30 agosto, 2023

𝑶 𝑨𝒄𝒐𝒏𝒕𝒆𝒄𝒊𝒎𝒆𝒏𝒕𝒐, de Annie Ernaux



Autora: Annie Ernaux
Título: O Acontecimento
Tradutora; Maria Etelvina Santos
N.º de páginas: 87
Editora: Livros do Brasil
Edição: Setembro 2022
Classificação: Romance
N.º de Registo: (3401)


OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐⭐


É o quarto livro que leio da vencedora do Prémio Nobel da Literatura 2022. Todos autobiográficos e escritos com enorme lucidez e acutilância. Mas este supera em tudo as leituras anteriores.

Annie Ernaux mergulha nas memórias dos seus 23 anos e, com recurso a uma agenda e a um diário íntimo, transforma em trama literária o aborto clandestino que então viveu. Sem pudor, ela narra todos os acontecimentos ocorridos a partir do momento em que decide rasgar o certificado de gravidez passado pelo médico. Contudo, a decisão de o fazer não foi fácil nem imediata, “Há anos que giro à volta deste acontecimento da minha vida. (…) Comecei esta narrativa há uma semana, não tendo a mínima certeza de vir a prossegui-la.” (p. 18). Ao longo da leitura, percebemos e aceitamos as suas hesitações, mas desejamos ansiosamente que a termine para que possamos, com ela, enfrentar o acontecimento e para que o seu desejo se concretize, como referiu numa das epígrafes, “que o acontecimento se transforme em escrita. E que a escrita seja acontecimento.” (cita Michel Leiris).

Ela também tem consciência de que este relato, directo e cru, tão característico da sua escrita, pode não agradar a todos. Na página 41, ela regista essa advertência, mas decide continuar pois o mais importante é revelar a “realidade das mulheres”, a “experiência vivida de uma ponta a outra através do corpo” e manifestar a sua oposição à “dominação masculina do mundo”.

Trata-se de um testemunho corajoso e doloroso que levanta questões “acerca da vida e da morte, do tempo, da moral e da interdição, da lei” (pp.83-84),da vergonha, do pecado e que revela a experiência dramática vivida por muitas mulheres, a caminhada solitária, a incerteza.

“Caminhava pelas ruas com o segredo da noite de 20 para 21 de janeiro no meu corpo, como uma coisa sagrada. Não sabia se tinha estado no auge do horror ou da beleza. Sentia orgulho. (…) Foi, sem dúvida, algo desse orgulho que me fez escrever esta narrativa. (p.80).

E eu como leitora e mulher sinto e partilho esse enorme orgulho.


Sem comentários:

Enviar um comentário