22 outubro, 2022

𝒄𝒂𝒅𝒆𝒓𝒏𝒐 𝒂𝒇𝒆𝒈ã𝒐, de Alexandra Lucas Coelho

 


Autora: Alexandra Lucas Coelho
Título: caderno afegão
N.º de páginas: 326
Editora: Tinta-da-China
Edição (5.ª): Janeiro 2015
Classificação: Diário de Viagem
N.º de Registo: (3343)


OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐


Caderno afegão é um relato em directo, objectivo e incisivo sobre uma geografia da guerra, do sofrimento, da morte, da desigualdade, da miséria, mas também sobre as tradições de um país, sobre uma história multisecular.
“E qual é o problema maior de todos, inflação, desemprego, saúde, guerra? Resposta imediata, nesta roda de mulheres e um rapaz:
- Bombistas suicidas,” (p. 50)

Alexandra Lucas Coelho (ALC) viveu no Afeganistão, entre 31 de Maio e 28 de Junho de 2008, como jornalista do Jornal Público e da Rádio Difusão Portuguesa. Através do seu olhar limpo e atento aos detalhes vamos, diariamente, acompanhando os seus relatos de viagem pelo país, os seus retratos de vida, a sua interpretação subtil, mas sentida de um país em ruinas, em guerra.


A aparente facilidade com que deambula pelas cidades que escolheu visitar, não está isenta de riscos. Nestes momentos de maior perigo, o seu relato torna-se menos objectivo, mas rigoroso deixando apenas perceber o risco.
“Mandam-me esperar quieta. Não me posso mexer sem escolta. Nem pensar em tirar fotografias.
Presa em Bagram. 14h Bagram. Media Center.
Vão libertar-me após averiguações.” (pp. 290 – 291)

O contacto com as pessoas é real, o relato actualizado diariamente é concreto, é vivido é sentido. As suas emoções são perceptíveis quando descreve o cheiro das rosas, presente em todos os jardins de Cabul (“Nunca vi tão forte dedicação às flores. Parece estar acima de tudo e a tudo ser imune. No meio do trânsito mais tóxico há rotundas com rosas lindas em Cabul,”(p.71)), o banho das mulheres no Hamman, o chá numa roda de mulheres, as refeições nos vários hotéis, as mulheres vestidas de burqa azul, entre muitos outros aspectos.

ALC escreve como observa a realidade. Foca-se nos diferentes sectores da sociedade afegã e nos muitos estrangeiros (humanitários, contratados e jornalistas) de múltiplas origens que povoam o país. Foca-se, essencialmente, na situação das mulheres “que desaparecem dentro das burqas. Elas desaparecem mesmo. Aquele pedaço de pano azul mexe-se e de lá sai uma voz abafada,” (p. 216); nas mulheres que não sabem ler; nas mulheres que têm filhos “antes de estarem amadurecidas” (p. 202); nas mulheres que não são tratadas porque não podem “mostrar o corpo a um médico homem.” (p.200); nas mulheres que ficam enclausuradas em casa porque não podem sair sozinhas.
“Nesta casa, a filha mais nova ainda não parece ter idade para ser adulta, mas já tem idade para usar burqa. Com a burqa por cima não se vê que idade tem.” (p. 519)

Sou apreciadora da escrita da ALC. Preocupa-se em relatar o que observa. Informa. Descreve com rigor e objectividade. É directa, sucinta, sincera. De vez em quando, deslumbra-se um flash mais poético, mais emotivo “ O mundo era a sua [de Babur] ostra. Um permanente desfrute” (p. 66); “Ghuti põe a burqa, apagando a luz dos seus trajes verde-lima.” (p. 112); “É uma paisagem soberba, indomada.” (p. 154); “É muito escuro dentro de uma burqa.” (p. 163)

Recomendo.



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