24 dezembro, 2025

Manta de RetalhEcos

 




Eu passava horas a mover as figuras do presépio. Até que um dia, como se fosse a manipuladora de um teatro secreto, escolhi fazer diferente. O burro precisava de férias, coloquei-o em cima da televisão. O pastor sorridente juntou-se à vaca desconfiada, enquanto a ovelha indagava o céu de papel azul. O anjo, cansado de vigiar, mudava de lugar todas as noites, e os reis magos descansavam no sofá como se fosse paragem de viagem.

Entre risos e invenções, o camelo reclamava da falta de almofada, o cão refugiava-se na fruteira, as bagas vermelhas de azevinho brilhavam como pontos de fogo e o musgo guardava o cheiro da floresta molhada. Mas ao fundo, na cozinha, já se adivinhava o perfume doce das filhoses e dos sonhos, misturado com o lume da lenha e vozes familiares.

Foi então que Maria, curiosa e atenta, se afastou e caminhou até à biblioteca. Entre prateleiras silenciosas, escolheu livros para ler ao menino Jesus, como se cada página fosse um gesto de carinho, uma história guardada para embalar o tempo.

Havia também a expectativa silenciosa de surpresas embrulhadas em mistério, como se a noite trouxesse tesouros escondidos. E eu, sentada no chão, ria baixinho das novas posições das figuras, ao mesmo tempo que sentia que aquele cenário era uma parte de mim.

Não era apenas arrumar peças — era bordar segredos invisíveis, inventar diálogos, e guardar no coração lembranças que voltavam sempre, como se a mesa fosse palco de mundos eternos, feitos de doçuras e alegria.

Hoje, estas histórias fazem parte da minha manta de retalhecos, feita de ecos e ternura, como se cada gesto devolvesse lembranças guardadas — aquelas que voltam a acender-se sempre que o presépio ganha voz.



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