21 agosto, 2023

𝑬𝒔𝒔𝒂 𝑮𝒆𝒏𝒕𝒆, de Chico Buarque

 


Autor: Chico Buarque
Título: Essa gente
N.º de páginas: 195
Editora: Companhia das Letras
Edição: Dezembro 2019
Classificação: Romance
N.º de Registo: (3462)

OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐



A leitura de Essa Gente flui agradavelmente porque se estrutura com pequenos capítulos – entradas de diário e de cartas – e com uma escrita simples, o que conferem um certo dinamismo à narrativa. Chico Buarque é, contudo, incisivo na crítica social do seu país, à política de Bolsonaro (as datas conferem este facto). Com subtileza e sentido de humor cria uma personagem, Manuel Duarte, escritor que sofre de “síndroma de Bartleby na Literatura”, isto é, “doença” que atinge certos criadores que, apesar de revelarem uma consciência literária muito exigente, os impede de escrever momentaneamente ou para o resto da vida. Enrique Vila-Matas explora muitíssimo bem este assunto no seu livro Bartleby & Companhia.

Voltando ao livro em análise, o autor situa a acção no Rio de Janeiro e oferece-nos um enredo fascinante que põe a nu quer a decadência da personagem quer a do país.

Chico já nos habituou à crítica social e política, as suas canções interventivas há muito que o fazem, pelo que não estranhamos o conteúdo. Também não posso concluir que este livro se cinge à crítica social, é-o efectivamente, mas é, na minha opinião, um hino às relações humanas, aos comportamentos das pessoas. Aliás, o título transparece isso mesmo. Há todo um desfilar de personagens tipificadas que se movem nas várias camadas sociais do Rio, que se relacionam com Duarte e as suas ex-mulheres e que denunciam as crises amorosas, financeiras e criativas de um escritor que não consegue escrever o romance que lhe garantirá a manutenção do seu prestígio e da sua conta bancária.

O leitor terá de intuir nas entrelinhas (como numa partitura?) porque os factos são narrados com muita delicadeza e subtileza, não há juízos de valor e apesar de se focar num tempo actual, é, porém, muito revelador da essência social do país, desde há muito. Quem não ouviu falar das favelas, do contrabando, da violência, do racismo, da corrupção? Da crescente e assumida estratificação social? Da vida de gente pobre, invisível, que tudo faz para sobreviver? “É isso o Brasil” a alma de Essa Gente, como é referido por mais de uma vez no livro.

Recomendo a leitura por tudo o que já referi, mas sobretudo porque penso que se trata de uma consciencialização contra a ignorância, a corrupção e a violência; de um apelo à luta pela liberdade, pela igualdade de direitos e deveres. Em suma, o desejo de um futuro melhor, de um país mais moderno e democrático.



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