06 novembro, 2021

𝑼𝒎𝒂 𝑺𝒐𝒍𝒊𝒅ã𝒐 𝑫𝒆𝒎𝒂𝒔𝒊𝒂𝒅𝒐 𝑹𝒖𝒊𝒅𝒐𝒔𝒂, de Bohumil Hrabal

 


Autor: Bohumil Hrabal
Tradutora (do checo): Ludmila Dismanová
Título: Uma Solidão Demasiado Ruidosa
N.º de páginas: 143
Editora: Antígona
Edição: Setembro 2019
Classificação: Romance
N.º de Registo: (3260)


OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐



Há 35 anos que Hanta vive numa solidão partilhada com a ruidosa prensa hidráulica. Na Praga de Kafka, assolada pela guerra, acompanhamos a vida absurda deste homem que passa os dias, os anos a prensar papel e livros numa cave suja, a recolher e a ler relíquias que lhe passam pelas mãos, a beber canecas e canecas de cerveja e a dormir numa casa velha repleta de livros. Hanta, apesar do ambiente miserável onde trabalha, é um homem feliz e culto, um pensador e um contador de memórias.

Narrado na primeira pessoa, Hanta relata-nos a sua “love story”. É um homem de contrastes, é um homem que se suja de sangue dos ratos prensados, mas também das letras dos livros.
“… há trinta e cinco anos que me sujo de letras, a tal ponto, que com o passar do tempo, me pareço com uma das pelo menos três toneladas de enciclopédias que terei prensado; sou um cântaro cheio de água viva e de água morta, basta inclinar-me um pouquinho e jorram de mim ideias lindas; sou culto independentemente da minha vontade e, assim nem sei bem que ideias são minhas, saídas da minha cabeça, e quais delas li.” (p.7)

É assim que Hanta se apresenta logo no início. E ao longo deste monólogo, temos uma imensidão de referências a livros, a bons livros. Temos metáforas, imagens lindíssimas. Temos histórias vividas, sonhadas, irreais.
“ …afinal não leio, apenas debico uma bela frase e chupo-a como um rebuçado, como se bebericasse lentamente um cálice de licor, até a ideia se dissolver em mim como álcool, tão devagar que não só penetre no meu cérebro e no meu coração, mas pulse também nas minhas veias até às raízes dos capilares.” (p.7).
Ninguém resiste a um texto destes. É lindo. É intenso. É poético.

Durante trinta e cinco anos, Hanta é o guardião dos livros, do conhecimento, das suas memórias, das suas histórias. Numa profunda solidão, ao ritmo de dois botões, o vermelho e o verde, Hanta cumpre a sua função com devoção, não com total zelo já que muitas vezes pára para ler uma raridade que lhe cai do “céu”, do buraco do tecto.
“…o disco da prensa avançava e recuava conforme eu premia o botão verde ou o botão vermelho e, nos intervalos, eu bebia cerveja e lia a Teoria do Céu, de Immanuel Kant,…” (p. 78) Porém, no final, Hanta é surpreendido pelo progresso (“iniciava-se uma nova era, com novos homens e mulheres e novos métodos de trabalho.” p. 99) +e vai ser substituído por dois jovens, que só bebem leite, mais qualificados, mas indiferentes aos livros e ao seu conteúdo e a sua prensa por uma maior, mais moderna e mais eficaz. Hanta indigna-se e toma uma decisão que não vou desvendar.

É um livro magnífico. Um hino aos livros, à literatura

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