19 julho, 2023

𝑶 𝑷𝒊𝒏𝒕𝒐𝒓 𝒅𝒆 𝑩𝒂𝒕𝒂𝒍𝒉𝒂𝒔, de Arturo Pérez-Reverte

 


Autor: Arturo Pérez-Reverte
Título: O Pintor de Batalhas
Tradutora: Helena Pitta
N.º de páginas: 230
Editora: Asa
Edição (3.ª): Março 2020
Classificação: Romance
N.º de Registo: (3371)


OPINIÃO ⭐⭐⭐⭐


Que livro fabuloso! Exigente, perturbador e impelente! Temos vontade de ler mais e mais, mas algo nos retém e permanecemos deslumbrados perante o poder e a força das palavras.

O Pintor de Batalhas suga-nos as entranhas, obriga-nos a inspirar profundamente antes de assimilar o que foi dito, questionado. Tal como Faulques, o protagonista, que nada diariamente “cento e cinquenta braçadas mar adentro e outras tantas de regresso “ (p.7), também o leitor mergulha nas páginas deste romance e a cada “braçada” que percorre, obriga-se a respirar, a reflectir porque não consegue avançar na “geometria do caos” que lhe é imposta.

Pérez-Reverte a partir da sua experiência jornalística constrói a personagem de Andrés Faulques, um fotógrafo de guerra que, ao longo de 30 anos de profissão, andou pelo mundo e captou imagens poderosas e devastadoras. Na narrativa, Faulques, que já tinha abandonado a fotografia e decidido isolar-se numa torre de vigia na costa mediterrânica (Puerto Úmbria), dedica-se à pintura mural numa tentativa de expor cientificamente “as regras implacáveis que suportam a guerra, (…) o caos aparente – como espelho de vida”. Na construção do seu fresco, combinam-se e misturam-se traços, cores, sombras de memórias, que recupera através das fotografias; das visitas a museus, das pesquisas em livros, das notas que registou e, sobretudo, das memórias dolorosas, impressas no “olhar de trinta anos pautados pelo som obturador de uma máquina fotográfica” (p.9) em busca de um olhar vazio, de um rosto moribundo, de um corpo violado e ensanguentado, do horror como “um franco-atirador paciente”, como um predador em busca da sua presa.


Na sua torre, Faulques, isolado e perturbado pela memória da mulher amada (Olvido), recebe, inesperadamente, um ex-soldado croata, um dos muitos rostos fotografados, que vem confrontá-lo com o seu passado, com as repercussões de uma fotografia que percorreu o mundo “ onde o horror se vende como arte, onde a arte nasce já com a pretensão de ser fotografada, onde conviver com as imagens do sofrimento não tem relação com a consciência nem com a compaixão.” (p. 175)

Nesse confronto de memórias, de silêncios, de encolher de ombros, de observação, os dois homens discorrem de forma intensa e dolorosa sobre as consequências da guerra, “a guerra como sublimação do caos”, a violência desmedida do homem, o poder da fotografia, o acto “selvagem” do fotógrafo no momento fatal da retina, que escolhe o alvo, a ética no fotojornalismo, o remorso, a expiação, a morte.

Reverte num crescendo de intensidade conduz o leitor, pela via da beleza da arte (fotografia e pintura), aos caminhos ignóbeis da guerra, à visão da morte, ao desfecho imprevisível das duas personagens. A narrativa desenvolve-se em vários planos que se entrelaçam magistralmente: as memórias de Faulques com a mulher amada; as memórias do registo da fotografia como acto solitário e fugaz nos palcos da guerra e o presente, que consiste na pintura do mural e no diálogo reflexivo, inquietante e intenso entre os dois homens. Reverte numa escrita lúcida, concisa e sincera arrebata e incomoda o leitor. Não há um vislumbre de esperança, não há um resgate de humanidade. Há, sim, uma “geometria do caos”, as linhas que desenham a vida e traçam a morte. Reverte recorre, neste livro, a um realismo artístico, a uma pintura numa parede circular, para espelhar a sua visão amargurada do mundo. E fê-lo porque considera que a fotografia apenas sugere e não consegue mostrar “o xadrez caótico, regra implacável que governa o acaso perverso do mundo e da vida.” (p. 38)
Recomendo vivamente.



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