí que a leoa revela a sua força. Ao conviver com os fantasmas, ela impede a protagonista de se dissolver, transformando o vazio em metamorfose, “numa outra margem”.
A escrita fragmentada e a estrutura alternada ritualizam esta tensão entre exterioridade e interioridade. A narradora dá corpo às pessoas e ao mundo, enquanto a leoa devolve ao leitor o rugido íntimo que resiste ao apagamento.
A capa do livro reforça esta leitura: a centralidade da rapariga isolada e de costas em oposição ao desenho invertido da leoa e da árvore espelha a inversão narrativa entre exterior e interior, entre memória e instinto. A árvore invertida remete para raízes deslocadas — a avó como sustentação, os pais como ausência — enquanto a leoa invertida simboliza o desassossego e a força subterrânea que desafia a ordem.
Assim, Augusta não é apenas um romance de iniciação ou perda, é também um romance de esperança em “que o amor vence sempre”. É um texto maravilhoso que convoca o leitor a escutar o rugido íntimo que impede a extinção, revelando que a busca interior é também uma luta feroz onde duas vozes — narradora e leoa — se alternam para encenar a luta entre fragilidade e potência, entre fantasmas e sobrevivência com a capa a funcionar como síntese visual dessa tensão.

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