04 abril, 2021

𝑺𝒖𝒊𝒕𝒆 𝑭𝒓𝒂𝒏ç𝒂𝒊𝒔𝒆, de Irène Némirovsky

 

Autor: Irène Némirovsky
Título: Suite Francesa
N.º de páginas: 579
Editora: D. Quixote
Edição: 1.ª- Outubro 2005
Classificação: Romance histórico
N.º de Registo: 2026

OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐


Suite Française, escrito aquando da invasão da França pelas forças nazis, contém duas, “Tempestade de Junho” e “Dolce”, das cinco partes previstas pela autora; várias notas manuscritas que evidenciam o seu método de trabalho e as suas pretensões sobre este livro, por exemplo, nelas ficamos a saber que a terceira parte se chamaria “Cativeiro”; e ainda um vasto conjunto de cartas que indicam a troca de correspondência existente entre o seu marido e várias pessoas/organismos para tentar libertar a sua mulher que foi capturada e deportada para Auschwitz.

Uma das particularidades deste livro, publicado postumamente pela sua filha mais velha, Denise Epstein (2004), é o facto de a autora escrever a sua história à medida que vive os acontecimentos. O que narrou foi o que testemunhou, e na impossibilidade de continuar a escrever porque foi deportada, não concluiu a terceira parte que já se encontrava em fase avançada. A autora já tinha anotado o que pretendia narrar, mas faltava-lhe o desenvolvimento real da acção (esta intenção está muito clara nas notas anexadas) porque o caracter e o destino das personagens vão-se modificando de acordo com o evoluir da ocupação, da guerra.

Na primeira parte, a autora descreve a debandada geral dos franceses de Paris. Não se debruça tanto sobre os factos em si, mas sim sobre os detalhes dos comportamentos das personagens-tipo seleccionadas. É através da caracterização das personagens e das suas atitudes que percebemos o cenário do enredo influenciado por “factores de ordem social, cultural e económica”. Sem fazer juízos de valor, a autora incide nas reacções, nos comportamentos egoístas, mesquinhos, hipócritas dos franceses abastados forçados a abandonar o conforto do lar e a segurança do seu emprego/estatuto, mas também na ingenuidade e integridade de algumas personagens, poucas, de classe média.

“Meu Deus, o que eu vi! Portas fechadas, onde se batia em vão para pedir um copo de água, refugiados que pilhavam as casas; por toda a parte, de uma ponta à outra, a desordem, a cobardia, a vaidade, a ignorância! Ah! Que triste figura a nossa!” (p. 241)

Na segunda parte, a narrativa desloca-se para o campo, para um pequeno burgo ocupado pelos alemães. Nesta parte, a autora vai insistir nos afectos, nas relações entre familiares, entre vizinhos, mas sobretudo no relacionamento entre franceses e alemães. Há descrições fabulosas de desentendimentos familiares, de denúncias de vizinhos, de favores, de colaboracionismo, de revolta, de amor e de resistência. O leitor não ficará alheio à história de Lucile, viúva(?) e de Bruno Von Falk (esta história, trouxe-me à memória outro livro, também citado nas notas do tradutor, célebre pela narração de uma história idêntica, Le Silence de la Mer, de Vercors).
A autora foi criticada pela sua “suposta” empatia e aceitabilidade do alemão inimigo instalado nos lares franceses, mas o que ela pretendeu foi pôr em evidência o contraste de alguns alemães sensíveis e cultos perante a hipocrisia, a cobardia e o oportunismo de alguns franceses colaboracionistas. Em seu abono, não devemos esquecer que nessa altura ainda se desconhecia muito do que iria acontecer e que ela própria iria viver, e também que tinha previsto mais três partes que certamente esclareceriam a sua posição perante o inimigo. (já se antevê nas suas notas)

Numa escrita intensa apesar de sóbria e simples, com ambientes e personagens meticulosa e soberbamente descritos, a autora agarra o leitor e transporta-o para um cenário de caos, de medo, de traição, de morte, mas também de paixão e leva-o a questionar-se sobre o papel de cada um nesta guerra. Nas notas, a autora alerta ”o leitor só tem de ver e ouvir”.

Recomendo vivamente. Este é sem dúvida o melhor livro que li da autora. Ganhou o Prémio Renaudot em 2004 e foi adaptado ao cinema por Saul Dibb, em 2014.



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