26 dezembro, 2021

𝑪𝒐𝒎𝒐 𝒂 Á𝒈𝒖𝒂 𝒒𝒖𝒆 𝑪𝒐𝒓𝒓𝒆, de Marguerite Yourcenar



Autora: Marguerite Yourcenar 
Título: Como a Água que Corre 
N.º de páginas: 188
Editora: Abril/ControlJornal
Edição:  Maio 2000
Classificação: Novelas
N.º de Registo: (1104)



OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐⭐



Como a Água que Corre contém três novelas, escritas em períodos diferentes e um posfácio para cada uma delas. Nestes, a autora fornece informações importantes que elucidam o leitor sobre determinados aspectos que motivaram a sua escrita e as subsequentes alterações. Por exemplo, ficámos sabedores de que “Anna, Soror...”, a primeira novela” é uma obra de juventude e que inicialmente foi escrita para ser um romance, um longo romance. Todas as novelas foram várias vezes alteradas e reeditadas. “Outros pormenores houve, bem entendido, que foram omitidos, acrescentados ou mudados.” (p. 185)
A autora esclarece que o título atribuído a esta recolha representa a imagem de “um rio, ou por vezes da torrente, ora lamacenta ora límpida, que é a vida.” (p. 165) Eu acrescentaria que o título representa também a mestria da sua escrita, do seu estilo. As palavras fluem naturalmente ao ritmo do rio, do tempo, da vida e o leitor fica rendido à beleza da narrativa.

Gostei sobretudo da segunda novela, “Um Homem Obscuro”, que nos apresenta as aventuras de Natanael, um rapaz simples, de índole transparente, tal como a água que corre, que se dá bem com qualquer pessoa apesar da existência de diferenças: “Apesar da diferença de cor, entendera-se bem com o mestiço; apesar da religião, que ela aliás não praticava, fora Sarai uma mulher como outra qualquer, também havia ladras baptizadas, (…)” (p. 132) Natanael é daqueles que pensam, que questionam, e aproveitam as ocasiões boas que a vida lhes apresenta, mantendo sempre a sua independência.

A terceira novela, mais curta, “Uma Bela Manhã” dá continuidade à segunda, e narra uma parte da vida de Lázaro, filho de Natanael e da prostituta Sarai. O pequeno Lázaro, que nunca conheceu seu pai, “não tinha limites, e bem podia sorrir amigavelmente ao seu próprio reflexo…”(p. 155) partiu com uma companhia de teatro, livre, para realizar um sonho “nessa sensação de ser tantas pessoas ao mesmo tempo, a viverem tantas aventuras” (p. 155) Nisso, sem o saber, era igual ao pai.

Para concluir, e citando de novo a autora que no segundo posfácio refere, “Toda a obra literária é assim feita de um misto de visão, lembrança e acto, de noções e de informações recebidas, no decorrer de uma vida, através da palavra ou dos livros, e de resquícios da nossa própria existência.” (p. 180). Só posso acrescentar que esta recolha de Marguerite Yourcenar espelha maravilhosamente a sua forma de encarar a obra literária. Nela, tudo flui como a água que corre e a obra-prima emerge e transporta o leitor na sua corrente ora calma ora impetuosa.


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