09 abril, 2021

𝑳é𝒙𝒊𝒄𝒐 𝑭𝒂𝒎𝒊𝒍𝒊𝒂𝒓, de Natalia Ginzburg

 


Autor: Natalia Ginzburg
Título: Léxico Familiar
N.º de páginas: 191
Editora: Relógio d'Água
Edição: 1.ª- Janeiro 2019
Classificação: Romance 
N.º de Registo: 3277



OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐



Natalia Ginzburg conta a história da sua família integrada numa Itália de Mussolini. Esta suposta, digo suposta porque a autora refere na advertência que “não se trata da minha história, mas antes, embora com vazios e lacunas, da história da minha família”), autobiografia romanceada está bem escrita, e os acontecimentos familiares e históricos são narrados de forma sincera, íntima, elegante e divertida.

Tratando-se de histórias banais do dia-a-dia, por vezes sem importância, a autora, apesar de também narrar momentos de detenção, de perseguição e de morte, opta por resgatar a sua memória familiar dando ênfase ao “léxico”, às frases proferidas por cada elemento da família. O mais marcante e peculiar é sobretudo o do pai. Este, bastante severo nos seus juízos, dirigia-se aos filhos e à esposa de forma insultuosa e preconceituosa. Todos eram estúpidos e tratava-os de “cafres” e “asnos”.

“Qualquer ato ou gesto nosso que considerasse inapropriado, definia-o como «uma cafrealidade». – Não sejam cafres! Não façam cafrealidades! – gritava-nos a todo o momento.” (p. 9)

A trama avança, assim, transportada pelos gritos do pai, pelos desabafos da mãe, pela poesia de uns, pelas expressões de outros, pelas frases vezes sem conta repetidas e que atribuem identidade e ritmo à história.

“Somos cinco irmãos. Vivemos em cidades diferentes, alguns de nós no exterior, e não nos escrevemos com frequência. Quando nos encontramos, podemos ser, uns para os outros, indiferentes ou distraídos. Mas basta, entre nós, uma palavra. Basta uma palavra, uma frase: uma daquelas frases antigas, ouvidas e repetidas infinitas vezes, no tempo da nossa infância. (…), para redescobrirmos no mesmo instante as nossas relações de outrora, e a nossa infância e a nossa juventude, indissoluvelmente ligadas a essas frases , a essas palavras. Uma dessas frases ou palavras faria que nos reconhecêssemos mutuamente, como os irmãos que somos, na escuridão de uma gruta, entre milhões de pessoas. Essas frases são o nosso latim, o vocabulário dos nossos dias idos, (…) o testemunho de um núcleo vital que deixou de existir, mas que sobrevive nos seus textos, salvos da fúria das águas, da corrosão do tempo. Essas frases são o fundamento da nossa unidade familiar,…(pp. 25 e 26)

O leitor abanca nesta família judia, intelectual e activista, convive com os amigos e familiares, diverte-se com as piadas, toma partido nas brigas entre irmãos, acompanha as lutas de resistência antifascista, de prisão, de fuga e de morte, aceita a forma subtil e por vezes ingénua da autora em relação à intolerância e à perseguição dos antifascistas e dos judeus porque fica claro que a autora não pretende explorar os seus sentimentos, mas sim em revisitar os momentos vividos em família e com os amigos.

Gostei e recomendo este livro porque está muitíssimo bem escrito e porque nos transporta para uma época importante da história e da cultura de Itália. 



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