09 agosto, 2020

Manual para mulheres de limpeza, de Lucia Berlin



OPINIÃO


Manual para Mulheres de Limpeza é uma antologia que reúne 43 contos (short stories) dos muitos que escreveu.
As histórias baseiam-se na sua vida atribulada (viveu em vários países, teve vários casamentos, várias profissões, quatro filhos, problemas de saúde e alcoolismo). É precisamente, a fusão da realidade com a ficção que torna a sua escrita perturbadora. Dei por mim, a conferir a sua vida com a narrativa, a questionar-me se o narrado foi mesmo o vivido. No prefácio, Lydia Davis cita o filho de Lucia Berlin “As nossas histórias e memórias familiares foram lentamente moldadas, embelezadas e editadas, ao ponto de eu já não estar certo do que realmente aconteceu em todos os momentos.” 

Mas o importante é mesmo a sua escrita franca e, também, poética, “Uma iluminação indolente, como uma tarde mexicana no teu quarto. Consegui ver o sol na tua cara. “ (p.506), a forma como ela agarra o leitor e como o torna testemunha dos acontecimentos, sejam eles bons ou maus. Ela narra o quotidiano sem rodeios, ela transforma factos duríssimos, dolorosos em actos banais. Algumas histórias são difíceis pela brutalidade da sua descrição, outras são ternurentas, outras melancólicas, outras ainda plenas de humor. 


No último conto “Voltar a casa”, a narradora, sozinha, em casa, levanta uma série de questões “(…) Que outras coisas perdi? Quantas vezes na minha vida terei estado, por assim dizer, sentada no alpendre das traseiras, não no da frente? O que teria sido dito que não consegui ouvir? Que amor podia ter havido que eu não senti? 

São perguntas vãs. O único motivo por que vivi tanto tempo foi ter largado o passado. Fechar a porta à dor, ao arrependimento, ao remorso (…) Tudo o que de bom e de mau aconteceu na minha vida foi previsível e inevitável, especialmente as escolhas e as acções que garantiram que agora estou totalmente sozinha.” (pp. 508 e 509)

Realidade? Ficção? Realidade ficcionada? De tudo um pouco, certamente! O que importa, verdadeiramente, é que se trata de um livro extraordinário.


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