27 dezembro, 2020

𝘔𝘢𝘵𝘢𝘪-𝘷𝘰𝘴 𝘶𝘯𝘴 𝘢𝘰𝘴 𝘰𝘶𝘵𝘳𝘰𝘴, de Jorge Reis

 


OPINIÃO

Matai-vos uns aos outros é considerado um dos melhores romances do neo-realismo e “talvez o melhor romance policial português” (Óscar Lopes). Escrito em 1958 e publicado em 1962, foi proibido e retirado do mercado pela Censura, tendo circulado de forma clandestina. 
A narrativa decorre na localidade de Vila Velha, em 1948. O agente António Santiago tinha 36 anos e fora incumbido de desvendar a morte de Manuel dos Santos. 

“Caíra na Polícia Judiciária, não por temperamento ou vocação para esteio da ordem, mas por necessidade – e ainda a conselho e pelas cunhas do padrinho, chefe da brigada de costumes”. (p.17)

Muito bem escrito, com pinceladas de ironia, relata factos, episódios (alguns caricatos) e costumes de uma terra do interior. Na tentativa de descobrir o presumível assassino de entre dez suspeitos, Santiago, durante sete dias (de quarta a terça-feira) convive com a dita elite da terra, intercepta a hipocrisia, o oportunismo e a corrupção, assiste à violência da praça (guardas) e às manifestações de descontentamento e de pobreza do povo trabalhador e oprimido. 
Jorge Reis escolhe Vila Velha, mas é Portugal que pretende retratar. Narrando os factos e descrevendo aquelas personagens, o autor desvenda magistralmente os meandros da cumplicidade, da arrogância, da opressão e da violência das gentes do poder, da época.

“Triste época a nossa – ia dizendo D. Virgínia – Vivemos no reino dos cascas-grossas e dos brutos a arrotar a broa!... Antigamente, o homem era respeitado pelo seu valor pessoal!... Hoje!...” (p.76) 

“Enfim, um povo em estado de falência crónica”. (p.133) 

“(…) Pior: vivem no medo! Não o medo que, ante um perigo preciso, todo o homem cobra normalmente – senão esse pavor difuso, incerto, acabrunhador, medíocre que leva o vizinho a arrecear-se do vizinho, o irmão a denunciar o irmão! O medo filho da má consciência, do pão que sabe ao pó da mentira e dos caminhos do futuro vedados em todas as encruzilhadas!... “ (p. 149)


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