02 julho, 2021

𝑪𝒐𝒏𝒕𝒓𝒂 𝑴𝒊𝒎, de Valter Hugo Mãe

 



Autor: Valter Hugo Mãe
Título: Contra mim
N.º de páginas: 281
Editora: Porto Editora
Edição: Outubro 2020
Classificação: Biografia
N.º de Registo: (3252)

OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐


Contra mim
é um livro muito pessoal e intimista. Partindo de textos e apontamentos dispersos guardados durante anos e revisitando as suas memórias, o autor foca-se essencialmente na sua infância e parte da adolescência vividas em Angola, onde nasceu, e depois em Paços de Ferreira e Caxinas.

“Regressado com dois anos e meio de idade, eu esquecera quanto vira em Angola. Esquecera as pessoas, a cor das pessoas, esquecera as casas, os campos, o calor, os odores.
Durante um longo tempo, entusiasmado com ser criança, a minha consciência parecia fazer com que Paços de Ferreira fosse um lugar absoluto, um mundo absoluto, extenso e suficiente, incrível e até demasiado.” (p. 36)

De forma simples, directa, sincera e fascinante, o autor comove o leitor: primeiro, porque o remete para a sua própria infância/adolescência; segundo, porque vive as alegrias, as vitórias, as tristezas e as desilusões do protagonista e terceiro, porque acompanha o seu sonho, a sua criatividade, o seu interesse pelas palavras, pela poesia. Desde muito pequeno que juntava palavras num caderno para lhes dar o seu sentido e através delas crescer e criar o seu mundo.

“Sem saber ainda escrever, eu listava as minhas palavras no pensamento e pedia à minha mãe que me repetisse as que esquecia, não entendia ou queria ouvir como se as pudesse colher de novo, frutos da bela árvore que era a minha mãe. Frutos ou brinquedos. Meus melhores, fiéis e incorruptíveis brinquedos.” (p. 48)
e
“As palavras eram joias. Ouvir as minhas tias à conversa era apanhar dinheiro que lhes caía boca fora.” (p.49)

Valter, a criança imaginativa, o “miúdo carente, espantado, pacóvia e medricas” (p.83) relembra e partilha com o leitor a sua rotina em casa com a família, na escola, e com os (poucos) amigos; as suas descobertas de criança; a descoberta do seu corpo e da” rotunda pequenina entre as pernas das meninas”; os seus primeiros e tristes amores; o seu relacionamento com o “irmão horizontal” que morreu prematuramente; a sua crença particular em Deus.

“Eu acreditava em Deus porque estava grato e necessitava ter alguma figura a quem corresponder nesse sentimento arrebatado que vinha da oportunidade de existir. Que, por muitos anos, na minha timidez, se resumia a assistir. Talvez não existisse. Talvez apenas assistisse. Era, contudo, o bastante para uma gratidão sem reservas.” (p. 78)

É um livro lindo, com descrições ternurentas, aparentemente inocentes, com ideias claras, desconstruídas e muito interessantes.



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