Autora: Clarice Lispector
Título: Um Sopro de Vida (Pulsações)
N.º de páginas: 141
Editora: Relógio d' Água
Edição: Dezembro 2012
Classificação: Romance (inclassificável)
N.º de Registo: (3433)
OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐⭐
Um sopro de vida (Pulsações) foi publicado postumamente (1978). O livro, dividido em três partes: 1) O Sonho Acordado É Que É a Realidade, 2) Como Tornar Tudo Um Sonho Acordado? e 3) Livro de Ângela, foi escrito quando Clarice Lispector se encontrava gravemente doente.
Nele, Clarice Lispector traça um diálogo contínuo que se/nos submete, simultaneamente, a uma forte introspecção. Toda a narrativa é alicerçada em fragmentos dialogais, em vislumbres, em “instantâneos fotográficos das sensações – pensadas”, em trechos existenciais de auto reconhecimento, de auto questionamento, de auto negação. Ela constrói uma personagem e ao longo do livro mantém uma interação introspectiva fortíssima entre o narrador-criador (um autor) e a personagem criada (Angela Pralini).
“ (…) o que escrevo e Ângela escreve são trechos por assim dizer soltos, embora dentro de um contexto de… (…) são restos de uma demolição de alma, são cortes laterias de uma realidade que se me foge continuamente. Esses fragmentos de livro querem dizer que eu trabalho em ruínas.” (p. 17)
A interacção expõe as (in)capacidades, as (in)decisões, as invenções, os desejos (in)alcançados os sonhos e, desta forma, a personagem criada funciona como um espelho e cria uma dualidade, no sentido em que balança entre o que pensa e o que sente, entre a racionalidade e o instinto, entre a liberdade e a loucura, entre o vazio e a pungência da escrita..
“Tive um sonho nítido inexplicável; sonhei que brincava com o meu reflexo: Mas meu reflexo não estava num espelho, mas refletia uma outra pessoa que não eu.
Por causa desse sonho é que inventei Ângela como meu reflexo? (…) Será que criei Ângela para ter um diálogo comigo mesmo? Eu inventei Ângela porque preciso me inventar:” (pp. 23-26)
Este último livro impõe-se pelas reflexões e pela capacidade de Clarice Lispector dissecar as complexidades da existência humana. É magistral a forma como recorre à espiritualidade para se encontrar, para se absolver, para se aceitar. Numa prosa poética e imagética a autora explora temas como a criação literária, a identidade, a solidão, o silêncio, a liberdade, a loucura e a finitude.
“Escrever pode tornar a pessoa louca… Eu sei criar silêncio …Tenho medo de minha liberdade… o silêncio não é o vazio, é a plenitude”. (p. 48)
Quando terminamos a leitura, permanecemos em silêncio (de plenitude) e, calmamente, regressamos às quatro epígrafes citadas na abertura. Nesta fase, entendemo-las na perfeição. Contudo, extasio-me perante a segunda, “ A alegria absurda por excelência é a criação,” (de Nietzsche), que tão bem espelha a escrita de Clarice Lispector. E é de facto, também para o leitor, uma alegria quando nos deparamos com uma criação deste calibre.
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