09 abril, 2025

𝑨 𝑪𝒆𝒈𝒖𝒆𝒊𝒓𝒂 𝒅𝒐 𝑹𝒊𝒐, de Mia Couto

 


Autor: Mia Couto
Título: A Cegueira do Rio
N.º de páginas: 325
Editora: Caminho
Edição: Outubro 2024
Classificação: Romance
N.º de Registo: (3628)



OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐⭐


A Cegueira do Rio é um romance que recupera um facto histórico em África, em 1914, no início da Primeira Guerra Mundial. Esse facto trata-se de um incidente que ocorreu numa aldeia na fronteira entre a Tanzânia e Niassa, em que centenas pessoas foram assassinadas pelo exército alemão que colonizava a África Oriental Alemã, a atual Tanzânia, após uma revolta que ficou conhecida como Maji-Maji.
A narrativa vai alternar entre um narrador principal e múltiplas vozes, na primeira pessoa, fixando, assim, a história de um país sem a amarrar a uma única perspectiva.

O livro estabelece uma relação de memória com a escrita, na medida em que é importante lutar contra o esquecimento (recordar para não esquecer); explora temas como a identidade e o colonialismo; mescla sagrado e profano. O carácter distópico presente na “agrafia que se convertera numa epidemia planetária” (p.281) e que impedia os brancos de escrever, cria uma atmosfera ilusória e permite atribuir às personagens femininas um poder e uma sensibilidade únicos.
“ Fomos nós, mulheres, que sustentámos as nossas aldeias. Os homens foram levados, a maior parte deles nunca mais regressou. (…) Queremos que vás [Aluzi Msafiri] ao palácio. E ensines esses brancos a escrever (…) se estiverem cansados que deixem por escrito uma única palavra. Essa palavra é «desculpa». Depois os portugueses que peguem nas coisas deles e se metam num barco.” (pp. 312 e 313)

O papel da mulher, centrado na profetiza Aluzi Msafiri, é simbólico e reflecte questões de identidade, resistência e opressão. Como guardiã da história e das tradições, ela representa a sabedoria ancestral e a resiliência perante as adversidades, questiona as estruturas de poder e revela as fragilidades do homem, marcadas pela violência e pela imposição da autoridade. É recorrente, na obra de Mia Couto, o protagonismo feminino como agente de resistência e de mudança.

A escrita de Mia Couto é poética e policromática com laivos de realismo mágico onde o passado e o presente se entretecem de forma fluida. O recurso a provérbios e a uma narrativa fragmentada, dita a várias vozes, traduz a sabedoria ancestral tão própria da filosofia africana e garante a pluralidade de opiniões e saberes.

Mia Couto é um dos meus escritores de eleição. Recomendo muito a leitura dos seus livros. Mia tem uma maneira muito própria de olhar o mundo. E a sua poesia, seja em verso ou em prosa, é uma ferramenta fabulosa e única para o descrever.


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