11 dezembro, 2022

𝑽𝒊𝒔𝒕𝒂 𝑪𝒉𝒊𝒏𝒆𝒔𝒂, de Tatiana Salem Levy

 

Autora: Tatiana Salem Levy
Título: Vista Chinesa
N.º de páginas: 122
Editora: 20|20 - Elsinore
Edição: Agosto 2021
Classificação: Romance
N.º de Registo: (3334)



OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐



Que livro! Que história! Que coragem! A da escritora, Tatiana Salem Levy, que narra a história de uma amiga muito próxima, vítima de violação. A da amiga, Joana Jabace, que ousou relatar, descrever o sucedido, o horror; que permitiu que as feridas ainda tão vivas na sua mente, no seu corpo fossem de novo e, mais uma vez, abertas; que fez questão de revelar a sua identidade.

A autora sublinha, no final, que se trata de um romance baseado numa história real. Este facto não suaviza a leitura, apenas nos dá a possibilidade de imaginar que o acto de violação, o crime, porque se trata de um crime, não tenha sido tão cruel, tão violento e que as marcas corporais e psicológicas não sejam tão profundas e traumatizantes. Pura ilusão! Percebemos, de imediato, que a personagem está marcada para a vida.
“(…) aquela terça-feira na mata ficou cravada não só na alma, como eu achei que fosse acontecer. Ficou impressa no corpo. Está tudo escrito na minha pele, sei que está, tudo o que aconteceu, até os detalhes que eu disse que tinha contado para a polícia, mas não contei, porque nunca se conta tudo, há sempre uma parte que falta.” (p. 51)

Tatiana Salem Levy não foge à cruel realidade. Apresenta-nos um testemunho intenso, duríssimo de uma luta individual pela superação de um acto horrível, pela aceitação de um corpo mutilado, pelas vivências inerentes à investigação policial, pela dolorosa integração na família e na sociedade.
A narração, sob forma de carta que a protagonista escreve aos filhos, não é linear, ocorre por camadas, por memórias, por fragmentos, por momentos do presente, por expectativas de um futuro melhor.
“Pensando melhor, não é bem uma carta. É mais um testemunho. Um testemunho, não. O testamento que eu não quero deixar para vocês.” (p. 43)

A autora foca-se nos detalhes. Cirurgicamente, narra o indizível; descreve a dor como se fosse sua, visceral; explora o corpo magoado e mutilado; desmonta a consciência traumatizada; enfrenta a luta pela superação do medo, do mal, da escuridão, mas também da vida, do seu amor de mulher e de mãe de dois filhos, da esperança.
“Cada vez que alguém acreditava ter encontrado a minha salvação, eu podia ver o sorriso nos seus olhos. E era essa aminha meta, esse o sentido que não me deixava afundar no sofá.” (p. 55)

O leitor, sem fôlego, sente a dor, a revolta, a rejeição do corpo, vive as agressões, as angústias, participa nos depoimentos, no reconhecimento do agressor, nas sessões de terapia e acompanha a recuperação lenta, muito lenta.
O leitor horrorizado pela maldade humana deixa-se envolver nos detalhes da história, deixa de respirar e dilacerado anseia pela superação, pela recuperação desta mulher, de todas as mulheres vítimas de violação.

LEIAM! Merece ser lido!



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