30 novembro, 2023

𝑼𝒎𝒂 𝑬𝒙𝒊𝒔𝒕ê𝒏𝒄𝒊𝒂 𝒅𝒆 𝑷𝒂𝒑𝒆𝒍, de Al Berto

 


Autor: Al Berto
Título: Uma Existência de Papel
N.º de páginas: 53
Editora: Coleção Pedra de Canto - 4
Edição: Janeiro 1985
Classificação: Poesia
N.º de Registo: (--)


OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐⭐


Todos os anos, neste mês, volto obrigatoriamente a Al Berto, o meu poeta.
Desta vez a escolha recaiu no livro Décimo Primeiro (1984/85) - Uma Existência de Papel.

É sempre com enorme prazer que o (re)leio. Mesmo tratando-se de uma releitura, descubro novas confissões, sinto novas e intensas emoções. Nunca permaneço indiferente e, por vezes, é-me mesmo doloroso reter, dos seus versos, a intensa solidão, a melancolia profunda e permanente e o silêncio desolador (“é no silêncio/que melhor ludibrio a morte”) que se revelam através da perda, da ausência e do medo.
Para Al Berto escrever é viver. É a folha de papel que lhe dá ânimo para existir.
“ então a vida abater-se-á sobre a folha de papel/ onde verso a verso/ me ilumino e me desgasto” (Meu único amigo - 6).

Há, neste livro, resquícios de uma existência fulminante, de excessos, de paixões, de transgressão, mas também de vazios lancinantes, de memórias de viagens, de vivências, de lugares, de partidas, da criança que foi.
“eis-me acordado/ com o pouco que me sobejou da juventude nas mãos/ estas fotografias onde cruzei os dias/ sem me deter/ e por detrás de cada máscara desperta/ a morte de quem partiu e se mantém vivo.”

Gostaria ainda de destacar, porque é também um dos meus poetas, a referência num poema, o penúltimo deste livro, a um dos seus “fantasmas literários”. Rimbaud é um dos seus modelos estruturadores, por excelência. Este poema é um auto-retrato de Al Berto com alusões metonímicas a Rimbaud (Alexandria, Harrar) e com a indicação dos trinta e sete anos de idade – a idade do poeta francês quando morreu – revela um propósito de identificação com o seu destino. A biografia de Rimbaud confunde-se com a de Al Berto.

“embebedavas-te
(…)
escuta
a partir de hoje abandono-te para sempre
ao silêncio de quem escreve versos
em Portugal
tens trinta e sete anos como Rimbaud
Talvez seja tempo de começares a morrer!

Assim, pode-se aferir, após a leitura deste décimo primeiro livro, que a vida de Al Berto parece conter-se a uma existência de papel na medida em que se regista a necessidade urgente de condensar sensações, vivências, memórias e imagens através da escrita. Pelo que o espaço privilegiado em que o “eu” se estabelece é o “papel”
“mais nada se move em cima do papel/ nenhum olho de tinta iridescente pressagia/ o destino deste corpo” (Eremitério – 5)



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