05 outubro, 2011

Valter Hugo Mãe: "Escrevi um livro para ter um filho"

Valter Hugo Mãe: "Escrevi um livro para ter um filho"


Aos 40 anos, Valter Hugo Mãe diz que é importante "assumir a tristeza para reclamar a esperança".
O auditório da Biblioteca Almeida Garrett, no Porto acolheu, a 27 de setembro, o lançamento da última obra de Valter Hugo Mãe, três dias depois do seu lançamento em Lisboa.
(...)

A grande aventura afetiva

Crisóstomo, aos 40 anos, sentia a tristeza de não ter um filho, "via-se metade ao espelho porque se via sem mais ninguém, carregado de ausências e de silêncios (...) e pouco ou nada do que continha lhe servia de felicidade. Para dentro do homem o homem caía". Quando encontrou Camilo, de 14 anos, deixado sozinho na vida pela morte do avô, Crisóstomo "pensou que aquele era seu filho". É desta forma que Valter Hugo Mãe começa a desenhar um mosaico de personagens carregadas de ausências e que compõem, cada uma com o seu passado, os primeiros capítulos do livro. Apenas mais à frente, na narrativa, as personagens se conhecem e criam espontaneamente vontade de se pertencerem.
Numa conversa conduzida por Anabela Mota Ribeiro, Valter Hugo Mãe explicou que a tese do livro é mostrar como, espontaneamente, a vida das pessoas se entrelaça e cria uma rede de relações - uma família que se inventa. É nesse património afetivo que "nos pousamos e nos vamos segurando, algo que faz parte da inteligência de estar vivo". Nem sempre as relações de sangue são as mais importantes. Essa é a grande aventura afetiva da humanidade: "as pessoas por quem eu sou incondicionalmente", afirma o escritor. Apenas a vontade de pertencer a alguém é a definição pura de família.
Hugo Mãe afirma que escreveu este livro para ter um filho e pensa já no próximo que escreverá: "para ter uma filha - a história de uma mulher enquanto filha e de uma mulher enquanto mãe". Para o escritor, um livro é um ato de generosidade. É isso que gostaria de deixar às pessoas. Um livro tem tudo a ver com estar completo pois "o amor não é uma coisa linear".
O seu maior esforço neste livro foi fazer com que Crisóstomo fosse feliz. "Não que o Crisóstomo seja eu, mas ele é no fundo quem eu gostaria de ser", disse. Às restantes personagens, que se sentem pela metade, pela sua dimensão física ou porque são reduzidas pela sociedade, o escritor destaca a sua autenticidade. "São pessoas que não têm por que mascarar o que dizem, inspiradas nas pessoas do lugar onde vivo."

A escrita e a vida

Cada vez que começa a escrever um livro, Valter Hugo Mãe anota todos os "nomes, palavras, expressões, vozes" que lhe surgem "do nada". São momentos dispersos, que mais tarde podem ou não incorporar a narrativa. O livro será uma "versão depurada de todas essas ideias". "Tenho que chegar a um ponto no livro em que nada me incomode", realça.
Falou sobre autores: Kafka, que o fascinou sempre, a poesia de Herberto Helder, Luís Miguel Nava, Al Berto, Adília Lopes ou Clarice Lispector, a única existencialista para quem tem paciência, por ser "um fenómeno literário em redor do que é e do que não é". Saramago ou Lobo Antunes e os anos 80 são como o tempo de afirmação de ambos, que o autor considera a um nível semelhante.
Aos 40 anos, o autor revê-se na frase do livro "assumir a tristeza para reclamar a esperança. Todos temos uma distância do sofrimento. O conhecimento dessa distância, mostra a que distância estamos da felicidade".
A "solidão é sobretudo a incapacidade de ver qualquer pessoa como nos pertencendo. Somos o resultado de tanta gente, de tanta história, tão grandes sonhos vão passando de pessoa a pessoa, que nunca estaremos sós", remata.
Por Sara Pinto Rodrigues in JPN
Publicado: 05.10.2011

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